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Linguagista

Léxico: «liquefacção»

Sem colapso

 

      «Depois do rasto de destruição, deixado pelo sismo seguido de tsunami, a ilha de Palu está a “flutuar” autenticamente numa papa barrenta, a que os cientistas chamam de: liquefação» («Indonésia: liquefação ameaça após tsunami», V Digital, 2.10.2018, 19h40).

      Assim é: «The disaster agency spokesman, Sutopo Purwo Nugroho, said conditions in the Petobo neighbourhood of Palu were particularly bad because the quake caused a phenomenon called liquefaction, when loose, water-filled soil near the surface loses its strength and collapses, causing all structures built on it to collapse. “There are still hundreds of victims buried in mud,” Sutopo told reporters on Monday» («Palu tsunami: desperate search for survivors amid difficult rescue conditions», Kate Lamb e Hannah Ellis-Petersen, The Guardian, 1.10.2018, 13h57).

      Os cientistas já lhe deram nome, agora só falta os lexicógrafos levarem-na para os dicionários — de preferência sem usarem a palavra «colapso».

 

[Texto 10 043]

Léxico: «produtivista»

Se tem um, tem de ter o outro

 

  «Mas já este nacionalismo produtivista sofre significativas derrogações perante os interesses do comércio colonial» (História de Portugal: O Estado Novo (1926-1974), José Mattoso. Lisboa: Círculo de Leitores, 1994, p. 248).

    O Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora acha que não precisamos de produtivista, mas não deixa de registar produtivismo. No VOLP da Academia Brasileira de Letras: ✔.

 

[Texto 10 042]

Léxico: «sicidade»

Secura completa

 

      «O Ministério [do Ambiente] adianta que as análises realizadas pela Empresa Portuguesa das Águas Livres (EPAL) evidenciam elevada sicidade (secura) das lamas, superior à inicialmente esperada, com médias consistentes superiores a 30%» («Tejo. Mais de duas mil toneladas de lamas recolhidas em operação inédita», Rádio Renascença, 2.10.2018, 15h33).

      O Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora é que não evidencia sicidade. No VOLP da Academia Brasileira de Letras: ✔.

 

[Texto 10 041]

Como se escreve por aí

Isto e aquilo

 

      «No final do raide, já em segurança, são convidados a visitar o Rei dos Reis, Hailé Sélassié I, que se proclamava descendente directo dos amores havidos entre Salomão e a rainha de Sabá. Conversam em francês com o monarca no seu palácio sumptuoso de Addis Abeba, rodeados de jaulas com leões adormecidos. Malraux e o Négus rever-se-ão anos depois, por breves instantes, na catedral de Notre-Dame de Paris, nas exéquias fúnebres do general de Gaulle» («A rainha e ele», António Araújo, Diário de Notícias, 1.10.2018, 16h54).

      Há aqui, e no restante texto, vários pontos problemáticos, mas apenas quero chamar a atenção para aquele «Négus». Para quê a letra grelada, para quê o acento? Isso é em francês! Em português é negus. (E o plural? Neguses.) Não vamos desperdiçar a oportunidade: «raide» é estrangeirismo já integrado na língua, sim, mas temos melhor; escrevo sempre Adis-Abeba; de «exéquias fúnebres» tratámos aqui recentemente.

 

[Texto 10 040]

Como se traduz por aí

De cortar os pulsos

 

      «Arthur Ashkin, de um lado, e Gérard Mourou e Donna Strickland, por outro, partilham o prémio Nobel da Física este ano. [...] Por seu lado, Gérard Mourou e Donna Strickland foram premiados “pelo seu método de gerar ultra-pequenos pulsos óticos de alta intensidade”» («Nobel da Física atribuído a três cientistas», Rádio Renascença, 2.10.2018, 10h52). Quatro minutos mais tarde, na TSF: «O norte-americano Arthur Ashkin foi distinguido pelo seu trabalho com “pinças óticas e a sua aplicação nos sistemas biológicos”, enquanto o francês a Gérard Mourou e a canadiana Donna Strickland “pelo método de geração de impulsos óticos ultracurtos de alta intensidade”» («Lasers valem a Arthur Ashkin, Gérard Mourou e Donna Strickland o Nobel da Física», Carolina Rico, TSF, 2.10.2018, 10h56).

 

[Texto 10 039] 

«Jurisprudência»/«jurisdição»

Perdoai-lhes, que eu não posso

 

      «Referindo-se ao “caso grave de alegada violência racista” que se passou na esquadra da PSP de Alfragide, em 2015, e que resultou na acusação de 18 agentes, a ECRI [Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância] não tem dúvidas em afirmar que existe “um racismo institucional profundamente enraizado nesta esquadra da polícia, que tem jurisprudência sobre vários bairros densamente habitados por pessoas negras”» («Organismo europeu acusa PSP e IGAI de tolerância ao racismo», Rádio Renascença, 2.10.2018, 9h23 — consultado às 11h21).

      Para o jornalista, «jurisdição» ou «jurisprudência» é tudo a mesma coisa. Infelizmente, não os ensinam a corrigir estas enormidades ou julgam que não têm de as corrigir. É verdade, está assim, inacreditavelmente, na versão portuguesa do relatório, mas na versão inglesa lê-se «which has jurisdiction for several districts» e na francesa «qui est compétent pour plusieurs quartiers». No caso, bastava um incompetente, o tradutor; dois já é maldição.

 

[Texto 10 038]

Léxico: «onco-imunologia»

Desconhecida dos dicionários

 

      «Bruno Silva Santos dirige, desde 2005, um laboratório dedicado à diferenciação de linfócitos T e à onco-imunologia no Instituto de Medicina Molecular de Lisboa. Também ele procura uma solução para o cancro através de imunoterapias. Para já, aplaude as conquistas de James P. Allison e Tasuku Honjo e diz como foram inspiradoras e importantes» («“Esta estratégia já salvou muitas vidas”», Andrea Cunha Freitas, Público, 2.10.2018, p. 25).

 

[Texto 10 037]

Léxico: «charco»

É um problema, é isso?

 

      «O seu ritmo é o das estações. Poucos dão por eles e ainda menos sabem da riqueza em termos de vida que aqueles charcos que existem no Sudoeste alentejano podem albergar. Característicos do clima mediterrânico, secam no Verão e enchem-se no Inverno, dando abrigo a espécies que, face a estas características inconstantes, são extremamente raras e únicas. Mas estes habitats estão a desaparecer e já só 20% estão em bom estado de conservação» («Só um quinto de um dos habitats mais ricos do Sudoeste está bem», Carlos Dias, Público, 2.10.2018, p. 14).

      Como é que, perante isto — e não apenas, há extensos estudos científicos —, o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora se limita a dizer que charco é a «porção de água estagnada e pouco profunda»? Para começar, há charcos temporários (estes de que o artigo do Público trata) e charcos permanentes. Os charcos temporários mediterrânicos, leio nesta dissertação de mestrado, «consistem em depressões pouco profundas situadas em substratos impermeáveis, de dimensão reduzida e endorreicas, que ocorrem em clima mediterrânico, e apresentam uma flora e fauna característica».

 

[Texto 10 036]