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Linguagista

Acidente na Rua Brancã...

Antes surdo

 

      Ver agora mesmo a palavra «contextualizado» mal ortografada («comtextualizado») transportou-me de imediato para o que me disseram hoje de manhã: que uma das jornalistas da Antena 1 encarregada da informação de trânsito dissera que havia um acidente na «Rua Brancã», em Lisboa. Enfim, embora cada vez mais, nestas coisas, me fie apenas em mim mesmo, faço fé em quem ouviu. Escrevo-o assim para a mofa ser maior, mas a verdade é que não raras vezes se vê com n e não, como deve ser, com m: Rua Braamcamp. Ainda que a família de Anselmo José Braamcamp (1819-1885) fosse de origem holandesa, ao que parece, o apelido vem, linguisticamente, do baixo-alemão. Em qualquer caso, o p soa. Não bastava estropiarem, na pronúncia, o nome Garrett, agora também já começam a mutilar o apelido Braamcamp. Isto tudo mais o Caixodré e a Rua Duclolé, entre outras, é mortal.

 

[Texto 10 679]

Léxico: «aprioristicamente»

É recomendável

 

      Com tantos erros à volta da locução latina a priori, convém ter o máximo cuidado. Falei ali mais acima de maus hábitos: porque é que, no verbete aprioridade, o dicionário da Porto Editora não grafa a expressão em itálico? Não vim aqui, porém, apenas para dar quinaus, mas para sugerir a inclusão do advérbio aprioristicamente, que vejo em alguns dicionários e vocabulários. Dada a confusão com a locução, é recomendável.

[Texto 10 678]

Léxico: «speaker»

Mais ou menos

 

      «O Reino Unido vai ficar de novo colado à TV Parlamento, para ver o próximo episódio da comédia de sucesso chamada “Brexit”. O canal de serviço público da BBC tornou-se tão popular que superou a MTV. E a estrela da comédia é John Bercow, de 56 anos, um pequeno disciplinador e mestre em chacota que é a 157.º presidente do Parlamento. Bercow é o speaker mais teatral e proactivo dos tempos modernos. [...] “Ele não se pode comparar a nenhum outro speaker”, disse Bobby Friedman, autor da biografia Bercow, Mr. Speaker: Rowdy Living in the Tory Party. “A palavra speaker [orador] é enganosa. Antes de Bercow, não se esperava que o speaker falasse. Mas Bercow transformou o cargo”, disse Friedman. [...] E já acusou os legisladores de serem “delinquentes incorrigíveis”. Um deles sugeriu que Bercow dorme com um dicionário» («“Ordem! Ordem!” O speaker de língua afiada está a mudar as regras — e talvez o “Brexit”», William Booth e Karla Adam, Público/Washington Post, 29.01.2019, p. 27).

      Que bem que William Booth e Karla Adam escrevem português, não é? Ah, não? Agora me lembro: é aquele mau hábito dos nossos jornais de não indicarem quem fez a tradução. Bem, isto um dia passa-lhes — ou eles mesmo passam. Na realidade, escrevem mais ou menos: não é, afinal, «pró-activo»? Passemos a outra. O Dicionário de Inglês-Português da Porto Editora regista speaker, claro, «the Speaker, o presidente da Câmara dos Comuns ou assembleia legislativa». Por acaso, a outra câmara também é legislativa. São ambas, é um parlamento bicameral, ambas têm poder legislativo. A Câmara dos Comuns detém a maioria dos poderes legislativos. Ainda que residual, a Câmara dos Lordes detém igualmente poder legislativo.

 

[Texto 10 677]

Léxico: «instrumentalização»

Ora aí têm

 

      «Está Marcelo agora a ser populista ou já estava quando pôs a condição de não se repetirem os fogos de 2017? Está certamente a ser contraditório ou, pelo menos, esquecido. E nem católicos nem laicos se revêem na instrumentalização de um acontecimento religioso para fazer a pré-abertura da corrida a Belém 2021» («Marcelo, fé, política e foguetes», Ana Sá Lopes, Público, 29.01.2019, p. 4).

      Na minha opinião, nem modesta nem imodesta, a definição de instrumentalização no dicionário da Porto Editora precisa de um retoque, uma coisa de nada. Está assim: «acto ou efeito de instrumentalizar, de usar (algo ou alguém) como instrumento para atingir determinado fim». Redigi-la-ia assim: «acto ou efeito de instrumentalizar, de usar (algo ou alguém) como meio para atingir determinado fim». Porquê? Pois porque «instrumento», no contexto, é um sentido figurado.

 

[Texto 10 676]

Léxico: «eutopia»

Sociedade perfeita

 

      Utopia, distopia, eutopia: só as duas primeiras estão no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora; a terceira foi remetida para o Dicionário de Termos Médicos. Isto só é assim porque não registaram uma acepção que não pertence à linguagem médica. (Sim, também acolhe ucronia — mas em que bolso encafuaram ucrónico e eutópico? Ah, pois...)

 

[Texto 10 675]

Léxico: «tapa-boca»

Vieram do Oriente

 

      Ontem à tarde, a minha filha pediu-me com muito empenho que lhe desse um tapa-boca de estilo coreano. Dei-lhe um, levezinho, desses que o dicionário da Porto Editora tem: «pancada dada com a mão na boca de uma pessoa para a fazer calar». Respingou, não era o que pretendia. Ela referia-se a uma máscara que tapa a boca e o nariz, com filtro de carvão activado, usada (coitados!) por coreanos, chineses, japoneses. Enfim, também se vai vendo por cá, e deve dar jeito para quando se anda de trotineta, bicicleta, patins. Imagino que o queira, ao tapa-boca, cor-de-rosa. Já escolheu um da AliExpress.

 

[Texto 10 674]

Léxico: «circulatura do quadrado»

Esta é para rir

 

      «Anteriormente designado de Quadratura do Círculo, na SIC, o programa que integra o jornalista Carlos Andrade, os antigos dirigentes do PSD José Pacheco Pereira e do CDS António Lobo Xavier e o antigo ministro socialista Jorge Coelho troca de canal e passa agora a denominar-se de Circulatura do Quadrado» («Marcelo é convidado especial no arranque da Circulatura do Quadrado», Rádio Renascença, 28.01.2019, 22h37, destaques meus).

      No Twitter, dizem que é um nome genial, e — atenção a isto — que esperam que paguem os direitos a Nilton. Não sei se com isto pretendem dizer que foi Nilton quem inventou a expressão. Espero que não, embora já saiba que certas alminhas não dão uma para a caixa. Circulatura do quadrado circula por aí há umas boas décadas, pelo menos, e designa, tal como a expressão quadratura do círculo — única dicionarizada — uma impossibilidade absoluta. (Senhor plumitivo, o verbo denominar-se é pronominal, e, por isso, comporta-se como verbo copulativo, não precisando de preposição: «e passa agora a denominar-se Circulatura do Quadrado». Tem de quê, mas agora fica assim.)

 

[Texto 10 672]