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Linguagista

Gidá, Arábia Saudita, tantos do tal

Não, só assim

 

      «Cristiano Ronaldo foi o autor do único golo que decidiu a Supertaça Italiana entre Juventus e AC Milan. A “Vecchia Signora” venceu por 1-0 e ergueu o primeiro troféu da temporada. [...] A partida foi disputada na Arábia Saudita, no Estádio Rei Abdullah, em Jidá, com cerca de 62 mil espectadores nas bancadas» («Juventus vence Supertaça Italiana com golo de Ronaldo», Eduardo Soares da Silva, Rádio Renascença, 16.01.2019, 19h28).

      O que o plumitivo renascentista não sabe é que não se deve escrever com jota, mas assim: «Gidá, top. Forma vernácula que pretere o estrangeirismo Djeddah», como nos diz Rebelo Gonçalves no Vocabulário da Língua Portuguesa (p. 497).

 

[Texto 10 600]

Léxico: «iberismo»

Comparemos

 

      «A obra de Torga é extensa e aborda, entre outros temas, o drama da criação poética, o desespero humanista, o sentimento telúrico, a problemática religiosa, o iberismo e o universal» («Sabrosa. Casa de Miguel Torga vai ser museu», Olímpia Mairos, Rádio Renascença, 16.01.2019, 110h36).

      Um exercício simples: comparemos como dois dicionários, um de português e outro de castelhano, definem iberismo, termo que, segundo Sérgio Campos Matos (aqui), só foi dicionarizado no início do século XX. No Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora: «1. qualidade ou condição do que é ibérico; 2. POLÍTICA doutrina que advoga a união política de Portugal e Espanha». No Dicionário da Real Academia Espanhola: «1. m. Carácter de ibero; 2. m. Estudio de la historia y cultura de los iberos; 3. m. Palabra o rasgo lingüístico propios de la lengua de los antiguos iberos y adoptados por otra lengua; 4. m. Doctrina que propugna la unión política o una especial relación sociopolítica entre España y Portugal.» Não é apenas uma questão de número de acepções, até porque o Dicionário da Real Academia Galega tem mais.

 

[Texto 10 599]

Estrangeirismos e maiúscula

Aprofundando a questão

 

      «Vai ser preciso começar tudo de novo e é difícil acreditar que as clivagens ontem reveladas pelo Parlamento britânico permitam uma negociação aceitável pelos 27. O “Brexit” dificilmente poderá ser suave depois do que aconteceu. Os piores pesadelos para o futuro do Continente, Ilhas Britânicas incluídas, tornaram-se ainda mais reais» («God Save UK», Manuel Carvalho, Público, 16.01.2019, p. 6).

      Ainda se tem de equacionar esta questão: então se brexit é — qual a dúvida? — um estrangeirismo, não temos de o grafar como se faz na língua de que provém? Evidentemente. Logo, será Brexit. Nós não temos (embora muitos dos nossos tradutores se esqueçam ou não saibam) adjectivos próprios — mas é um estrangeirismo. Por fim, topónimos: é Ilhas Britânicas, com maiúscula, sim. Já «continente» com maiúscula é mera convenção com menos força e, no caso, nunca é a minha opção.

 

[Texto 10 598]

«Brexit» e afins

Se a lógica mandasse

 

      «O texto impunha que a cláusula de garantia, acordada pelas partes para evitar a fronteira física e os controlos alfandegários entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda — e que era disputada por brexiteers e remainers —, “expiraria no dia 31 de Dezembro de 2021”, se entrasse em vigor» («Acordo de May estilhaçado pelos deputados que hoje decidem o seu futuro», António Saraiva Lima, Público, 16.01.2019, p. 3).

      Por muito que se arraste, não deixará de ser um processo efémero, e por isso nem sequer brexit eu levaria para os dicionários. Mas está em alguns, e, pior, não o grafam em itálico. Em boa lógica, levar aquele devia implicar a necessidade de levar, até porque menos conhecidos, também brexiteer, remainer e backstop. Cá, aqui e ali, e até no Brasil, usa-se «brexiteiro». No texto anterior, cito Rui Tavares, que usa frequentemente essa palavra.

 

[Texto 10 597]

«Cumprir com»

Neste caso, não a usaria

 

      «A questão é que para saber sair da União Europeia é preciso conhecê-la muito bem, e conhecer muito bem para onde se vai, e a elite brexiteira do Reino Unido nunca se esforçou por cumprir com nenhum desses desideratos. [...] Continua o mito do “Brexit” pela ideia de que, desamarrado da Europa, o Reino Unido pode cumprir com um “destino global”. Mas esse destino global tem um problema: depende da soberania dos outros» («Estranha forma de assumir controlo», Rui Tavares, Público, 16.01.2019, p. 48).

      Um leitor descontente pergunta-me se esta regência do verbo «cumprir» está correcta. Está. Foi consagrada por vários autores e encontramo-la nos dicionários de regências verbais e até em alguns dicionários gerais. No sentido de levar a efeito, executar cabal e pontualmente, é indiferente usar uma ou outra regência: Cumprir (com) a palavra. Ainda assim, diga-se que, neste caso concreto, eu não usaria esta regência.

 

[Texto 10 596]

Léxico: «sovietizar»

Isso está mesmo mau

 

      «As acusações ao atual líder do partido não terminaram por aqui. Montenegro questionou a legitimidade do sistema de voto da moção de confiança a ter lugar no Conselho Nacional: “Votação de braço no ar é ‘sovietizar’ o PSD”» («“Não sou maçon nem tenho nenhuma ligação à maçonaria”», Sara Beatriz Monteiro, TSF, 15.01.2019, 21h48).

      Ó Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, e tu não sovietizas? Ora, mas nem sequer estalinizas nem desestalinizas... Cresce, torna-te útil.

 

[Texto 10 595]