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Linguagista

Marcelo continua a ensinar

Com amigos destes...

 

      Logo de manhãzinha, ouvi na Antena 1 Marcelo Rebelo de Sousa, confrontado pelos jornalistas numa acção em Vila Franca de Xira, dizer aos jornalistas: «Aquilo que está no sítio da Presidência foi o que estava na carta.» Para os jornalistas, isso é demasiado português: «O Presidente da República confirmou ontem, ao fim da tarde, a exoneração do general Rovisco Duarte como chefe do Estado-Maior do Exército (CEME) que lhe foi proposta pelo Governo. No site da Presidência, aparece transcrito um excerto da carta do militar na qual são invocados motivos pessoais para abandonar a chefia do Exército» («Marcelo revela carta em que ex-CEME atribui resignação a “motivos pessoais”», Nuno Ribeiro e Sofia Rodrigues, Público, 19.10.2018, p. 6).

      Se falasse por si mesma, a pobre língua com certeza diria: «Com amigos destes, quem precisa de inimigos?»

 

[Texto 10 155] 

Léxico: «maltratante»

Em que se fala da PJ

 

      Na sua conversa diária, nos Dias do Avesso, com Isabel Stilwell, Eduardo Sá usou hoje o termo «maltratante». «Cá está», disse para mim mesmo, «mais um candidato, pois de certeza que não o vou encontrar nos dicionários.» Parece que sou bruxo. E ele anda por aí. Fala o chefe Elias Santana, da PJ: «A Pide nunca se irá meter nisto antes da [sic] gente ter o cadáver passado a limpo com os maltratantes e tudo» (Balada da Praia dos Cães, José Cardoso Pires. Lisboa: O Jornal, 1983, p. 64). Isto de haver maltratados sem maltratantes não está nada bem.

 

[Texto 10 154]

Léxico: «povoamento»

«Acto ou efeito de povoar»? Só?

 

      «Há uma manta de retalhos verdes e amarelos que pode estar prestes a perder a cor. O “Gigante Trémulo”, considerado o maior organismo vivo do mundo, está a morrer. A floresta de álamos ocupa cerca de 40 hectares no Utah, um estado da região oeste dos Estados Unidos da América. [...] “É a falta de regulação herbívora que causa a degeneração deste povoamento”, diz o estudo da PLOS One» («O maior organismo vivo do mundo está a morrer. Vamos a tempo de o salvar?», Sara Beatriz Monteiro, TSF, 19.10.2018, 10h41).

      Povoamento, povoamento florestal. Está em alguns dicionários, não o encontramos no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora. Está, naturalmente, no glossário técnico do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF).

 

[Texto 10 153]

Léxico: «evasão»

Mais precisamente

 

      «A PSP está a pedir à população que colabore com informações na captura dos três detidos que na quinta-feira à tarde escaparam do Tribunal de Instrução Criminal do Porto. [...] Na Manhã da Renascença, Rui Pereira [ex-ministro da Administração Interna e fundador do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT)] adianta que, “ao fugirem desta maneira, [estes indivíduos] cometeram mais um crime: o crime de evasão que é punível com pena de prisão até dois anos”» («São estes os fugitivos procurados. Se os vir, não os confronte», Rádio Renascença, 19.10.2018, 10h01).

      A definição de evasão no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora podia ser mais explícita e clara e referir que se trata de um crime, pois, como está, parece mera marotice de crianças: «saída não autorizada de local onde se estava preso ou detido». Sugiro esta alteração até porque o verbete tem quatro acepções: convém que uma tenha esse grau de explicitude (outro termo ignorado pelo dicionário da Porto Editora). 

 

[Texto 10 152]

Léxico: «alfinete-de-ama»

O que se diz e o que se escreve

 

      Na sua Travessa do Fala-Só, Vítor Santos Lindegaard (aqui) fala hoje dos alfinetes-de-ama e lembra que esta é a única grafia admissível, o que faz recorrendo também à analogia com outras línguas. Bem, única ou talvez não: «E sim, eu sei que alguns dicionários já registam alfinete de dama e fazem muito bem, se há de facto muita gente a dizer assim.» A dizer, sim, mas o problema pode ter começado quando alguém passou para a escrita o que ouvia dizer. Já aqui voltamos a este ponto. Dicionários. Alfinete-de-ama, no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora: «alfinete cujo bico encaixa numa cavidade, na extremidade oposta, para não se desprender e não picar; alfinete-de-dama, alfinete-de-gancho, alfinete-de-segurança, alfinete-de-bebé». Quatro sinónimos, entre os quais figura aquele que habitualmente se reputa erróneo. Há, porém, quem tenha explicação para este «alfinete-de-dama»: seria semelhante ao alfinete-de-ama, o que as amas usavam para prender as fraldas dos bebés, mas, no caso, eram usados pelas senhoras, pelas damas, para prender o vestuário, assim uma espécie de broche. O que acho estranho: nem sequer um destes quatro sinónimos têm verbete independente no dicionário. Ora bem, há muito que se escreve «alfinete-de-dama», tanto que Leite de Vasconcelos já tratou do caso. A explicação que mais cabalmente me convence é a de Vasco Botelho de Amaral, para quem se trata de um caso de prolepse fonética. O exemplo não é deste autor, mas serve para ilustrar o caso: na Beira Alta, era corrente a expressão «a bem de dizer», que chegou à literatura. Quer dizer, parecia que era essa a expressão. Acontece, porém, que aquele «de» não era propriamente preposição: era o som d da sílaba inicial do verbo «dizer». Dava-se — como também em «alfinete-de-ama» — uma acomodação dos órgãos do aparelho fonador para a pronúncia desta sequência, e a semelhança com a partícula prepositiva fez o resto.

