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Linguagista

Léxico: «ribate»

Tudo ao abandono

 

      A propósito do Algarve: em finais do ano passado, o PCP quis saber se o Governo tinha verbas inscritas no Orçamento do Estado para intervir no Rîbat da Arrifana, as ruínas da fortaleza-mosteiro fundada por Ibn-Qasî no século XII no litoral do concelho de Aljezur, um monumento nacional que, como tantos outros, está ao abandono e a necessitar de trabalhos de limpeza, desmatação, consolidação e restauro. (Como estava, por exemplo, o Forte de Santo António da Barra, onde o Botas se esmerdalhou ao mandar-se à bruta, como parece que sempre fazia, para cima de uma cadeira de lona.) Rîbat é como se vê escrita talvez a maioria das vezes, mas também ribāt, mais próximo da palavra árabe transliterada, ribāṭ. Pois bem: por que diacho não se usa o aportuguesamento ribate, que vejo em alguns vocabulários, mas não no dicionário da Porto Editora? Isto a língua é como os monumentos nacionais — aliás, a língua é ela própria património intangível ­—, louvada, mas descurada.

 

[Texto 10 590]

Léxico: «tuvenã/viochene»

Mais falta de material

 

      As tais lajetas vêm da Quinta do Escarpão, em Ferreiras (Albufeira), de uma pedreira comprada em 2017 pela Tecnovia, uma empresa do sector da construção, pedreira que vende britas, areias, pó de pedra e tuvenã. Ah, não sabem o que é tuvenã, seus incultos... Embora quase toda a gente o escreva assim — aportuguesado, como deve ser —, vem do francês tout-venant. Ora, esta palavra traz-me à mente outro caso semelhante: viochene. Só pretensiosos e desamantes da língua escreverão vieux chêne. Trata-se de uma substância corante, que eu conheço muito bem, usada para escurecer a madeira, deixando-a com um tom semelhante ao da madeira de carvalho velho. Pois bem, o dicionário da Porto Editora, infelizmente, ignora ambos os termos.

 

[Texto 10 589]

Léxico: «lajeta»

De norte a sul

 

      Atrasos nas obras de requalificação da frente ribeirinha de Olhão por falta de material: não há cubos de Monchique nem lajetas de Escarpão, estas usadas na pavimentação de grandes espaços como praças, por exemplo, por poderem suportar cargas de tráfego pesado. Pois bem, não é só no Algarve, ou em Olhão, concretamente, que faltam aqueles materiais: o dicionário da Porto Editora também não tem lajeta.

 

[Texto 10 588]

Léxico: «carbocerâmico»

Inovações fora dos dicionários

 

      «Além da imensa redução de libertação de poeira, os iDisc [da Buderus Guss, subsidiária da Bosch] conseguem ser mais eficazes e, sobretudo, resistir melhor ao uso intensivo, revelando um comportamento similar ao dos mais sofisticados, mas onerosos, discos carbocerâmicos» («iDisc. Travam melhor, duram mais e poluem menos», Alfredo Lavrador, Observador, 6.12.2017, 20h31).

      Quem acompanha minimamente as novidades do mundo automóvel já se deparou com — e invejou — este tipo de travões, os carbocerâmicos. Por acaso, a última vez que li a palavra foi a propósito do Seat Leon ST Cupra 4Drive preparado pela Siemoneit Racing, que fica com 520 cv de potência, mais do que o novo Audi RS4 ou o Mercedes-AMG C63 S. Aos dicionários é que carbocerâmico ainda não chegou.

 

[Texto 10 587]

Léxico: «transbordo»

Outros transportes

 

      «Outra novidade deixada pelo autarca é de que as obras no Metro de Lisboa não vão implicar maior tempo de viagem para quem vai de Odivelas para o centro da cidade. O autarca diz que tem garantias do Governo de que parte das ligações, sobretudo nas horas de ponta, vão seguir diretamente para Lisboa, sem necessidade de transbordo, mesmo depois da abertura da linha circular» («Recuperada grande parte dos azulejos do Mosteiro de Odivelas», Rádio Renascença, 14.01.2019, 9h33).

      Serve perfeitamente, embora o caso seja outro, para vermos que a definição de transbordo no dicionário da Porto Editora está errada: «passagem de passageiros ou mercadorias de um barco ou comboio para outro». Então não lemos e ouvimos regularmente que a CP faz transbordo, em certos troços e circunstâncias, dos seus passageiros em autocarro?

 

[Texto 10 586]

Léxico: «encarceramento/desencarceramento»

Vejamos mais em pormenor

 

      «Uma colisão entre dois veículos no IC2 causou, esta segunda-feira, a morte a um jovem de 19 anos em São João da Madeira, tendo o trânsito ficado cortado durante três horas no sentido Norte-Sul, indicaram os bombeiros locais. [...] “Um dos condutores ficou em situação de encarceramento de tipo 2, o que significa que a vítima ficou compactada dentro do carro”, explicou o comandante [dos Bombeiros Voluntários de São João da Madeira, Normando Oliveira]» («Jovem de 19 anos morre em despiste no IC2», Rádio Renascença, 14.01.2019, 12h13).

      É muito curioso (e anómalo) que o dicionário somente no verbete desencarceramento se refira explicitamente à «libertação de ocupantes retidos no interior de uma viatura sinistrada», mas não no verbete encarceramento. Não será o único problema: não há também operações de desencarceramento em helicópteros e aeronaves ligeiras, por exemplo? Ora, não se trata de viaturas. Mais: está o termo viatura bem definido? Vejamos: «qualquer veículo para transporte de pessoas ou coisas, carro». Estão a dizer-nos que «viatura» é sinónimo de «carro»? Então se for um camião já não estamos perante uma viatura? Finalmente, quanto aos tipos de encarceramento, é a primeira vez que o vejo referido, mas é mesmo assim: encarceramento mecânico, encarceramento físico de tipo I e encarceramento físico de tipo II, lê-se nesta publicação da Escola Nacional de Bombeiros.

 

[Texto 10 585]

A gíria dos médicos

Para nós, é chinês

 

      Na Antena Aberta de hoje, sobre o estado da saúde em Portugal, António Jorge, comparando-a com o «economês», hesitou na designação para a gíria médica: mediquês ou medicinalês? Porque não, digo eu, medicinês, muito mais próximo de «chinês», pois, como afirmou um professor universitário, Paulo Santos, a quem se dirigia a pergunta, na Europa, 70 % dos doentes não entendem o que lhes diz o seu médico? Talvez até se usem todas, em maior ou menor medida, mas nenhuma se solidificou ainda.

 

[Texto 10 584]

Léxico: «terraplanismo/terraplanista»

São doidos e têm nome

 

      De vez em quando, ouvimos falar deles. Há-os quase de certeza também em Portugal, têm nome, assim como a sua crença, mas os nossos dicionários ainda lá não chegaram: «Há 500 anos, Fernão de Magalhães deu início à primeira viagem de circum-navegação do planeta, uma viagem de barco à volta do mundo. Não demorou só 80 dias como Phileas Fogg, no livro de Júlio Verne, mas a expedição de três anos permitiu reforçar a ideia (já proposta na Grécia Antiga) de que a Terra era redonda — um globo, para ser mais claro. Agora, um grupo de terraplanistas — da organização Flat Earth International Conference — quer fazer um cruzeiro para demonstrar que esta ideia está errada e que a Terra é plana, noticiou o jornal britânico The Guardian» («Terraplanistas querem fazer um cruzeiro para provar que a Terra não é um globo», Vera Novais, Observador, 12.01.2019, 23h57).

 

[Texto 10 583]