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Linguagista

Nova Zembla

Já agora, em russo

 

      Assim? «“As pessoas estão assustadas e têm medo de sair de casa. Os pais têm medo de deixar os filhos irem à escola ou ao jardim-de-infância”, afirmou à CNN, Alexander Minayev, administrador de Novaya Zemlya, um remoto arquipélago russo no oceano Ártico» («Pânico em ilha russa. Ursos polares esfomeados assustam população», Sandra Xavier, TSF, 11.02.2019, 14h55). Ou assim? «O arquipélago russo de Nova Zembla foi invadido por dezenas de ursos polares, obrigados a alterar as normais rotas de migração e trilho de caça devido às alterações climáticas e degelo dos glaciares» («Arquipélago russo invadido por ursos polares declara estado de emergência», Joana Gonçalves, Rádio Renascença, 22h40).

      Há sempre quem, com a mesma informação, faça melhor. Nova Zembla, pois claro, ou ainda escrevem em russo, com caracteres cirílicos, Нoвая Зeмля.

 

[Texto 10 770]

Léxico: «identitário»

Nenhum

 

      «Em 2017, [João Martins, 44 anos, condenado a dezassete anos de prisão pelo homicídio de Alcindo Monteiro] foi o tradutor para português da bíblia dos identitáriosGeração Identitária, do austríaco Markus Willinger, que assume a obra como “uma declaração de guerra”. Para o autor, “imigração em massa” e uma “propaganda seletiva e vilipendiante” contribuem para “a transformação da Europa numa não entidade”» («Quem é o novo líder nacionalista português: discreto, paciente e metódico», Valentina Marcelino, Diário de Notícias, 10.02.2019, 6h30).

      E este identitário, qual é o dicionário, aquém ou além-Atlântico, que o acolhe e o explica? Nenhum.

 

[Texto 10 769]

Léxico: «icoglã»

A resposta

 

      «Atenciosos em demasia, fazem-nos salamaleques e mandam-nos um daqueles formosos moços, um pajem icoglã, que nos apresenta um sorvete mortífero com um sorriso delicado...» (A Senhora, Catherine Clément. Tradução de Maria do Rosário Mendes. São Paulo: Editorial 34, 2001, p. 206).

      Um dia, não vamos conseguir saber o que significam certas palavras, não as vamos encontrar em nenhum dicionário. Nem Houaiss (Lisboa, 2003), nem Sacconi, nem nenhum daqueles que dizem que têm tudo (tretas). Nem José Pedro Machado topou com ele. Está no VOLP da Academia Brasileira de Letras, mas um vocabulário tem as suas limitações, não nos dá significados. E, por fim, para salvar a honra do convento, o Aulete: «pajem dos antigos sultões da Turquia, escolhido entre os jovens cristãos apresados».

 

[Texto 10 768]

Léxico: «interestádio»

Afinal, não é bem assim

 

      «Outras datações relativas basearam-se na sucessão de fases climáticas para a época glaciária (glaciares ou fases de glaciação, interglaciares ou interlúdios mais quentes e flutuações menores, conhecidas como estádios e interestádios), mas agora sabemos — graças à informação climática detalhada proveniente de colunas de gelo do Árctico e do Antárctico — que o clima da época glaciária foi muito mais complexo e variável do que se tinha pensado» (Arqueologia — Uma Breve Introdução, Paul Bahn. Tradução de Alexandra Abranches. Lisboa: Gradiva, 1997, p. 32).

      O mais estranho de tudo isto, desde o início, é não estarem os vocábulos no dicionário geral, mas encontrá-los nos textos de apoio da Infopédia. No caso, no texto «A Arte e os Ritos». (E não, não está noutros dicionários. Sacconi aproxima-se ao acolher, com o mesmo significado, interestadial.)

 

[Texto 10 767]

Léxico: «intimação»

Meio mais expedito

 

      «O Sindicato Democrático dos Enfermeiros (Sindepor) entregou esta segunda-feira a intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias da classe, contestando a requisição civil decretada pelo Governo, avançou à Lusa o advogado Garcia Pereira» («Enfermeiros. Intimação contra requisição civil do Governo já foi entregue no tribunal», Rádio Renascença, 11.02.2019, 17h02).

      É claro que não se trata da intimação que vem nos dicionários. Nuno de Noronha, no Sapo Lifestyle, explica: «A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias visa assegurar o exercício em tempo útil de um direito legislado. Para que esta seja decretada, o requerente tem que provar e alegar sumariamente que a mesma visa garantir o exercício desse direito no tempo justo, tendo que haver uma ponderação de interesses e valores, públicos e privados.

