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Linguagista

Léxico: «estupeta»

Será desta?

 

      «A estupeta é um prato simples, baseado na parte da barriga do atum que se desfia e deixa a estagiar em vinagre, cebola e tomate. No final é regado com azeite e vinagre e só precisa de um copo de vinho e um naco de pão a acompanhar e molhar. Os mormos são outro prato tradicional da região injustamente pouco conhecido. São partes da carne cortada junto à cabeça do atum e vão ao forno com cebola, pimentão e alho, como se de um assado de carne se tratasse. Come-se ainda a espinheta ou espinhata, que é a espinha tirada do peixe quando é desmanchado. Ainda cheias de carne, essas peças são depois feitas em caldeirada ou massada» («A mesa algarvia (muito resumida)», Fernando Melo, Diário de Notícias, 15.08.2018, 17h14).

      A última vez que aqui lamentei que a palavra estupeta, tão conhecida, não estivesse em todos os nossos dicionários — o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora não cede — foi no início de Junho do ano passado. E espinheta ou espinhata?

 

[Texto 9804]

«Naruega»?

Crioulo?

 

      «Vendo-o preso, aproximei-me afoito: ele é daqueles que não entendem crioulo, perguntei, ouvi-a falar uma língua esquisita. Mistura de crioulo e naruega, respondeu, estava a incentivá-lo, desde há três dias que chegamos que ele não consegue obrar, coitado, chegou aqui e ficou com prisão de ventre, embora eu tivesse tido o cuidado de lhe trazer a comidinha a que está habituado. [...] E então ela compreendeu o drama da prisão de ventre: lá na Noruega o bicho estava habituado não só a tomar banho na banheira como a fazer as suas necessidades num parque relvado. E sem dúvida que ficou traumatizado ao ver que aqui só há chão de terra batida, e ainda por cima acastanhado» («Animais de hábitos», Germano Almeida, Diário de Notícias, 12.08.2018, 6h07).

      Será a palavra em crioulo para «norueguês»? Sabe Deus. Dado o contexto, parece que sim. A palavra «naruega» é usada, de forma muito delimitada, no Brasil, tanto para designar (e então com maiúscula, é óbvio) o país europeu como sinónimo de «nevoeiro». Talvez Paulo Araujo possa trazer alguma achega sobre esta curiosidade lexical.

 

[Texto 9803]

«Ameaças de bomba aterram cinco aviões»

Vamos evitar isto

 

      «Ameaças de bomba aterram cinco aviões» (Rádio Renascença, 16.08.2018, 23h54). Coitados dos aviões, desde o 11 de Setembro vivem aterrados com estes casos. Vão, inevitavelmente, precisar de tratamento psicológico. Esta construção frásica é semelhante — mas muito pior — a outras que já aqui tenho trazido, como «bando explode ATM» e quejandas. Se não antepusermos o verbo «fazer» ao verbo principal, a frase fica um tudo-nada estranha, quando não errada. Não façam isto.

 

[Texto 9802]

Léxico: «confirmável»

Antes tê-la

 

      «Esta foi a última aparição confirmável de Poe até ter sido encontrado moribundo numa taberna, seis dias mais tarde» (Poe, Uma Vida Abreviada, Peter Ackroyd. Tradução de Alberto Simões. Parede: Edições Saída de Emergência, 2009, p. 11).

      Não é que uma palavra como esta tenha necessariamente de estar nos dicionários — mas antes tê-la do que não a ter. No Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora: ✘. No VOLP da Academia Brasileira de Letras: ✔.

 

[Texto 9801]

Como se fala na rádio

Muitas vezes, assim

 

      «“As verdades que não se gostam são consideradas notícias falsas e isso é perigoso para a vida da democracia”, é o que se pode ler no editorial do New York Times [«But insisting that truths you don’t like are “fake news” is dangerous to the lifeblood of democracy.»]» (noticiário das 14h00, repórter Mário Galego, Antena 1, 16.08.2018). Como é que um jornalista se exprime assim, como? Pois, não sei. Além do mais, é um péssimo exemplo para o falante menos preparado, e não estou a pensar só na senhora do «adulcente» ou no autor do «manti».

 

[Texto 9800]

Léxico: «aloglota»

E mais uma

 

      «Não é comparável com a do turista que vai à Finlândia ou ao Japão, e encontra interlocutores aloglotas mas profissional (ou até espontaneamente) amáveis e bem-intencionados, que se esforçam por compreendê-lo e poderem ser-lhe úteis: além do mais, quem é que num canto qualquer do mundo não mastiga um bocadinho de inglês?» (Os Que Sucumbem e os Que Se Salvam, Primo Levi. Tradução de José Colaço Barreiros. Alfragide: Publicações Dom Quixote, 2018).

      Interlíngua (pois, viu bem, leitor perspicaz, essa palavra não está no texto que cito) está no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, sim, mas aloglota só noutros, e poucos, dicionários. Cada palavra em falta é uma janela a menos para outras realidades.

 

[Texto 9799]

Léxico: «deca»

Outra perdida

 

     Toda a vida ouvi falar em «deca de azeite». A deca é usada especialmente como medida de azeite, mas também aparece referida em relação ao mel. Como me parece óbvio, corresponde a dez litros (decalitro). Agora que me lembrei disso, fui consultar o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora e, para meu máximo espanto, não regista a palavra. Pode ser regionalismo, mas não tão restrito quanto isso, pois é comum às zonas produtoras de azeite. Logo, em várias zonas do País. Como é que os lexicógrafos desbaratam desta maneira tantos conhecimentos?

 

[Texto 9798]