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Linguagista

Léxico: «laringe electrónica»

Novidade, para eles

 

      Num supermercado, um segurança com um caparro impressionante (e, mode oblige, profusamente tatuado) — mas voz de eunuco. Noutro, um segurança com laringe electrónica, ou prótese fonatória. Também impressiona. Entre os tumores da cabeça e pescoço, o cancro da laringe é o segundo mais frequente, a seguir ao da faringe. Os dicionários é que não sabem nada disto e são felizes.

 

[Texto 10 734]

Léxico: «pornochanchada»

Eles sabem lá

 

      Está bem, eu acredito, vem no VOLP da Academia Brasileira de Letras, no Houaiss (Lisboa, 2003), no Sacconi: pornochanchada. Cá, por vezes, ouve-se «pornochachada», mas sabemos lá alguma coisa disso. Se até os joviais Brasileiros são toscos, quanto mais nós. É mesmo pornochanchada. Encontramo-la no artigo de apoio sobre José Lewgoy na Infopédia. No Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, porém, nem rasto.

 

[Texto 10 733]

Léxico: «ovirraptossauro»

Antiquíssimos, mas desconhecidos

 

      «Uma nova espécie de dinossauro do grupo dos ovirraptossauros, que tinham penas como os pássaros, foi descoberta na Mongólia, divulgou esta quarta-feira a publicação científica PLOS ONE. Os vestígios da nova espécie [Gobiraptor minutus], um esqueleto incompleto que inclui um fémur, uma mandíbula e parte do crânio, foram descobertos na formação geológica Nemegt, no deserto Gobi, por uma equipa de peritos da universidade sul-coreana de Seul» («Nova espécie de dinossauro com penas descoberta na Mongólia», TSF, 6.02.2019, 20h59).

      Está muito bem, mas não vejo ovirraptossauro em nenhum dos nossos dicionários. Fora dos dicionários, aparece mais vezes «oviraptossauro». Diz-se deserto de Góbi — mas até na Infopédia hesitam — e não deviam — entre Gobi e Góbi.

 

[Texto 10 732]

Léxico: «exosquelético»

Um retoque, e é outra coisa

 

      Ia sugerir ao dicionário da Porto Editora que, em opérculo, corrigisse a definição: «aparelho opercular (exosqueleto) que tapa a cavidade branquial de certos peixes, peça principal deste conjunto». Ia, mas já não vou: falta-lhe o adjectivo exosquelético, que seria necessário. Proporia esta redacção: «aparelho exosquelético que tapa a cavidade branquial de certos peixes, peça principal deste conjunto».

 

[Texto 10 731]

Uma vida fora dos dicionários

Ponto da situação

 

      Vejam este mixólogo: será que os dicionários vão reparar nele? Gosta de peixinhos-da-horta, de supremas de salmão e de pangásio, e, apreciador em alto grau de arroz, tenciona comprar uma arrozeira. Até pode ter (um médico especialista vende-lhe o diagnóstico, se ele quiser) um problema de visão, talvez hiperconvergência. Não será por isso, certamente, que não vai conseguir encontrar o pólo norte magnético. Hesita ainda entre considerar-se trabalhador, como seus pais, avós, bisavós, ou colaborador, mais ao jeito do patrão. Saberia alguma coisa sobre o molinismo, se certos livros o ajudassem. Mirmecólogo amador (e com um primo afastado criminólogo, nome recentemente admitido no seio dos dicionários), também se interessa pelas infra-animalidades, mas não quer nada com a formiga-bala. Nada sabe do criossismo dos EUA, e sobre o metrobus ainda não formou uma opinião. É um simples português.

 

[Texto 10 730]

Léxico: «arrozeira»

Abram os olhos

 

      Há séculos que arrozeira, nos dicionários, é apenas sinónimo de «arrozal». Convinha, porém, que abrissem os olhos: à minha frente tenho uma arrozeira de 700 W com tampa de vidro, temporizador e taça removível — para cozer arroz ou mantê-lo quente. No tempo de Moraes Silva não havia disto, pois... Marcas não digo, isto aqui não é A Pipoca mais Doce.

 

[Texto 10 729]

Léxico: «circuito integrado»

Falta o que lhe dá nome

 

      «O “elemento básico” do mundo da eletrónica chama-se circuito integrado e foi patenteado pela Texas Instruments no dia 6 de fevereiro de 1959. [...] Em setembro do mesmo ano [Jack Kilby, da Texas Instruments] provou a sua funcionalidade e, no início do ano seguinte, neste dia há 60 anos, patenteou o que descreveu como “um corpo de material semicondutor em que todos os componentes do circuito eletrónico estão completamente integrados”» («Circuito integrado: a invenção que revolucionou o mundo de forma “silenciosa e mágica”», Sara de Melo Rocha e Carolina Rico, TSF, 6.02.2019, 12h29).