      A intimação está regulada nos artigos 109 a 111 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA). A intimação é um instrumento desenhado para garantir uma grande elasticidade do ponto de vista judicial.

      O juiz deverá dosear a sua aplicação em função da intensidade da urgência, devendo este pressuposto ser analisado no caso concreto. Pode ter efeitos mais rápidos do que uma providência cautelar» («Enfermeiros não avançam com providência cautelar. Optaram por uma intimação», 8.02.2019, 17h25).

 

[Texto 10 766]

Léxico: «ciclopedonável»

Um verdadeiro mistério

 

      «“O Jardim da Gulbenkian foi o inspirador do projeto da equipa que desenvolveu a nova Praça de Espanha. Está previsto, por um lado, uma ponte ciclo-pedonável, que vem pela Augusto Aguiar e que depois inflete ali junto ao Jardim da Gulbenkian, faz uma curva e vai sair a meio do futuro parque. Isso vai permitir que quem vem a pé ou quem vem de bicicleta comodamente, até porque aproveita o declive que existe, entre diretamente no novo parque”» («Mais bicicletas e menos carros. Como vai ser a nova Praça de Espanha?», TSF, 11.02.2019, 14h51).

      Para estes jornalistas, a ortografia é um verdadeiro mistério. Lá se avenham.

 

[Texto 10 765]

No Redondo

Já andámos por aqui

 

      «São só 20,5 quilómetros, mas é o início da construção da famosa Linha Évora–Elvas que vai completar o corredor Sines­–Badajoz, um eixo essencial para o transporte ferroviário de mercadorias entre Portugal e Espanha. Trata-se do troço Évora Norte–Freixo, cuja cerimónia de adjudicação da empreitada de construção — no valor de 46,6 milhões de euros — é presidida hoje, no Redondo, pelo primeiro-ministro, António Costa» («Alentejo vai ter 3000 trabalhadores na construção da linha Évora–Elvas», Carlos Cipriano, Público, 11.02.2019, p. 23).

      É como sempre ouvi, com o artigo definido, até porque também temos um nome comum «redondo». Decerto, decerto, estes nem sempre mantêm o artigo definido, mas são excepções. Argumentar-se que, de maneira mais formal, se diz «concelho de Redondo» não colhe inteiramente, tanto mais que por vezes são adventícios que procedem assim. O que interessa mesmo é como as pessoas, e em especial os moradores, se exprimem. Uma coisa é certa: se não for apenas como eu digo, também é como eu digo.

 

[Texto 10 764]

Exclamações, explosões, onomatopeias...

Explosões vocais

 

      «Oh! Ah! Uau! Hum. Ah, ah, ah! Grr! Ups! Ai! Hã? É impressionante como se diz tanta coisa e tão distinta apenas com sons não-verbais. Além das conhecidas interjeições, há ainda os sons impossíveis de imitar por escrito, como um versátil suspiro, por exemplo. Os investigadores costumam chamar a estas reacções sonoras algo como “exclamações não-verbais” ou, como é referido no artigo publicado na revista American Psychologist, “explosões vocais”. A investigação da Universidade da Califórnia em Berkeley (EUA) explorou esta universal forma de comunicar (ainda que com variações nas traduções nos vários países) e concluiu que estes sons representam 24 tipos de emoção, muito mais do que as 13 que se pensava até agora. Além disso, com o artigo apresentam um divertido mapa interactivo para refrescar a memória e descobrir as diferenças» («Há 24 emoções nas nossas “explosões vocais”», Andrea Cunha Freitas, Público, 11.02.2019, p. 30).

      Exclamações, explosões, onomatopeias, estamos muito mal servidos nos nossos dicionários. (O mapa interactivo está aqui. É só passar o rato por cima. Dava para compor uma banda sonora.)

 

[Texto 10 763]

Léxico: «antropogénico»

Dali para ali

 

      «Face à intensa intervenção pública assegurando que tudo, e o seu contrário, em matéria do clima, se deve ao CO2 antropogénico, impõe-se clarificar que este artigo não tem como objetivo debater a verosimilhança científica de tal correlação» («Veículos elétricos», Demétrio Alves, investigador da FCSH/UNL, Público, 11.02.2019, p. 9).

