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Linguagista

Júlio Verne, Jules Verne...

Louvável — até certo ponto

 

      «Louvores, muitos louvores, à veneranda instituição censória. Graças a ela, temos hoje entre nós, vivaz e faceto, Monsieur de Chimpanzé, opereta em um acto que, a muito custo, Júlio Verne conseguiu levar à cena nos Bouffes-Parisiens, em Fevereiro de 1858. [...] Com tradução de Mário Montenegro, Sr. de Chimpanzé foi apresentada em 2009 pela companhia Marionet no Museu da Ciência de Coimbra, tendo sido produzido na altura um encantador livrinho com o texto de Jules Verne e uma esclarecedora introdução do seu biógrafo Volker Dehs» («As virtudes da censura», António Araújo, Diário de Notícias, 5.08.2018, 6h17).

      Sim, é louvável variar os termos que se usam, recorrer à rica sinonímia da língua portuguesa — mas não levemos a prática ao extremo de fazer o mesmo com os nomes próprios.

 

[Texto 9767]

Léxico: «balastrado»

Ora, e porque não?

 

      «Este trabalho só se realiza na via balastrada, com pedra, que são as linhas mais antigas e se estende por 12 quilómetros: na linha amarela entre Entrecampos e o Marquês de Pombal, na azul entre o Jardim Zoológico e os Restauradores e na verde entre o Rossio e Alvalade. O outro tipo de via onde assentam os carris é a betonada e cobre toda a restante rede do metro — 36 quilómetros. A operação de revisão geral de uma linha tem uma periodicidade de seis anos (balastrada) ou 12 (betonada)» («À noite, uma orquestra de toupeiras cuida do metro», Graça Henriques, Diário de Notícias, 12.08.2018, 6h22).

      Muitas vezes, não compreendo as opções dos lexicógrafos. Assim, porque regista o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora betonado, mas não balastrado? No Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora: ✘. No VOLP da Academia Brasileira de Letras: ✔.

 

[Texto 9766]

Léxico: «patim de cauda»

Assim não vamos lá

 

      «O voo para Fez era de [sic] regular, na rota Lisboa-Fez, e as condições meteorológicas eram boas. Mas a aterragem ocorreu com sobressaltos. O piloto relatou que sentiu a aeronave ser “literalmente atirada para o chão”. O GPIAAF [Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários] refere no seu relatório de averiguações – uma nota informativa do acidente ainda sem conclusões – que “esta dinâmica, terá assim resultado numa aterragem dura, onde o patim de cauda, bem como a fuselagem traseira da aeronave terá raspado na pista”» («Avião da TAP voou danificado de Marrocos para Lisboa», Diário de Notícias, 10.08.2018, 21h24).

      Nos nossos dicionários, nem rasto, o que é agravado por se usar muitas vezes o termo francês béquille, mas que nesta acepção os nossos dicionários bilingues ignoram. «Pièce placée à l’extrémité du fuselage d’un avion, pour assurer sa stabilité au sol» (in  Trésor de la Langue Française informatisé).

 

[Texto 9765]

Léxico: «telecinético»

Podia parecer que sim

 

      «As autoridades classificaram esses sobreviventes por cores, conforme as capacidades que desenvolveram. Assim, os verdes são miúdos que se tornaram muito inteligentes, os azuis são os que desenvolveram poderes telecinésicos... e por aí fora. Os que estão no topo da escala, os cor de laranja e os vermelhos, são considerados tão perigosos que há ordens para serem abatidos sumariamente. [...] Ruby foge, então, à nova tutela e junta-se a um grupo de outros jovens errantes que encontra por acaso: Liam, um telecinésico, Zu, com o poder de controlar a eletricidade, e Chubs que é extremamente inteligente» («Distopia juvenil», Jorge Leitão Ramos, «Revista E»/Expresso, 11.08.2018).

      Calma aí, Jorge Leitão Ramos: relativo à telecinesia é telecinético, o que ninguém, ao que sei, põe em dúvida.

 

[Texto 9764]

«Pôr de lado/pôr em dúvida»

É a evolução, estúpido

 

      «António Costa coloca de lado uma hipótese de demissão do ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes. Para quem pensa que o ministro se vai demitir, “pode tirar o cavalinho da chuva”, disse o primeiro-ministro. [...] Primeiro, António Costa coloca em dúvida que os problemas que a comunicação social tem reportado existam, de facto» («Demissão do ministro da Saúde? Podem “tirar o cavalinho da chuva”, diz Costa», Rádio Renascença, 11.08.2018, 11h19).

      Então agora já não se diz pôr de lado e pôr em dúvida? Os desculpabilizadores andam por aí — e também escrevem livros, muito apreciados por eles próprios —, e asseguram que tudo está bem, é a evolução da língua, um organismo vivo.

 

[Texto 9763]

«A comando de»?

Tem de se ver

 

      «Há 150 anos, a tripulação da Marinha Real Britânica, a comando do capitão Richard Powell, desembarcou na ilha da Páscoa e retirou a estátua da aldeia de Orongo, um centro cerimonial no Sul de Rapa Nui, levando-a para o Reino Unido para a oferecer à rainha Vitória. Em 1869, foi doada ao Museu Britânico, onde passou a estar em exibição» («Museu Britânico devolve artefactos ao Iraque e Chile pede estátua moai de volta», Filipa Almeida Mendes, Público, 11.08.2018, p. 31).

      Habitualmente, é «sob comando de» que se usa. Estará «a comando de» afectado de francesia ou outra gafa? É o que se impõe investigar.

 

[Texto 9762]

Léxico: «sirénio»

Agora é contigo

 

      «Que mamíferos marinhos perderam o [gene] PON1? Animais das três linhagens destes mamíferos que se tornaram aquáticos em diferentes tempos: todas as baleias e golfinhos (cetáceos); todos os manatins e dugongos (sirénios); algumas espécies de focas e leões-marinhos (pinípedes). Algumas espécies de focas ainda têm uma cópia funcional deste gene» («Mamíferos marinhos perderam gene essencial para a defesa de pesticidas», Teresa Sofia Serafim, Público, 11.08.2018, p. 26).

      Sirénios, Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora. Agora é contigo.

 

[Texto 9761]

«Dignitário», mais uma vez

Aprendem? Não parece

 

      «Este sucesso [férias do Presidente da República na região afectada pelos fogos de 2017] tem implicações políticas: os outros altos dignatários da nação e líderes partidários não seguem o exemplo, apesar da exortação presidencial?» («O precedente fluvial», Público, 11.08.2018, p. 12).

      Quantas vezes já se disse que é dignitário a grafia correcta? E, no entanto, o VOLP da Academia Brasileira de Letras e o Aulete registam ambas. (Em castelhano só existe com a grafia dignatario.) E será necessário escrever «alto dignitário», quando se sabe que dignitário é a pessoa que exerce um alto cargo?

 

[Texto 9760]