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Linguagista

ALA e os jornais

Nem era falar mal

 

      António Lobo Antunes de novo: «Eu tinha imensa paciência para estúpidos e deixei de a ter. Vejo os jornais, meu Deus, e as pessoas que escrevem lá... Não quero estar a fulanizar e dizer mal de alguém, que nem era falar mal, apenas dizer a verdade» («António Lobo Antunes: “Quero que o Nobel se f*da”», João Céu e Silva, Diário de Notícias, 7.10.2018, 6h26).

 

[Texto 10 064]

«Alegado/suposto»

No mesmo noticiário

 

      «Oiub Titiev não esteve presente no acto da entrega do prémio [Václav Havel], pois encontra-se detido [sic] desde Janeiro por suposta posse de droga e enfrenta uma pena de dez anos», disse a repórter Cláudia Aguiar Rodrigues no noticiário das duas da tarde na Antena 1. Suposto veio agora substituir o estafado alegado nestas questões da suspeição? É legítima esta troca? Não me parece. Mais um modismo jornalístico na calha?

 

[Texto 10 063]

Léxico: «cair»

Última hora

 

      «António Costa não deixa cair o ministro da Defesa. O primeiro-ministro garante que mantém a confiança em Azeredo Lopes mesmo depois da polémica sobre o reaparecimento de material roubado em Tancos», ouvi hoje no noticiário das duas da tarde na Antena 1. Adivinharam, a pergunta é essa mesmo: onde é que está esta acepção de cair no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora? Pois, não está, e ouve-se com elevadíssima frequência. Nem está esta nem muitas outras, diga-se.

 

[Texto 10 062]

Amesterdamês/amsterdamês

Mais rigor

 

      Já se sabe que Amesterdão está mais de acordo com a nossa língua, mas o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora tanto regista amesterdamês como amsterdamês. O problema é que nenhuma das grafias sabe da outra, isto é, não há remissões recíprocas. Vejamos os dois verbetes. Amesterdamês: «adjectivo relativo ou pertencente à cidade de Amesterdão; nome masculino natural ou habitante dessa cidade». Amsterdamês: «adjectivo relativo ou pertencente à cidade de Amsterdão, capital da Holanda, ou que é seu natural ou habitante; nome masculino natural ou habitante de Amsterdão». Ainda que, na linguagem corrente, se costume considerar que Países Baixos é o mesmo que Holanda, não me parece bem que esta imprecisão seja consagrada nos dicionários.

 

[Texto 10 061]

Trapalhadas nos jornais

Sem revisão, não admira

 

      «Em Bordéus está em curso um projeto-piloto de produção de bioetanol feito a partir dos [sic] desperdícios da cultura do vinho para alimentar autocarros. [...] O mosto, o resíduo resultante do processo de produção de vinho, está a ser aproveitado para fazer biocombustível. É chamado ED945, estando a ser aplicado como alternativa ao Diesel [sic]» («O combustível para estes autocarros vem... do vinho», Paulo Marmé/Watts On, Motor 24, 7.10.2018).

      O mosto é um resíduo resultante do processo de produção do vinho, Paulo Marmé? Tem a certeza? Na imagem de um autocarro que usa este biocombustível, está escrito: «Je roule au bioéthanol issu du marc de raisin.» Não foi suficiente. Uns parágrafos mais à frente, porém, fica uma pista: «O produtor de bioetanol Raisinor France Alcools reuniu as cooperativas de vinhos francesas, bem como a Union Coopératives Vinicoles d’Aquitaine (UCVA), produzindo 100.000 toneladas de bagaço de uva por ano em Coutras, em Gironde, na região vinícola de Bordéus.» Nunca acham necessário reler o que escrevem — com as consequências que estão à vista.

 

[Texto 10 060]

Léxico: «espectacularização»

E nos dicionários?

