Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Linguagista

Uma adjectivação sem adjectivos

Tu quoque?

 

      «Mas a polémica decorre da adjetivação colorida que usa para caracterizar outros políticos portugueses, com os quais lidou institucionalmente. Refere-se à “inexperiência” de Passos Coelho, à “insegurança” de António José Seguro, chama “artista” a António Costa e acusa Portas de “infantilidade”. Admite que foi cor a mais na adjetivação?», perguntou Fernando Alves, da TSF, a Cavaco Silva («“Nunca pensei que o Bloco de Esquerda e o PCP se curvassem com tanta facilidade”», TSF, 26.10.2018, 9h54).

      Se até Fernando Alves cai neste erro tão básico, isto está muito pior do que se pudesse imaginar.

 

[Texto 10 200]

Léxico: «conchagem/temperagem»

Diz o mestre chocolateiro

 

      «O processo obedece a regras muito específicas. Depois da seleção, torrefação e moagem dos grãos, e em função do tipo de chocolate que se pretende obter, os ingredientes são colocados numa misturadora e, de seguida, refinados. Nesta etapa, a pasta de cacau vai para uma máquina chamada concha, uma batedeira gigante que pode misturar entre seis a nove toneladas de chocolate. Esta fase é essencial para que o chocolate fique mais leve, homogéneo e com uma textura mais sedosa. É nesta fase que se apuram os aromas característicos do chocolate – chama-se conchagem. Segue-se a temperagem. Ou seja, quando o líquido passa por ciclos de aquecimento e arrefecimento com um controlo metódico de temperatura. O que permite que o chocolate estabilize e se obtenha o seu aspeto brilhante. O chocolate também fica mais resistente, para que derreta apenas na boca, em temperaturas próximas à do corpo humano» («Afinal, o chocolate não é afrodisíaco», Graça Henriques, Diário de Notícias, 25.10.2018, 16h33).

      O processo do fabrico do chocolate, diz o mestre chocolateiro Georges Richani, termina com a moldagem, único termo que os dicionários registam.

 

[Texto 10 199]

Léxico: «cumuliforme»

Não é em forma de cúpula

 

      «A tromba de água é normalmente semelhante a uma nuvem em forma de funil, que ocorre ao longo de um corpo de água e está ligado a uma nuvem cumuliforme e são habituais em climas tropicais» («Tromba de água pouco habitual assusta madeirenses», Isaura Almeida, Diário de Notícias, 25.10.2018, 19h53).

      Isaura Almeida, algum problema com a grafia «tromba-d’água»? Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, algum problema com o vocábulo «cumuliforme»? O mais aproximado que registas é «cupuliforme», em forma de cúpula. No VOLP da Academia Brasileira de Letras: ✔.

 

[Texto 10 198]

Tradução: «self-fulfilling prophecy»

Fica-lhe mal

 

      «É aquilo a que a língua inglesa chama self-fulfilling prophecy, uma profecia que acaba por se cumprir porque o seu obsessivo anúncio ajudou, e muito, a que ela viesse a concretizar-se» («A esquerda chamou os fascistas; os fascistas vieram», João Miguel Tavares, Público, 25.10.2018, p. 56).

      João Miguel Tavares, o respeitinho ao inglês não é bonito. Em português, bem ou mal, diz-se «profecia auto-realizável». Aqui fica, bem explicadinho: «Segundo este autor, se crescermos a ouvir ideias negativas acerca de nós próprios, acabamos por ser programados por elas, caindo nas profecias auto-realizáveis, ideias que tanto foram pronunciadas que acabaram por se tornar verdadeiras» (Clínica da Infância, Teresa Paula Marques. Alfragide: Oficina do Livro, 2011, p. 37).

 

[Texto 10 197]

Léxico: «coitadismo»

Assenta-lhe bem

 

      «“Tudo é coitadismo. Coitado do negro, coitado da mulher, coitado do gay, coitado do nordestino, coitado do piauiense. Tudo é coitadismo no Brasil, vamos acabar com isso”, disse Bolsonaro, citado pela Reuters Brasil» («Bolsonaro desce entre os evangélicos e diz que vai acabar com “coitadismos”», Clara Barata, Público, 25.10.2018, p. 26).

      Vamos ter oportunidade de conhecer melhor a personagem, já que no domingo vai ganhar as eleições. Entretanto, convém dizer que não foi ele que criou o termo «coitadismo», mas sim Emil Farhat (1914-2000), jornalista, publicitário e escritor brasileiro. E não temos nós «vitimismo»? Quer dizer, temos, mas não aparece nos dicionários. «A esquerda, como ficou demonstrado na fase mais aguda da revolução, apostou (e continua a apostar) — no que respeita à linguagem de suporte dos conceitos que defende — na técnica da repetição, segundo o ensinamento de Lenine, incitando à intensificação da “justa luta” na salvaguarda das “grandes conquistas dos trabalhadores”; a direita, porém, não cessou de esgrimir com a lamentação, o vitimismo, também numa cadência a que se poderá chamar “leninista”» (Ou Vice-Versa (Mitos de Trazer por Casa), Júlio Conrado. Lisboa: A Regra do Jogo, Edições, 1980, pp. 113-14). E vitimista também se eclipsou.

 

[Texto 10 196]

Léxico: «sindicável»

Então, se sindicas...

 

      «Só este ano foram analisadas as dúvidas que o PSD levantara em 2015 ao Ministério Público, que vê na cedência de património municipal à ATL “opções políticas não sindicáveis em sede criminal”» («Inquérito ao Turismo de Lisboa arquivado após pesquisa na Net», João Pedro Pincha, Público, 25.10.2018, p. 18).

      Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, toma, arrecada-o. No VOLP da Academia Brasileira de Letras: ✔.

 

[Texto 10 195]

Mais castas

Nos campos, fora dos dicionários

 

      «[A unidade de agro-turismo Cabeças do Reguengo, a 3,2 km de Portalegre] Produz vinhos biológicos – Equinócio e Solstício, branco e tinto, e ainda as marcas Seiva, Respiro e Quartzo, todos com a mesma filosofia de respeito absoluto pela natureza e sazonalidade. Na complexidade das castas locais, que fazem parte dos vinhos de João, há variedades pouco conhecidas como o Moreto, Tinta Grossa, Tinta de Olho Branco, Corropio, Tinta Francesa, Tinta Carvalha, Moscatel Preto, nos tintos e Rabo de Ovelha, Tamarez [sic], Uva Rei, Uva Formosa, Vale Grosso, Excelsior, Salsaparilha [sic] para brancos. Além das mais conhecidas como Trincadeira, Aragonez [sic], Alicante Bouschet, Castelão, Grand Noir para os tintos e Arinto, Assario, Fernão Pires, Roupeiro, Alicante Branco nos vinhos brancos» («O medo não assiste a Albertino», Augusto Freitas de Sousa, TSF, 25.10.2018, 19h37).

      Variedades tão pouco conhecidas, na verdade, que o nosso Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora não conhece várias, como, por exemplo, Corropio e Salsaparrilha. (Por acaso, «corropio» está num texto de apoio, referente ao grupo Black Sabbath — mas é gralha.)

 

[Texto 10 194]