Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Linguagista

Léxico: «ururu»

Jogo só para tupis

 

      «As palavras que se podem usar num jogo é sempre motivo de discussão. É uma parte do jogo que parece resistir à passagem do tempo e não vai embora tão cedo. Isto porque, em setembro deste ano, o dicionário Merriam-Webster, o dicionário oficial do Scrabble em inglês, permitiu a entrada de palavras como “ew” (expressão de nojo em inglês), “ok”, “emoji” e “bitcoin”. Em português, qualquer palavra que esteja no dicionário pode ser utilizada. “Agonfíase”, “esdrúxula”, “ururu” ou “paupérie” são palavras tão válidas quanto “cão” ou, claro, “dicionário”» («Já jogou Scrabble hoje? O jogo que nos faz puxar pela gramática faz 70 anos», Rádio Renascença, 17.10.2018, 9h25).

     E para o português, qual é o dicionário oficial? Ah, pois... Não é o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, que nem sequer acolhe «ururu», só conhecido de umas centenas de indígenas brasileiros. E, no entanto, no VOLP da Academia Brasileira de Letras: ✔. Do tupi.

 

[Texto 10 134]

As confusões do costume

Não é a primeira

 

      Vamos lá à boa acção do dia. «Que os deputados que vão intervir nestas audições tenham querido ver a exposição parece razoável — quanto mais não seja porque vale a pena vê-la —, mas ao organizarem a visita deste modo, convinha perceber o que pretendiam ao certo esclarecer» («Serralves: o estranho caso do director que se autodestruiu», Luís Miguel Queirós, Público, 16.10.2018, p. 36).

      Temos de dizer a Luís Miguel Queirós que não é assim, está errado. Mas quase acertava: quando mais não seja, isto é, quando por outra coisa não for.

 

[Texto 10 133]

Léxico: «curatorial»

Vá, podem avançar

 

      «Escolhido por Suzanne Cotter para ser o seu braço-direito na direcção artística do Museu de Serralves, João Ribas chegou a Portugal em 2014 com um currículo construído nos Estados Unidos e que se pode considerar invulgar para um curador e crítico na casa dos trinta anos. Passou por instituições de inequívoco prestígio, viu vários dos seus projectos curatoriais receberem prémios importantes, tem um trabalho ensaístico e crítico de reconhecida relevância» («Serralves: o estranho caso do director que se autodestruiu», Luís Miguel Queirós, Público, 16.10.2018, p. 36).

      Pedimo-la emprestada ao inglês, e já anda por aí há alguns anos, mas poucos dicionários a registam.

 

[Texto 10 132] 

Léxico: «motorização»

Não vale a pena procurarem

 

      «Qual a motorização mais eficiente? Dependendo do segmento, da quilometragem média, do nível de emissões de CO2 que se pretende alcançar e de quão ambiciosa uma empresa deseja que seja a sua política de frota, a resposta é que, considerando uma quilometragem média de 30 000 km, a maioria das frotas geridas pela LeasePlan reduziriam os seus custos ao transitarem para a realidade dos veículos elétricos» («Mais de 50% das frotas automóveis baixam custos com opção elétrica», Destak, 16.10.2018, p. 11).

      Não procurem esta acepção de motorização nos nossos dicionários, não vale a pena.

 

[Texto 10 131]

Léxico: «cólofon»

A precisar de actualização

 

      Hoje sugeri a um editor que passasse a pôr um cólofon nas obras que publica. Aproveitei, por isso, e dei uma olhadela à definição no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora: «1. dístico final, em manuscritos medievais, relativo ao autor ou escriba, ao lugar onde se escreveu a obra e à data dela; 2. dizeres com que os primitivos tipógrafos indicavam, no final das obras, a data e o lugar da impressão». Já desconfiava: é tudo referente ao passado, é tudo gente morta. Ora, nos últimos dez anos, o ressurgimento em Portugal do cólofon (ou colofão) foi esmagador. Vamos lá a actualizar a definição, se faz favor.

 

[Texto 10 130]

Léxico: «contentor solidário»

Não vão saber

 

      Acabei de a ler num romance que não posso citar. Fica este exemplo: «No dia a seguir ao trabalho junto dos sem-abrigo, Teresa Peres levou os filhos a outro evento de solidariedade. Desta vez, no restaurante Meritíssimo, em Odivelas, que, em conjunto com a Cáritas, tem um contentor solidário à disposição de todos os que frequentem o espaço» («Teresa Peres incentiva solidariedade», Caras, 3.01.2016, 12h00). Se não for para os dicionários, dentro de trinta, cinquenta ou cem anos, quem saberá o que é um contentor solidário? (Ultimamente, em Lisboa, não há é contentores solitários, estão todos acolitados por numeroso e variegado lixo em volta.)

 

[Texto 10 129]

Léxico: «iá»

Se tem mesmo de ser

 

      «– – respondeu ele, fechando a porta» (Querido Banana – Memórias Sobre a Gastronomia e o Amor, David Leite. Tradução de Eugénia Antunes e Maria João Lourenço. Alfragide: Casa das Letras, 2018).

      Eu também não queria que se usasse, mas não sou eu que mando nisto, não é assim? Usa-se, pois, e então, Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, convém que este advérbio seja registado — ou acontece o que vi agora num livro que estou a rever, a autora usou despreocupadamente ya. Mal por mal, iá, sempre fica com uma roupagem nacional.

 

[Texto 10 128]

Léxico: «pedreiro»

Dêem-me licença

 

      «O Orçamento do Estado de 2019 prevê a equiparação dos pedreiros ao atual regime dos mineiros, antecipando a idade da reforma, anunciou esta segunda-feira deputado José Soeiro, do Bloco de Esquerda. [...] Na prática, explicou o deputado, o novo regime permitirá aos trabalhadores das pedreiras reduzir em um ano a sua idade de reforma a cada dois anos de descontos. O deputado desloca-se esta segunda-feira a Peroselo, Penafiel, para explicar as mudanças a um grupo de trabalhadores do setor que subscreveu duas petições que exigiam a antecipação da idade da reforma» («BE anuncia antecipação da idade de reforma para os pedreiros», Rádio Renascença, 15.10.2018, 20h38).

      O Bloco de Esquerda diz isso, confirmo. O jornalista limitou-se a reproduzir. Para mim, porém, e para os dicionários que acabo de consultar, pedreiro é somente o operário que trabalha na construção civil, não o que trabalha na extracção de pedras. A este, também mo diz a Classificação Portuguesa das Profissões, dá-se simplesmente o nome de... trabalhador das pedreiras. (Erros, porém, há-os em todo o lado: na Infopédia, lê-se que o número de freguesias do concelho de Penafiel é 38, quando actualmente são somente 28. Esqueceram-se da Reforma Administrativa do Poder Local.)

 

[Texto 10 127]