      Vamos já para a conclusão: à definição de circuito integrado do dicionário da Porto Editora falta alguma coisa. Está assim: «circuito constituído por componentes electrónicos montados numa placa semicondutora de pequena dimensão». Onde está a integração?

 

[Texto 10 728]

Léxico: «peixinho(s)-da-horta»

Vão adivinhar?

 

      «O dono da casa trouxe-me um pratinho com peixinhos-da-horta para ir fazendo boca» (A Mulher da Minha Vida, Garcia Barreto. Cruz Quebrada: Oficina do Livro, 2008, p. 64). «Os peixinhos da horta que mandara fazer perderiam a graça, se continuassem à espera» (Betânia, Filomena Marona Beja. Lisboa: Cotovia, 2000, p. 94).

      Ó Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, então tu não te envergonhas, egoísta, de não ajudares os pobres falantes? Deixas desamparados estrangeiros, crianças, todos nós?

 

[Texto 10 727]

Como se escreve por aí

Língua em pânico

 

      «Quatro espécies exóticas e selvagens foram apreendidas durante o PET Festival, que decorreu no fim de semana na Feira Internacional de Lisboa (FIL), avança o Comando Metropolitano de Lisboa da PSP (Cometlis). [...] Na sequência desta operação de fiscalização, as autoridades apreenderam uma jiboia de Madagáscar, uma pitão de diamante e duas quati (semelhante ao guaxinim) de cauda anelada» («Cobras e quatis apreendidos na FIL de Lisboa», Rádio Renascença, 6.02.2019, 00h40). Tratando-se de répteis, o jornalista foi logo tomado pelo pânico irracional — e espalhou-se um bocadinho. Vamos ajudá-lo? Vamos: «Na sequência desta operação de fiscalização, as autoridades apreenderam uma jibóia-de-madagáscar (Acrantophis madagascariensis), uma pitão-de-diamante (Morelia spilota) e dois quatis-de-cauda-anelada (Nasua nasua), um animal semelhante ao guaxinim.» Coitado, também é verdade que não podia ir assim rapidamente verificar num dicionário, não é? Alguém o pode ajudar?

 

[Texto 10 726]

Léxico: «foca-leopardo»

Cientificamente incompleto

 

      «As focas-leopardo (Hydrurga leptonyx) habitam os mares em torno da Antártida, mas podem ser encontradas nas costas do sul da Austrália, Tasmânia, África do Sul, Nova Zelândia, Ilha Lord Howe, Terra do Fogo, Ilhas Cook e costa atlântica da América do Sul» («Procura-se dono de pen USB com fotos de férias, encontrada nos dejetos de uma foca», Carolina Rico, TSF, 5.02.2019, 15h58, itálicos meus).

      Até está no dicionário da Porto Editora (não está em todos, não), só que não regista o nome científico: «a maior das focas da Antárctida, com pelagem cinzenta e manchas escuras na garganta, que pode medir mais de 3 metros e pesar mais de 500 kg».

 

[Texto 10 725]

Léxico: «pólo norte magnético»

E há melhor sítio?

 

      «O local para onde apontam as bússolas é outro desde esta segunda-feira. O Modelo Magnético Mundial foi atualizado um ano antes do previsto devido à deslocação do polo norte magnético. A alteração estava prevista para meados de janeiro, mas foi adiada para agora devido ao shutdown nos EUA» («O polo norte magnético mudou de sítio», V Digital, 4.02.2019, 12h41, itálico meu).

      Nada de muito preocupante, acho eu, até porque há-de ir variando ao longo do tempo. Mais arreliador é não encontrar pólo norte magnético nos nossos dicionários.

 

[Texto 10 724]

Trabalhador/colaborador

A mais descarada das mentiras

 

      Começa hoje: os funcionários públicos com 55 ou mais anos podem pedir para suspender o trabalho e aceder à pré-reforma. «O montante inicial da prestação de pré-reforma é fixado por acordo entre empregador público e trabalhador, não podendo ser superior à remuneração base do trabalhador na data do acordo, nem inferior a 25 % da referida remuneração», lê-se no Decreto Regulamentar 2/2019, publicado ontem no Diário da República. Do princípio ao fim, é sempre o termo «trabalhador» que se usa, nove vezes, e estranho seria que não fosse assim. No privado, não tem de ser diferente, mas é pelo diapasão do eufemismo ou do politicamente correcto que afina o dicionário da Porto Editora na definição de pré-reforma: «situação de redução ou suspensão do trabalho de um colaborador, continuando este a receber uma remuneração mensal por parte da entidade empregadora, até que se reforme por limite de idade ou invalidez, retome as suas funções ou o contrato de trabalho acabe». Trabalho é trabalho, e não há como ou por que adoçar a realidade. Quem redigiu a definição foi, garanto, um trabalhador. Argumentar-se, como fazem as estruturas patronais, que a designação «colaborador» dá uma imagem mais aproximada da nova realidade nas empresas é uma mentira das mais descaradas.

 

[Texto 10 723]