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Linguagista

Léxico: «de jure» e «de facto»

A espuma dos dias

 

      «Como diz Reihan Salam, editor da “National Review”, a espuma dos dias procura o dramatismo dos novos imigrantes que passam a fronteira, quando a verdadeira história é o drama dos imigrantes que são americanos de jura ou de facto e que vivem um desespero idêntico ao de outros americanos das classes baixas: pobreza, estagnação salarial nas últimas décadas, desemprego, destruição do sonho americano, suicídio em massa» («A personificação da fronteira», Henrique Raposo, Expresso Diário, 27.06.2018).

      Amanhã — não, ainda hoje podemos ter alguém a dizer o mesmo, porque, lá está, leu no jornal. Quanto a Henrique Raposo, tanto pode saber como não saber, nem vamos curar de o averiguar. Trata-se de duas locuções latinas: de jure, «de direito», e de facto, «de facto». Não percebo por que razão os dicionários gerais da língua, que acoitam tantos estrangeirismos, não acolhem estas locuções. Alguma coisa se ganhava: menos erros.

 

[Texto 9511]

Léxico: «mosca-branca»

Nenhum

 

      Este ano vai ser mau para a produção de tomate nacional. «É o que dizem as previsões agrícolas do Instituto Nacional de Estatística: a 31 de maio, registava-se uma redução de 26% na área instalada de tomate para a indústria. Estamos em mínimos de 2013 e a culpa é da mosca branca e dos ácaros que trouxeram as doenças» («Ano fraco para o tomate (e a culpa é da mosca branca)», André Rodrigues, Rádio Renascença, 27.06.2018).

      O Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora tem meia dúzia de moscas, mas não esta terrível mosca-branca (Bemisia tabaci). E vejo aqui que o ciclo de vida da mosca-branca passa por quatro estados: ovo; larva (três instares); pupa e adulto. Pois é, e qual o dicionário que acolhe o substantivo instar?

 

[Texto 9510]

Léxico: «rebeldice»

Semelhante a tantas outras

 

      «“Era um bom rapaz, tinha a sua ‘rebeldice’ quando era pequenino, como os outros, mas era muito simples e simpático. Jogava à malha, à bola, andava aí pela rua, dava-se bem com todos”, recorda Celeste Rosa entre sorrisos» («“Oxalá Deus o chame a ser Papa”», Olímpia Mairos, Rádio Renascença, 27.06.2018, 14h03).

      Rebeldice. Nunca o lera antes, mas já o tinha ouvido e, ao que me parece, também já o tinha usado na oralidade.

 

[Texto 9509]

«Pelintro»?!

Repita isso

 

      «Atleta, a fazer ginástica quase profissionalmente, campeão nacional de ténis de mesa, foi-lhe preciosíssimo na Escola do Exército e depois. Deu-lhe aulas de pelintro e, mais tarde, ensinou-o a nadar, quando foi tirar o curso de operações especiais, em Lamego» (General Loureiro dos Santos: Biografia, Luísa Meireles. Revisão de Teresa Machado. Lisboa: Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2018, p. 22).

      Nenhum dicionário, pelintra ou não, dos muitos que aqui tenho, regista «pelintro». Falando-se de ginástica, e sendo Loureiro dos Santos baixo (1,66 m!) e pouco dado a actividade física, as aulas terão sido de... plinto! Só pode ser. A autora, com a preciosa desajuda da revisora, é que inventou o «pelintro». Na página 13: «No verão, Alice mantinha-a [porta que dava para a rua] aberta até tarde para ter luz, enquanto cozia roupa ou escrevia cartas.» De cozer/coser ouvimos falar logo com seis anos, caramba. Bem, e se tem estes erros — e o «pelintro» é antológico — tem de certeza outros, quem sabe se de igual ou pior calibre.

 

[Texto 9508] 

Não é receita para tudo

Era bom, era

 

      «A atriz de 51 anos revela que o segredo para o seu relacionamento com Keith Urban durar é o facto de nunca mandarem mensagens de texto, pois podem ser mal interpretadas» («Nicole Kidman. Não às mensagens», Correio da Manhã, 27.06.2018, 45).

      Isso mesmo. Que mulher tão inteligente. Infelizmente, esta receita não é aplicável à nossa relação com os meios de comunicação social porque, mesmo quando nada escrevem, falam, e há sempre motivo de queixa. Para não ir mais longe, o Correio da Manhã de hoje: na página 4 é um «coloca em causa», na página 6 «terem havido», na página 8 é «vídeo-árbitro», e por aí fora.

 

[Texto 9507]

Léxico: «falência técnica»

Para saber mais

 

      «O presidente da Comissão de Gestão do Sporting, Artur Torres Pereira, anunciou, esta terça-feira, que a SAD está em “falência técnica”» («Sporting está em falência técnica, anuncia Artur Torres Pereira», Rádio Renascença, 26.06.2018, 21h50).

      Também devia ir para os dicionários gerais. O Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, que regista falência fraudulenta, bem pode acolher agora falência técnica, que significa que uma empresa, entidade ou particular tem um passivo superior ao activo. O que foi explicado por Torres Pereira em entrevista à CMTV: «A situação da SAD do Sporting é de falência técnica: capitais próprios negativos em nove milhões de euros, algo certificado pela empresa que audita a SAD. Há ainda imensos problemas de tesouraria, pois não houve hipótese de contrair o empréstimo obrigacionista de 15 milhões de euros. Não é bom. Não é falência mas falência técnica.»

 

[Texto 9506]

Léxico: «sé titular»

Histórica, não há rebanho

 

      «O poeta, ensaísta, vice-reitor da Universidade Católica e director da Faculdade de Teologia, José Tolentino Mendonça, vai ser, a partir de 1 de Setembro, o novo responsável pelo Arquivo Secreto do Vaticano e pela Biblioteca Apostólica do Vaticano, a mais antiga biblioteca do mundo. O anúncio foi feito ontem pelo Vaticano, que o promoveu a arcebispo, entregando-lhe a antiga sede episcopal de Suava, no Norte de África» («Tolentino Mendonça dirige Arquivo Secreto do Vaticano», Público, 27.06.2018, p. 5).

      A notícia é muito recente, e por isso a imprensa ainda não teve tempo de investigar nada. Informa que é Suava, no Norte de África, e por aí fica. Zuava é uma sé titular, ou seja, é uma circunscrição eclesiástica histórica, que existe apenas no título. D. José Tolentino Mendonça não vai ter lá um rebanho à sua espera. Zuava localizava-se onde é actualmente a Argélia. A meu ver, os dicionários deviam registar a locução sé titular. O Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, por exemplo, só regista Santa Sé/Sé Apostólica e sé vacante.

 

[Texto 9505]