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Linguagista

Léxico: «parolismo»

E, contudo,...

 

      Talvez seja eufemismo, porque parolismo os nossos dicionários não deixam que seja. Estão enganados, claro: «Foi a época triste em que ainda ensaiámos – com o parolismo próprio dos novos-ricos – as políticas de perseguição migratória, impedindo os dentistas brasileiros de trabalhar, limitando a legislação sobre o asilo, agilizando as expulsões de imigrantes, fechando as portas a Vuvu Grace e sua filha Bernardette e convocando de urgência reuniões do Conselho de Segurança Interna para travar a “invasão das prostitutas brasileiras”...» (Novo Êxodo Português: Causas e Soluções, Pedro Teixeira. Porto: Vida Económica, 2015, p. 22).

 

[Texto 10 610]

«Whistleblower», de novo

Lançador de alertas...

 

      «A justiça portuguesa já emitiu um pedido de extradição para Rui Pinto, que foi detido na Hungria. Os advogados anunciaram que se vão opôr ao pedido e apontam para os critérios de proteção dos lançadores de alertas, “whistleblowers”, presentes na legislação europeia» («Rui Pinto admite ser denunciante no caso “Football Leaks”», Rádio Renascença, 19.01.2019, 17h17).

      Na notícia, o verbo «opor» aparece duas vezes mal escrito, o que, para jornalistas, é lamentável. Não sei onde esta gente aprendeu a escrever. Então e whistleblower, que já nos ocupou aqui, agora traduz-se por «lançador de alertas»? Isso é o quê, eufemismo ou parolismo?

 

[Texto 10 609]

Como se escreve por aí

Aos pares é sempre pior

 

      «Esta semente de algodão, assim como outras (da planta de colza, da planta Arabidopsis ou de batata, bem como ovos de mosca da fruta e algumas leveduras), foram transportadas até à Lua pela sonda Chang’e 4 (curiosamente, é o nome da deusa chinesa da Lua), a primeira a aterrar no lado oculto da Lua, com o intuito de criar uma “mini biosfera simples”, segundo explicou a agência oficial Xinhua» («Morreu a planta de algodão que a China fez brotar na Lua», Tiago Palma e Joana Gonçalves, Rádio Renascença, 19.01.2019, 16h43).

      Aos pares ainda é pior. Bem, copiem, mas não sempre nem tudo. Se em inglês é mini biosphere, em português não é nem podia ser como o escreveram. Pensem.

 

[Texto 10 608]

Tradução: «colegio»

Bastava, nos dois casos, copiarem

 

      «“O importante é chegar ao local o mais rápido possível, seja por uma opção ou por outra”, disse esta quinta-feira de manhã Juan López Escobar, delegado da Faculdade dos Engenheiros do Sul e membro da equipa responsável pelo resgate» («Resgate de Julien concentra-se agora na escavação de um túnel vertical», Diário de Notícias, 17.01.2019, 13h27).

      Ora cá temos mais um dos cerca de dez milhões de tradutores de castelhano. Juan López-Escobar é delegado do Colegio Oficial de Ingenieros de Minas del Sur. Colegio traduz-se por... colégio, na acepção discutida aqui e que quase chegou a concitar malquerenças na comunidade do Linguagista por causa da sua definição no dicionário da Porto Editora. De facto, era escusado, quando não descabido, usar-se a palavra «corporativa»: «ramo de organização corporativa de âmbito nacional que agrupa os indivíduos que, no contexto de uma dada profissão, exercem determinada especialidade». Bastava seguirem, quase literalmente, o que a lei diz, e acertavam. Voltando à notícia: Juan López-Escobar é delegado do Colégio Oficial de Engenheiros de Minas do Sul. Não sejam trapalhões. Tenham brio.

 

[Texto 10 607]

Léxico: «vocacionado»

Ela aí está

 

      Leio aqui que na residência das Servas de Nossa Senhora de Fátima (fundadas por Luiza Andaluz em 1923, em Santarém) em Cassongue, quinhentos quilómetros a sul de Luanda, há uma dependência vizinha habitada por jovens que chegam de diversas paróquias e regiões de Angola. Chamam-lhes vocacionadas, são raparigas que querem aprofundar o chamamento à vida consagrada que um dia sentiram. E chamam muito bem. No Aulete, ainda a encontramos: «1. adj. Que tem vocação para determinada carreira: Era um jovem vocacionado para a medicina; 2. s. m. Pessoa que tem tendência, propensão ou inclinação para determinado ofício: Só um vocacionado para a arte da interpretação poderia interpretar o Hamlet.» Saiu de todos os dicionários, mas concluímos que, afinal, continua a ser usada. É um dos mistérios do nosso tempo.

