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Linguagista

Como se deturpam as notícias

Na terra do mais ou menos

 

      «O corpo foi levantado às 4h00, e estava coberto de areia. O responsável explicou que uma das teses mais prováveis é que, na própria queda, a terra se foi desprendendo das paredes do poço, “muito imperfeita e muito arenosa”. [...] A operação de resgate de Júlen [sic] foi “uma missão colossal” que envolveu a remoção de 85 mil toneladas de areia» («Julen foi encontrado a 71 metros e terá sofrido “um tramatismo craniano”», Rádio Renascença, 26.01.2019, 17h11).

      Estava coberto de areia? No diário La Vanguardia leio que «fue encontrado cubierto de tierra». Houve a remoção de 85 mil toneladas de areia? No diário La Vanguardia leio que «se han movido 85.000 toneladas de tierra». E mesmo quanto a arenosa — as paredes do poço é que são muito arenosas, não a terra. Terra é terra, areia é areia. Talvez seja demasiada areia...

 

[Texto 10 657]

Vergonha alheia e à cara podre

Paciência de santo

 

      «Senhor Presidente, Senhor Primeiro-Ministro, eu nem vou responder ao comentário final, porque fiquei com vergonha alheia.» Quem é que fala assim, «fiquei com vergonha alheia»? É preciso paciência de santo. Quem fala de vergonha também fala do contrário, de desvergonha. Ontem à noite, perguntou-me um leitor como era possível que a expressão à cara podre — sinónimo de à descarada, sem vestígios de embaraço — não estivesse nos nossos dicionários. Lá expliquei que os dicionários não podem conter todas as palavras e expressões que se usam. Será, pelo menos, difícil, e mais — alguém o tem de fazer, e será sempre paulatinamente. Nunca antes deparei, confesso, com aquela expressão. Assim, não estranho nada a sua ausência dos dicionários. Estranho mais, por exemplo, que à descarada não esteja dicionarizado.

 

[Texto 10 656]