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Linguagista

«Martelo», uma acepção

Ninguém sabe

 

      Ao passar agora ali pela Rua dos Navegantes, vi um martelo de porta muito bonito e logo pensei que não seria acepção que o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora acolhesse. Confirmei agora: não somente naquele, antes em nenhum dicionário que possuo (mas não os tenho aqui todos comigo) está tal acepção de martelo. «Daí a bocado ouve-se o martelo da porta, na maneira combinada do Eduardo bater» (Casa sem Pão, Maria Archer. Lisboa: Empresa Contemporânea de Edições, 1947, p. 144). (E não há quem reedite algumas das obras de Maria Archer, provavelmente quem melhor escreveu, no século XX, sobre a África portuguesa?)

 

[Texto 9488]

Léxico: «lobo-siberiano» — e outros

Só lobos

 

      «A deslocação do Presidente da República à Rússia para assistir à vitória de Portugal frente a Marrocos foi frenética. OK, estamos a falar de Marcelo e tudo nele é mais ou menos agitado, mas a viagem ao país dos sovietes [sic] terá ultrapassado as marcas do razoável. Vejamos a agenda cumprida: Marcelo chegou na terça-feira e, ainda no aeroporto, encontrou-se e trocou umas bolas com Zabivaka, o lobo-siberiano que é a mascote do Mundial, e à noite foi dar uma volta no famoso metro de Moscovo, onde tirou algumas selfies com os cidadãos» («A visita. Marcelo no país dos sovietes», Público, 23.06.2018, p. 8).

      Pertencentes ao género Canis, há três espécies vivas: lobo-cinzento (Canis lupus), lobo-vermelho (Canis rufus) e lobo-etíope (Canis simensis), as demais são subespécies. Nenhuma delas — nem lobo-siberiano (também Canis lupus) — o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora regista. E a propósito, sabiam que temos os adjectivos lupino e lobuno? O primeiro soa quase como se estivesse a sair dos lábios de qualquer cidadão do Império Romano, mas o segundo formou-se já na nossa língua e, curiosidade que me levou a falar de ambos, não são sinónimos. Se lupino é o relativo ao lobo, lobuno é o animal que é da cor do lobo.

 

[Texto 9487]

Léxico: «regedoria»

Não em Angola

 

      «De igual modo, as interpretações podem extremar-se frente às medidas ditas reformistas de 1961-1962, em torno da abolição do estatuto do indígena e das leis das regedorias e do reordenamento rural. Quais as razões que determinaram tais reformas?» («Os refugiados da guerra de Angola», Diogo Ramada Curto, «Revista E»/Expresso, n.º 2382, 23.06.2018).

     Ao remeter simplesmente de regedoria («cargo ou repartição do regedor») para regedor («antiga autoridade administrativa de uma freguesia (extinta após o 25 de Abril de 1974)»), o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora não pode fazer nenhuma distinção. Faz parte da nossa História, tem de estar dicionarizado. Angola já não é, mas foi nossa. No caso de Angola, a regedoria, que não era uma divisão administrativa do Estado, estava relacionada com a comuna.

 

[Texto 9485]

Tradução: «official»

Os Kennedys

 

      «Quando a crise rebenta, o ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Franco Nogueira, está [em] Washington para encontros com Kennedy e vários oficiais da Administração americana» («Nós e os Kennedys», Nelson Marques, «Revista E»/Expresso, n.º 2382, 23.06.2018).

   Um excelente artigo, sem dúvida, mas tem os seus deslizes linguísticos. Seriam mesmo oficiais da Administração americana? Não seriam funcionários? Mas muito bem: sempre os Kennedys. É sintomático do estado das coisas ter de elogiar uma coisa tão banal.

 

[Texto 9484]

«Livre-arbítrio», mais uma vez

Até fazem gala

 

      «A liberdade, que nasce da relação ordenada e ordeira entre dois homens, não é o mesmo que o livre arbítrio, a torrente de pensamentos e sentimentos que está na mente e no coração de cada um. A net dá vazão ao livre arbítrio, não à liberdade» («A facilidade do mal», Henrique Raposo, Expresso Diário, n.º 1204,  22.06.2018).

      Não tão livre, Henrique Raposo, que vá por aí assim tão solto: é livre-arbítrio que se escreve, tem obrigação de o saber. Se houvesse revisão nos jornais, isto não passava.

 

[Texto 9483]