 

[Texto 10 606]

Léxico: «encepar»

Continua a usar-se

 

      O texto é sobre Deus, por vezes, parecer que escolhe as pessoas erradas — «altifalantes estranhos», chama-lhes o autor — para comunicar a Sua palavra. Um desses casos envolve Balaão, que era estrangeiro e não pertencia à religião de Israel. Cito o autor, para maior proveito dos nossos leitores e lexicógrafos: «Onde podemos começar a encepar é quando consideramos que esse Deus que nos fala algumas vezes escolhe “altifalantes estranhos”.» O último dicionarista ou lexicógrafo a lembrar-se desta acepção de encepar — tropeçar, esbarrar, um termo da Bairrada — foi José Pedro Machado, que se limitou (mas já teve mérito nisso) a copiar outros. Do lado de lá do Atlântico, o metediço do Sacconi nem sequer regista o verbo! Passa directamente de «encenar» para «encerar».

 

[Texto 10 605]

Léxico: «amotivacional»

Uma desgraça nunca vem só

 

      «A psiquiatra Lia Fernandes, investigadora do CINTESIS [Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde], defende, em entrevista à TSF, que a canábis pode, inclusive, fazer com que os consumidores desenvolvam “síndrome amotivacional”, isto é, “as pessoas ficam muito alheadas da realidade, muito pouco participativas e com défices de atenção, de memória, há uma perda cognitiva absolutamente evidente”» («Perguntas e respostas: O que diz a ciência sobre a canábis?», Sara Beatriz Monteiro, TSF, 17.01.2019, 8h38).

      Embora seja mais provável termos dores de costas, que já se tornaram a primeira causa de absentismo em Portugal, como ainda hoje a revista Sábado lembra, também pode acontecer recebermos um diagnóstico de síndrome amotivacional, e depois, como é? Temos de recorrer ao Dicionário da Real Academia Espanhola, porque nenhum de língua portuguesa regista o adjectivo: «adj. Perteneciente o relativo a la falta de motivación. Síndrome amotivacional.» Miséria, até nisto somos inferiores.

 

[Texto 10 604]

Léxico: «hepatologista»

Tenho de ser eu

 

      «“Um terço de todos os cancros do país são do aparelho digestivo”, disse à agência Lusa o hepatologista Rui Tato Marinho, defendendo a importância de consciencializar os portugueses para os fatores de risco destas doenças e para os comportamentos que devem adotar para as prevenir» («Cancro digestivo mata um português por hora», Rádio Renascença, 17.01.2019, 8h16).

      Agora, por exemplo, quem é que avisava a Porto Editora da escandalosa ausência de hepatologista no seu dicionário?

 

[Texto 10 603]

Léxico: «ramona»

Alguém o tem de fazer

 

      «Uma colisão entre duas viaturas, uma das quais da PSP, provocou esta quarta-feira sete feridos, cinco dos quais agentes desta força policial, em Santarém, informou fonte do Comando Distrital de Operações de Socorro (CDOS). “Há dois feridos em estado grave, que são agentes da PSP”, esclareceu a mesma fonte. Os polícias seguiam numa carrinha de nove lugares, conhecida como “Ramona”, um dos agentes acabou por ser projetado para fora da viatura dada a violência do embate» («Cinco polícias entre os sete feridos de acidente com carro da PSP em Santarém», Correio da Manhã, 16.01.2019).

      Senhor jornalista, menos respeitinho — é com minúscula, ramona. Ó Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, não te atrevas a repetir que, neste caso, é o aumentativo feminino singular de «rama». E ainda os meus leitores se queixam de eu corrigir os dicionários...

 

[Texto 10 602]

Léxico: «encamisar»

Em Portugal e no Brasil

 

      «También ha explicado que se va a proceder a “encamisar” el pozo original, que “está desnudo”, y ha explicado que generalmente “en esos pozos se termina poniendo un tubo, pero (en este caso) no estaba encamisado”» («Construirán dos túneles para acceder a donde se cree que está Julen», La Vanguardia, 16.01.2019, 18h37).

      Em castelhano? Não, também em português, e tanto em Portugal como no Brasil, e contudo, não encontro esta acepção (revestir interiormente um furo com um tubo) em nenhum dicionário. Isto é normal? Perfuradores de poços e sondadores (outra mal definida) devem fartar-se de rir.

 

[Texto 10 601]