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Linguagista

«Quanto mais eu/tu/ele/nós...»

Só para se calar de vez

 

      Nolite mittere margaritas ante porcos, aconselha o adágio latino, mas, já se sabe, nem sempre nem nunca. A minha construção, com a diferença do pronome, é exactamente a que encontramos no seguinte excerto da crónica do jesuíta Leonardo Nunes: «Perguntou-lhe quanta gente estava na fortaleza. Respondeu que dois mil homens. Perguntou mais quantos traria o governador. Respondeu que doze mil. Perguntou se pelejaria com ele. Respondeu que, se o governador tivera licença dado aos cercados, já o tiveram desbaratado, quanto mais ele que não vinha senão para começar nele a destruição e ir por dentro da terra acabá-la em Amadaba, onde estava el-rei» (Crónica de D. João de Castro, Leonardo Nunes. Lisboa: Publicações Alfa, 1989, p. 77). Confundir obstinadamente — ainda depois de eu tratar da questão várias vezes — esta construção com outra completamente diferente, que é quando mais não seja, isto é, quando por outra coisa não for, vai para lá de toda a miséria.

 

[Texto 10 739]

Tradução: «official»

Então mas não aprendem?...

 

      «Khashoggi foi “vítima de um homicídio brutal perpetrado por oficiais sauditas”» (Rádio Renascença, 7.02.2019, 17h16).

      Isto de porem a senhora da limpeza a traduzir não me parece nada boa ideia... Ah, não foi a senhora da limpeza? Ora, ora, então é muito mais grave. «UN rapporteur: Khashoggi murder ‘perpetrated’ by Saudi officials», lê-se na página da الجزيرة. Por amor de Deus, revejam esta questão com urgência.

 

[Texto 10 738]

Léxico: «micropénis/macropénis»

O tamanho conta

 

      «O tamanho conta mesmo? Sim, mas só se não estivermos a falar do que é considerado normal. Ou seja, a menos que tenha um micropénis [menos de 10,9 centímetros em ereção] ou um megapénis [mais de 19,5 centímetros em ereção], não há razões para alarme. “Há mais preocupação do lado dos homens do que mulheres”, garante o sexólogo Júlio Machado Vaz» («De uma vez por todas: o tamanho não importa (e sim, estamos a falar disso)», Ana Bela Ferreira, Diário de Notícias, 7.02.2019, 7h29).

      Na Infopédia, confinam estas questões no Dicionário de Termos Médicos. Ora, interessam aos dicionários gerais, porque interessam ao falante comum. A Infopédia regista micropénis e macropénis/megafalo. Quanto a medidas, uma das maiores preocupações de qualquer homem são, fecha-se em copas. O Houaiss (Lisboa, 2003) faz-se desentendido. Já o Sacconi só se preocupa com o muito pequeno, como se o muito grande não fosse problema. Quanto a megapénis, parece nome de creme de aumento peniano...

 

[Texto 10 737]

Léxico: «catenária»

Aéreos

 

      «A circulação dos comboios, na Linha de Cascais, foi retomada pelas 10h00 desta manhã, depois de ter estado condicionada, devido a uma ocorrência com uma catenária que tombou e ficou suspensa» («Circulação normal de comboios retomada na linha de Cascais», Rita Carvalho Pereira e Miguel Videira, TSF, 7.02.2019, 8h06).

       Definida como o dicionário da Porto Editora o faz — «cabo metálico condutor de electricidade suspenso nas vias-férreas electrificadas» —, quem não sabe do que se trata não fica a saber muito mais. Terá de se especificar que está suspenso por cima das vias-férreas. É aéreo. Já afirmar que é um cabo metálico condutor de electricidade é simplificar de mais, porque a catenária é uma instalação constituída por um ou mais fios de contacto e um ou mais condutores longitudinais que os suportam mecanicamente.

 

[Texto 10 736]

Léxico: «autografómano»

Meia bola e força

 

      «Hoje falamos de coleções. Há os autografómanos[,] que colecionam autógrafos; os bibliófilos, que têm estantes de livros a perder de vista; os filatelistas que colecionam selos; os que adoram os cromos da bola e exibem com orgulho aquelas cadernetas completas com os craques dos anos 70, 80 e 90. Depois, há os periglicofiliólogos, que colecionam pacotes de açúcar, ou os filumenistas, que colecionam caixas de fósforos» («Maior colecionador de vinil tem sete milhões de discos», André Rodrigues, Rádio Renascença, 7.02.2019).

      O Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora não regista autografómano, e faz mal, pois acolhe «autografomania»; como não acolhe «periglicofiliólogo», e faz bem, porque é invenção do jornalista, que andou ali a esbracejar em cima das sílabas. É periglicófilo, que aquele dicionário passou a acolher depois de eu, em Setembro de 2016, ter aqui escrito que não conhecia nenhum dicionário que a registasse. Diagnóstico para ambos os casos: falta grave de cuidado.

 

[Texto 10 735]