Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Linguagista

Léxico: «xistarca»

Mete água, isso é certo

 

      Ficam então a saber: no dia 11 de Novembro, vou participar na Corrida das Castanhas. Mais modestamente, vou apenas fazer a caminhada de quatro quilómetros, um passeio ligeiro. Faltam dezanove dias e onze horas e tal. No fim, castanhas e água-pé, mesmo para os fracotes. A entidade que organiza a corrida é a Xistarca. Lê-se no sítio da empresa: «O nome Xistarca é pouco comum no vocabulário português. No entanto, a sua origem tem profundos laços históricos que se prendem intimamente com as origens do desporto na Antiga Grécia. Xistarcas eram os orientadores da actividade atlética e gímnica daquela época. Este nome deriva do facto dos [sic] recintos desportivos de então, onde exerciam a sua actividade, serem revestidos de xisto.» Será assim? Hum... Xistarca é o nome que se dava ao funcionário responsável pelo xisto, que era o nome que se dava ao pórtico coberto ou colunata onde se exercitavam os atletas. A etimologia alude ao pavimento liso, polido do espaço, e não a xisto. Sendo assim, não sei se devo participar na corrida... E se se enganam de novo? Se metem água? Se, em vez de água-pé, nos dão água-ardente, ou, pior, água-chilra? E se cai uma carga de água? Mas estou a afogar-me em pouca água. Até amanhã.

 

[Texto 10 172]

Léxico: «massa de ar»

Da Islândia

 

      «As temperaturas vão descer a partir do próximo fim de semana e vai atingir os zero graus em algumas zonas de Portugal continental. A caminho do continente está uma massa de ar polar vindo da Islândia, como explicou o Instituto do Mar e da Atmosfera» («Vem aí uma massa de ar polar da Islândia. Temperaturas descem aos zero graus», Guilherme de Sousa, TSF, 22.10.2018, 20h40).

      No Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, e em muitos outros, claro, não há massa de ar, polar ou não polar.

 

[Texto 10 171]

Léxico: «Hurões/hurão»

Dos Grandes Lagos

 

      «Mas, temendo que o perigo, que se aproximava terrível e ameaçador, fizesse enfraquecer uma e outra, trataram de persuadir aos Hurões quanto convinha à tribo protegê-los, a eles jesuítas, na fuga» (História Geral dos Jesuítas, T. Lino d’Assumpção. Lisboa: Moraes Editores, 1982, p. 387).

      Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, agasalha lá esta pobre gente, estes indígenas da América do Norte.

 

[Texto 10 170]

Léxico: «chave na mão»

Basta estar atento

 

      Li hoje que a ponte suspensa Maputo-Catembe, sobre a baía de Maputo, Moçambique, está orçada em 785 milhões de dólares, montante financiado com um empréstimo da China. É, dizem, um projecto chave na mão, ou seja, a China trata de tudo e entrega a obra feita. Agora, volta não volta (bonita expressão que António Lobo Antunes usa nas suas obras e que o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora ignora), vejo esta expressão, mais ligada ao mercado imobiliário, e nos dicionários, nada.

 

[Texto 10 169]

«Vatu/vatus»

Inacreditável

 

      «A seleção do Vanuatu está à procura do novo selecionador de futebol através das redes sociais. [...] A Federação também não teve problemas em referir o salário disposto a oferecer ao novo selecionador: um mínimo de 3,6 milhões de vatu por ano, o correspondente a algo como 28 mil euros» («Quer ser o novo selecionador do Vanuatu?», Rádio Renascença, 22.10.2018, 16h19).

      Estes jornalistas... Isto é para rir? O plural de «euro» é «euro»? Raciocinemos. Um dos defeitos dos dicionários gerais da língua é não indicarem o plural dos nomes, pelo menos nestes casos em que o falante, coitado, vacila mais. Está, por exemplo, no Vocabulário Ortográfico Português do ILTEC (no qual não faltam, diga-se, erros imperdoáveis).

 

[Texto 10 168]

«Héctico/ético»

Assim se empobrece

 

      «Na lista dos barbarismos de escrita ou cacografias que campeiam nas obras de Camilo deve inscrever-se o éthico com o grupo helénico th, quando o que cumpria ser impresso é ético ou héctico», escreveu Mário Barreto. Temos aqui um problema: numa tradução do francês, falava-se de velhos com problemas de saúde, paralíticos, nervosos, etc., — e étiques. Sobre o nome da doença não pode haver controvérsia: héctica. Pois, mas que nome se dá ao indivíduo que sofre de héctica? Todos os modernos dicionários afirmam que é «héctico». Eu próprio já o defendi algures, antes de saber, como sei hoje, que os dicionaristas mandam indevidamente para o lixo verbetes, sobretudo de sinónimos e variantes. Ainda na semana passada pensei nisto quando o prédio e tudo aqui à volta, incluindo os carros, estava repleto de agúdias. Há pelo menos meia dúzia de variantes, mas os dicionários registam somente uma ou duas. Isto é tratar bem um legado riquíssimo que recebemos? Passa-se o mesmo com as variantes de «héctico». Sim, o tradutor tem razão: temos héctico, ético, étego, héctigo e hétego. Quer os dicionários as registem, quer não, o falante tem todo o direito de as usar.

 

[Texto 10 167]

Léxico: «agulheta»

É para atestar. B7

 

      «Agora, os automobilistas têm de optar não entre gasolina e gasóleo, mas sim entre letras, E e B, e números. Se o que pretende é pôr gasolina, o seu automóvel deve ser abastecido pela agulheta com a letra E, de Etanol. Há E5 e E10, correspondente à gasolina sem chumbo de 95 octanas ou de 98. Já se o seu carro é a diesel, deve escolher a Letra B, de Biodiesel. B7 é o gasóleo normal, o mais barato, B10 é o mais caro. Para evitar enganos, as gasolineiras vão deixar durante algum tempo, junto às agulhetas, as duas designações» («Vai abastecer o carro? Atenção que há nova sinalética nos combustíveis», Rádio Renascença, 22.10.2018, 11h23).

     Sim, podiam ir já para os dicionários, porque vieram para ficar. Entretanto, e mais urgente, é o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora acrescentar esta acepção de agulheta, pois a mais próxima só se refere a água: «tubo metálico que remata as mangueiras para dirigir o jacto de água».

 

[Texto 10 166]

Léxico: «metodizado»

Acabo de o ver

 

    «O silêncio imposto, organizado, codificado, metodizado, institucionalizado, elevado à função de personagem condutora» (Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa, vol. 2, Manuel Ferreira. Lisboa: Instituto de Cultura Portuguesa, M.E.I.C., Secretaria de Estado da Investigação Científica, 1977, p. 81). Como adjectivo, não está no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora. Como não está metodizador. No VOLP da Academia Brasileira de Letras: ✔.

 

[Texto 10 165]