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Linguagista

Léxico: «administração»

Como que encomendado

 

      «Desde então passaram-se 58 anos, e o Brasil teve 17 presidentes da República, contando os ditadores militares, os vices que assumiram o cargo e, duas vezes cada um, Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma Rousseff. Não é pouco – 17 administrações. E nenhuma delas, nesses 58 anos, jamais pôs os pés no Museu Nacional» («À mercê de uma faísca», Ruy Castro, Diário de Notícias, 9.09.2018, 6h29).

      Até parece que encomendei o parágrafo a Ruy Castro. (Entretanto, ninguém me disse como traduzir paragraphist.) Muito recentemente, pôs-se a questão de como traduzir administration referido ao Governo inglês. Habitualmente, só usamos o termo «administração» em relação aos EUA. Ou, como se exemplifica acima, ao Brasil. Não será preciso irmos caso a caso para generalizar: aplicar-se-á a qualquer sistema de governo presidencialista. É assim? «You can refer», lê-se no Collins, «to a country’s government as the administration; used especially in the United States.» E administração no Aulete: «P. ext. O tempo de gestão de um administrador: durante a administração de Juscelino Kubitschek». No Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, é muito mais nebuloso: «gestão de negócios públicos ou privados; governo». Eu pelo menos ninguém ouvi falar na administração de Passos Coelho ou na administração de Mário Soares.

 

[Texto 9895] 

Tradução: «call»

Discrição...

 

      «E acrescenta: “Foi aqui que a sr.ª Williams começou realmente a perder a compostura. Ela e o sr. Ramos começaram, efetivamente, a falar um por cima do outro. Ela insistia que não fez batota – completamente defensável, mas não era esse o ponto –, enquanto ele fazia um call sobre o qual, a determinada altura, foi muito pouco discreto”» («Martina Navratilova junta-se ao debate e critica Serena», Rui Frias, Diário de Notícias, 10.09.2018, 17h35).

      Bem, dir-se-á assim na gíria desportiva anglo-saxónica, não em português. Não se podia, sem prejuízo — antes pelo contrário — do significado desportivo, traduzir por «advertência», por exemplo? Já sobre a substância da questão, não compreendo o que pretende Martina Navratilova dizer com a pouca discrição do árbitro português. Veja-se a definição de call nos English Oxford Living Dictionaries: «(in sport) a decision or ruling made by an umpire or other official, traditionally conveyed by a shout, that the ball has gone out of play or that a rule has been breached». Até porque, por entre a berraria arrogante e despropositada da Sr.ª Serena Williams, que assim desmente o seu próprio nome, seria muito difícil fazer-se ouvir.

 

[Texto 9894]

Léxico: «apropositado»

Na seara do vernáculo

 

      Foi V. que disse «apropositado»? Veja lá, o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora talvez não deixe. Regista, é certo, apropositar, mas o particípio passado, apropositado, que vem a propósito; conveniente, oportuno, é bom que esteja dicionarizado. «O que é efectivamente de menos é um enfático mau gosto de estilo, não desleixo mas particularidade, nem sempre apropositado, algumas vezes é apropositado!, a que o Autor não nos poupa sempre, e talvez devesse» (Catorze Ensaios Sobre José Régio: seguidos de uma biobibliografia essencial, Maria Aliete Galhoz. Lisboa: Edições Cosmos, 1996, p. 29). Ah, sim! No VOLP da Academia Brasileira de Letras: ✔.

