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Linguagista

Léxico: «intelectualice»

Portugal, meu remorso

 

      Outro Sr. Anónimo: acaba de me deixar um comentário (que obviamente apaguei) ao texto sobre o vocábulo «figureiro», que designa o artesão que cria figuras, bonecos, no caso, os tradicionais bonecos de Estremoz. Uma só palavra no comentário: «Intelectualisses.» (Sim, tinha ponto final, o que nem todos vós fazeis.) Eu podia ironizar, e para isso bastava dar uma pequena volta à palavra «analfabetice». O problema — ou a porra, se não nos importarmos de enveredar pela grunhice — é que os dicionários não registam nem uma nem outra. E, no entanto... «Um cínico observará que o aumento do poder de compra diminui as preocupações com a nação, a identidade nacional e quejandas intelectualices» (Portugal: Meu Remorso de Todos Nós, José Fernandes Fafe. Lisboa: Editorial Caminho, 1993, p. 139).

 

[Texto 10 185]

Tradução: «sanseacabó»

Ponto final

 

      «La Sección Cuarta de la Sala de lo Penal de la Audiencia Nacional ha rechazado suspender la entrada en prisión del expresidente de Caja Madrid y Bankia, Rodrigo Rato, que tiene hasta este jueves al final del día para elegir en qué centro penitenciario quiere ingresar. “Mañana entro en prisión y sanseacabó”, ha dicho Rato, sin revelar la cárcel que escogerá, en declaraciones al periodista de la Sexta Noticias, Alfonso Medina, en la tarde de este miércoles. El exvicepresidente del Gobierno ha afirmado que, si bien va a entrar en prisión, seguirá recurriendo» («La Audiencia Nacional da de plazo hasta el jueves a Rato para entrar en prisión», eldiario.es, 24.10.2018, 11h31).

      Sempre achei muito engraçada esta interjeição castelhana. Como traduzi-la com a mesma graça? O Dicionário de Espanhol-Português da Porto Editora propõe «e ponto final!; e pronto!». Porque não «e adeus!», ou «e até ao meu regresso»? Aceito sugestões.

 

[Texto 10 184]

Léxico: «grupagem/desgrupagem»

Pobres transitários

 

      Outros dois termos empregados todos os dias pelos transitários e que os dicionários ignoram: grupagem e desgrupagem. O primeiro, grupagem, designa a preparação conjunta de mercadorias que, embora provenientes de vários expedidores ou dirigidas a diversos destinatários, possuem características comuns, o que lhes permite serem consolidadas na mesma unidade de carga, num só lote. A desgrupagem consiste, como é óbvio, na operação inversa. A Infopédia regista grupagem, sim, mas está no Dicionário de Termos Médicos: «Determinação dos grupos sanguíneos, incluindo os fatores Rh.» (Do francês groupage, sim, mas nesta língua a primeira acepção é a dos transitários: «Action de grouper des envois ayant la même destination», como comprovo no Trèsor.) E, quanto a esta acepção, será a melhor definição, será clara? Leio no blogue da Germano de Sousa, tão presente na cidade como a Padaria Portuguesa: «A grupagem sanguínea é um teste analítico que visa identificar qual o grupo sanguíneo (ABO) e Rh (positivo ou negativo) que cada indivíduo possui e assume um papel muito importante, particularmente, para a mulher grávida.»

 

[Texto 10 183]

Léxico: «sinodalidade»

Para não ir mais longe

 

      Uma palavra que vejo todos os meses e que os dicionários desconhecem: «“O ministério de Pedro”, acrescentava o cardeal, “que serve estruturalmente para promover a sinodalidade da Igreja, é também de natureza sinodal: sua função própria não o situa fora ou acima do colégio episcopal» (Cartas Marcadas, Pedro Casaldáliga. Lisboa: Paulus, 2005, p. 257).

 

[Texto 10 182]

«Tese/dissertação», de novo

No fim, a resposta cordata

 

      A tal trapalhada da tese/dissertação. Na revisão de uns relatórios de um professor catedrático de Arquitectura, vejo o erro e assinalo-o. Devem ter soado vários telefones nos minutos que se seguiram, secretárias incomodadas, suspiros. «O desplante!» Veio a resposta cordata, a única admissível: «O termo corrente para os trabalhos finais de mestrado é de tese, contudo a sua observação é pertinente.»

 

[Texto 10 181]

«Capa/primeira página»

Outro equívoco dos nossos tempos

 

      Muito cedo também, e isto repete-se dia após dia e nas várias rádios, um locutor na TSF avisa que um colega vai ler as «capas dos jornais». Outro equívoco: os jornais não têm capa, mas primeira página. Por coincidência, ainda na semana passada fiz esta emenda num livro (inédito premiado), e o editor (sim, o editor, não um assistente editorial) fingiu que a não vira. Insisti. Até que veio a pergunta: «Porquê?» Expliquei o bê-á-bá da complexa questão. Aceitou. Depois de o locutor ler as primeiras páginas, o colega que o anunciara rematou: «As Primeiras Páginas tiveram o patrocínio de...». Bem, não interessa o patrocinador, interessa, e muito, denunciar esta negligência, ainda mais lamentável porque se trata da rádio, que espalha o erro ainda mais facilmente. Até nesta questão os lexicógrafos podiam ajudar, mas estarão eles para aqui virados?

 

[Texto 10 180]

Léxico: «surrealidade»

Há décadas

 

      Às seis e tal da manhã, ainda a maioria dos meus leitores estaria a dormir, José Carlos Trindade fazia o sumário dos programas e rubricas da manhã da Antena 1 e falou na «surrealidade da situação». Há décadas que é usado entre nós — não o encontramos no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora.

 

[Texto 10 179]

Léxico: «tabular»

Até este?

 

      «A NASA divulgou uma imagem de uma placa de gelo em forma de retângulo perfeito nas redes sociais. A fotografia tornou-se viral, com os cibernautas à procura de uma explicação para o fenómeno. Um cientista da agência [Kelly Brunt] esclareceu as dúvidas» («Icebergue em forma de retângulo perfeito avistado na Antártida», Rádio Renascença, 24.10.2018, 8h40).

      É uma imagem impressionante e bela. Trata-se, dizem os cientistas, de um icebergue tabular. Em inglês, é fácil encontrá-lo nos dicionários. Tabular: «having a tablelike surface; flat». Directamente do latim. Em alguns dicionários nossos, nem rasto. No Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, encontramos três acepções, nenhuma delas a que está em apreço: «1. que diz respeito à tábula; 2. que tem forma de tábua ou de tabela; 3. (leitura) que não se processa segundo a linearidade do texto, mas que resulta da sobreposição de várias leituras do mesmo texto realizadas pelo mesmo leitor». Contudo, se consultarmos o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, coordenado por José Pedro Machado, encontramo-lo. Também Sacconi não se esqueceu: «Em forma de tábua; de superfície plana; achatado». Ainda ficamos sem palavras.

 

[Texto 10 178]