      Em certos dicionários, temos de saltar de verbete em verbete até estar em condições de saber o que significa antropogénico. Não podíamos melhorar isto? (Público, Sr. Professor, escreve-se CO2, com o algarismo subscrito, como têm obrigação de saber.)

 

[Texto 10 762]

Léxico: «despronunciar»

O suspeito do costume

 

      «Na leitura da nova decisão instrutória, a 15 de junho de 2018, a juíza do TIC de Cascais proferiu despacho de pronúncia sobre os 17 arguidos. Ou seja, decidiu levá-los todos a julgamento, praticamente nos mesmos termos da acusação do MP, acrescentando que Pereira Cristóvão era “o mandante e o arquiteto do crime”. Dois dos arguidos foram despronunciados (não serão julgados) pelo crime de roubo, mas vão responder pelos restantes» («Assaltos violentos a casas: Mustafá e Paulo Pereira Cristóvão voltam a tribunal», Maria Miguel Cabo, TSF, 11.02.2019, 11h14).

      Despronunciar, lê-se no dicionário da Porto Editora, é «declarar nula a pronúncia de (um réu)». Ah, sim? E os arguidos, onde ficam no meio disto tudo?

 

[Texto 10 761]

Léxico: «disritmia»

Vamos às doenças

 

      «Mais de metade dos portugueses têm pelo menos uma doença crónica, uma ocorrência mais frequente nas mulheres, nas pessoas com menos escolaridade e nos idosos, segundo dados do Inquérito Nacional de Saúde com Exame Físico (INSEF). De acordo com os dados do inquérito realizado pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA), divulgados a propósito do Dia Mundial do Doente, assinalado esta segunda-feira, 3,9 milhões de pessoas reportaram ter pelo menos uma doença crónica das citadas numa lista de 20 doenças. Hipertensão arterial, enfarte agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral, disritmia cardíaca, diabetes, insuficiência renal crónica, cirrose, hepatite crónica, asma, doença pulmonar obstrutiva crónica, dor crónica, osteoporose, artrite reumatoide, artrose, cancro, depressão, ansiedade crónica, úlcera gástrica ou duodenal, colesterol elevado e alergia são as 20 doenças citadas na lista» («Mais de metade dos portugueses têm pelo menos uma doença crónica», TSF, 11.02.2019, 9h43).

      Falemos então das minhas doenças. Não. Vamos antes continuar a falar das doenças dos dicionários. Disritmia, ensina o dicionário da Porto Editora, é a «alteração do ritmo normal, por exemplo, do ritmo cardíaco, cerebral, etc.». Aposto que conseguem ser menos redundantes.

 

[Texto 10 760]

Léxico: «termoluminescência»

Nada mudou

 

      «Agora, no entanto, podemos obter uma discriminação detalhada dos seus materiais constituintes básicos, o que nos permite detectar a sua origem, saber a que temperatura foi cozido e com que materiais a argila foi misturada; o próprio vaso pode ser datado através da técnica da termoluminescência, podendo ainda utilizar-se outros métodos para analisar os mais ténues vestígios na sua superfície interior e ficar-se assim a saber o que continha!» (Arqueologia — Uma Breve Introdução, Paul Bahn. Tradução de Alexandra Abranches. Lisboa: Gradiva, 1997, pp. 25-26).

      Ora, já em Junho de 2017 eu aqui tinha trazido o vocábulo termoluminescência para chamar a atenção para a sua ausência dos nossos dicionários. Tudo continua na mesma. No VOLP da Academia Brasileira de Letras: ✓.

 

[Texto 10 759]

 

Léxico: «colherim»

E os arqueólogos?

 

      «A arqueologia tem desenvolvido duas tendências principais ao longo do tempo: primeiro, a escavação tornou-se um processo bastante mais lento e árduo. Em vez de abordar as camadas arqueológicas com picaretas (ou até com explosivos!), como no passado, cada camada passa a ser cuidadosamente removida com uma pá, um colherim ou um pincel, e toda a terra é peneirada, de forma que não se perca nenhum fragmento de informação» (Arqueologia — Uma Breve Introdução, Paul Bahn. Tradução de Alexandra Abranches. Lisboa: Gradiva, 1997, p. 25).

      O colherim é, de facto, uma das ferramentas usadas em arqueologia, informação que escapa aos lexicógrafos. A título de exemplo e por todos, eis o que se lê no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora: «colher pequena usada pelos estucadores e pintores». Se fosse uma lista aberta, eu estaria caladinho, mas, tal como está, tem de ser corrigido.

 

[Texto 10 758]