 

[Texto 9893]

Léxico: «chinoiserie(s)»

Não são chinesices

 

      «Mário Roque [da Galeria São Roque, em Lisboa] editou, ainda, o livro “Lisboa na Origem da Chinoiserie. A Faiança Portuguesa do Século XVII”, sobre a coleção de faianças da sua galeria, porque estas peças portuguesas “foram as primeiras ‘chinoiseries’ na Europa”, algo que “até em Portugal a maior parte das pessoas não sabe”. “As ‘chinoiseries’ são os objetos que são feitos na Europa com motivos chineses. Nós tínhamos o gosto por tudo o que vinha do Oriente e os nossos oleiros começaram a fazer, baseados nos desenhos chineses, as suas peças. O sucesso foi tanto que começaram a exportar para toda a Europa. A maior parte dessas faianças chegavam a Hamburgo e depois eram distribuídas pela Europa”, contou o galerista» («Salva portuguesa do século XVI premiada na Bienal de Paris», TSF, 10.09.2018, 14h12).

      Não me oporia a que se levasse este galicismo para os nossos dicionários. Bem pior é o que se passa actualmente, pois só o encontramos, no caso da Infopédia, no Dicionário de Francês-Português, e definido de uma forma assaz inadequada: «chinesices, objetos da china [sic]». Vamos à fonte, ao Trèsor: «Objet d’art, de luxe, de fantaisie, de dimensions plus ou moins importantes (bibelot, peinture, décor, meuble), venant de Chine ou, plus souvent, réalisé en Occident selon le goût chinois, fait de finesse mais aussi de surcharge, particulièrement en vogue au XVIIIe siècle.»

 

[Texto 9892]

Mompilher

Com o rabo de fora

 

      É verdade, o tradutor verteu também o topónimo: a Montpellier preferiu Mompilher. Sim, é verdade que a edição é de 1948, e isso diz quase tudo. Mompilher encontra-se em dicionários, vocabulários, certas obras com algumas décadas, mas desapareceu do dia-a-dia. E, contudo, temos aqui um gato escondido com o rabo de fora: dá-se o nome de escamónea-de-mompilher a uma planta (Cynanchum acutum) existente em Portugal, de que se extraía uma substância purgante utilizada em produtos farmacêuticos, e que em língua francesa se conhece por scammonée de Montpellier.

 

[Texto 9891]

Léxico: «jacobita»

O que fica na sombra

 

      Na definição dicionarística de seitas, têm de ficar expressos os pontos-chaves, o que distingue cada uma das restantes. Vejamos. Sobre o socianismo no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora: «RELIGIÃO movimento religioso inspirado nas ideias do teólogo italiano Lelio Socini (1525-1562), que rejeitava alguns dos tradicionais dogmas católicos, como o da Santíssima Trindade ou o da natureza divina de Cristo». Parece-me bem. Agora vejamos o que se diz sobre jacobita: «relativo a ou membro de seita religiosa do Oriente, criada no século VI por Jacob Baraddai, bispo de Edessa, antiga cidade da Mesopotâmia». Quais são as suas crenças distintivas? Não o diz. Mais: se eu estiver a ler O Segredo de Sophia, de Susanna Kearsley (Asa, 2012), um jacobita já não se inscreve naquela seita, é antes o partidário do exilado Jaime II de Inglaterra (e, curiosamente, partidário, depois, dos seus descendentes, e, extintos estes, dos descendentes de Carlos I), do que aquele dicionário se esquece.

 

[Texto 9890]

Tradução: «paragraphist»

Seria muito fácil

 

      «No turbilhão dos acontecimentos, Poe abandonou o seu lugar de ‘paragrafista’ no Evening Mirror e juntou-se ao rival Broadway Journal, onde começou a reeditar alguns dos seus primeiros contos e poemas» (Poe, Uma Vida Abreviada, Peter Ackroyd. Tradução de Alberto Simões e revisão de Idalina Morgado. Parede: Edições Saída de Emergência, 2009, p. 114).

      É uma forma muito expedita, oh se é!, de traduzir o termo inglês paragraphist. Só lhe vejo uma desvantagem: o leitor não ficará a saber do se trata, porque a palavra não existe em português. Paragraphist, lê-se no Collins, é «a writer of paragraphs, esp a journalist who writes paragraphs for a newspaper». Talvez haja, na gíria jornalística, de cá ou do Brasil, algum termo que se aproxime.

 

[Texto 9889]