 

[Texto 10 151] 

Léxico: «ossobuco»

Para resolver

 

      É verdade que ossobuco está registado no VOLP da Academia Brasileira de Letras como vocábulo estrangeiro, que o é de facto (e com três plurais: ossibuchi, ossi buchi, ossobuchi). Mais enganador é na Infopédia: surge como termo português no Dicionário de Italiano-Português, isto quando não está registado no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora.

 

[Texto 10 150]

Léxico: «autocentrado»

Uma palavra e um conselho

 

      «Educar crianças longe dos avós e tios é assim um duplo sinal de egoísmo: no presente, há o egoísta abandono dos velhos; no futuro, há a certeza de que estas crianças serão adultos autocentrados e incapazes de lidar com a perda, com o fracasso, com a dor física e mental» («Beijar os avós: a medida justa», Henrique Raposo, Rádio Renascença, 19.10.2018).

      Pois, não são só vocês, eu também não sei para que serve uma palavra como «autocentrado» — obviamente impingida pelos tradutores. Self-centred... Seja como for, ela anda por aí, como se vê, e há um problema por resolver, um erro muito repetido: só aparece num dicionário bilingue da Infopédia. (Convinha, agora que as rádios publicam tantos textos como os jornais, que tivessem algum cuidado. Releiam antes de publicar. Neste texto de Henrique Raposo, por exemplo, lê-se isto: «Claro que esse desafio aumenta nas minhas filhas. Quando se aproximam deste tio-que-é-avô, sentem um medo instintivo; aquela figura faz gestos estranhos, tem um esganar assustadiço no rosto.»)

 

[Texto 10 149]

Léxico: «pêssego-rosa»

Ficaram muitos de fora

 

      «São famosos os travesseiros da Piriquita, as queijadas e até a carne de porco às Mercês. Mas quantos conhecem a maçã reineta de Fontanelas ou o pêssego rosa de Colares? O património gastronómico de Sintra em conferência esta sexta-feira» («Das queijadas ao pêssego rosa, Sintra mostra que “somos o que comemos”», Joana Carvalho Reis, TSF, 19.10.2018, 7h45).

      E nos dicionários? O Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora tem, único composto, «pêssego-careca», e depois variedades com verbete próprio, como, por exemplo, maracotão/melacotão. (E não será antes, Joana Carvalho Reis, «carne de porco à Mercês»?)

 

[Texto 10 148]

Léxico: «caixa dois»

É o nosso saco azul

 

      «“Se a denúncia de que eles usaram este ‘caixa 2’ for comprovada, a depender do volume da operação, se isto impactar na legitimidade das eleições, pode até levar a cassação do mandato. A palavra que a lei usa é gravidade. A leitura que o tribunal eleitoral faz desta palavra gravidade é desestabilizar a legitimidade das eleições”, disse [Marilda Silveira, especialista em Direito Eleitoral e professora do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP)]» («Juristas admitem que candidatura de Bolsonaro pode ser impugnada», Rádio Renascença, 19.10.2018, 1h22).

 

[Texto 10 147]

Léxico: «cruciverbalista»

Aquele que inventa palavras cruzadas

 

      Agora mesmo, pouco passa das 8 da manhã, estive a comunicar com Paulo Freixinho, o cruciverbalista do Público. Ah, mas esperem, os dicionários, em geral, ignoram a palavra. Ignora-a o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora. No Dicionário de Italiano-Português, para traduzir cruciverbista propõem... «quem resolve palavras cruzadas». Sim e não. O italiano cruciverbista significa «chi inventa o risolve cruciverba». Um só termo para as duas realidades. Ora, o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora só tem um termo específico para a «pessoa que tem o hábito de fazer palavras cruzadas» — cruzadista. Então, e a pessoa que cria as palavras cruzadas? É o cruciverbalista.

 

[Texto 10 146]

Léxico: «picnodontídeo»

Também é nosso

 

     «A responsável [Martina Kölbl-Ebert, do museu de Eichstätt, Baviera] acrescentou que o peixe em questão provém de um grupo de peixes, os picnodontídeos, conhecidos por terem dentes fortes» («Descoberta nova espécie de peixe. Parece uma piranha e tem 150 milhões de anos», TSF, 18.10.2018, 17h46). No Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora: ✘. No VOLP da Academia Brasileira de Letras: ✔.

 

[Texto 10 145]