 

      «Miguel von Hafe Peréz acha que se tratou de mais um contributo para “a espectacularização que sempre envolveu o trabalho de Banksy”. Considerando que se trata de “uma história eventualmente cómica, mas acima de tudo triste”, o curador assume não ser muito adepto “desses deslizamentos para o campo do entretenimento, mesmo quando assumem uma forma irónica”» («O estranho caso da obra que se “autodestruiu” em pleno leilão», Luís Miguel Queirós, Público, 7.10.2018, p. 21).

 

[Texto 10 059]

Como se escreve nos jornais

Muito cru

 

      «Mais, sabem que existem seis grandes crus de cacau, à semelhança do que acontece com a cultura do vinho?» («Vamos lá reduzir a nossa ignorância sobre chocolate», Edgardo Pacheco, «Weekend»/Negócios, 7.09.2018, p. 21).

      Edgardo Pacheco sabe que «cru», neste sentido, não existe em português? Como pretende que o leitor médio compreenda a frase? Vamos lá reduzir a nossa ignorância sobre a língua.

 

[Texto 10 057]

«Votar ao abandono», de novo

Sim, já o vimos antes

 

      «A cidade de Goa já justificava o título de ‘Roma do Oriente’ quando, a meio do século XVI, várias epidemias a vetaram ao abandono» («O último estertor da portugalidade goesa», Marco C. Pereira, «b. i.»/Sol, 21.04.2018, p. 28).

      Quem sabe se estes não são também os últimos estertores da língua, não é? É um momento histórico. Marco C. Pereira, então não é «deitar ou votar ao abandono» que se diz? Senhores jornalistas, não escrevam parvoíces, vá lá. Senhores lexicógrafos, levem isto para os dicionários.

 

[Texto 10 056]

Léxico: «lingote»

E os outros?

 

      «O neto [de António José Godinho, transportador litográfico na Imprensa Nacional] entrou na escola tipográfica em 1966, conheceu os materiais que construíam as letras, familiarizou-se com os lingotes e quadrilongos» («A fábrica das letras», Lúcia Crespo, «Weekend»/Negócios, 7.09.2018, p. 5).

      Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, tu, que só registas a acepção tipográfica de quadrilongo, puxa de lápis e canhenho e aponta: «Diz-se material branco tudo o que se emprega na composição das páginas e que não aparece na impressão. É utilizado para separar linhas e palavras, justificar colunas, armar formas, etc. Os espaços brancos compõem-se para seus diferentes usos, de espaços, quadratins, entrelinhas, lingões ou lingotes e quadrilongos» (História das Artes Gráficas. Volume II: A Revolução Industrial e a Indústria Gráfica, Rui Canaveira. Porto: Associação Portuguesa das Indústrias Gráficas e Transformadoras do Papel, 1996, p. 55).

 

[Texto 10 055]

Como se escreve nos jornais

De fugir

 

      «O mau-estar em torno do caso Tancos está a crescer e a estratégia do Governo parece ser a de resguardar Azeredo Lopes e a sua imagem. Esta sexta-feira, em Cascais, numa cerimónia dedicada a demonstrações militares, a sua ausência acabou por se tornar demasiado evidente» («Festival Militar em Cascais com Marcelo mas sem membros do Governo», José Pedro Mozos, Observador, 5.10.2018, 21h25).

      Estes moços mais novos têm problemas auditivos como os velhos, só pode ser isso. É assim, José Pedro Mozos, que ouve e vê por aí a palavra? Uma vez ou outra, não digo que não — erro de outros moços também duros de ouvido, mas em geral até os analfabetos acertam.

 

[Texto 10 054]

Outros apontamentos

Ficamos a saber

 

      «Inclusive, conta Joaquim Vieira, sendo José Saramago diretor adjunto, na prática era a pessoa editorialmente mais responsável do jornal, até porque era ele quem escrevia o editorial – que na altura se chamava apontamentos, mas refletia a opinião do jornal –, e “essas opiniões, pode-se dizer que eram incendiárias no contexto da época do PREC [Período Revolucionário em Curso]”» («Biografia revela que Saramago foi um “sedutor” e causou incómodo no PCP», Rádio Renascença, 5.10.2018, 23h02).

 

[Texto 10 053]