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Linguagista

Léxico: «dolarizar»

Polarizar, solarizar? Não!

 

      Nayib Bukele (n. 1981), presidente eleito de El Salvador, vai iniciar o seu mandato de cinco anos no próximo mês de Junho. O ex-presidente do município de San Salvador promete «acabar com a violência gerada pelos gangues e fazer a economia dolarizada crescer». Aprende, dicionário da Porto Editora.

 

[Texto 10 837]

Léxico: «complemento oblíquo»

Linguística, agora

 

      Também a definição de complemento oblíquo, no dicionário da Porto Editora, precisa de ser revista, isto se pretende mesmo ser útil. Diz-se que é a «função sintática desempenhada pelo constituinte que completa o sentido de um verbo e que pode ser um grupo preposicional não substituível pelo pronome pessoal “lhe/lhes”, um grupo adverbial ou a coordenação destes dois grupos». Mais rigorosamente: o complemento oblíquo é o constituinte que faz parte do predicado e que é seleccionado, tal como os complementos directo e indirecto, pelo verbo. Sem ele, geralmente a frase não faz sentido. Não pode ser substituído pelos pronomes pessoais o, a, os, as, como o directo, nem pelos pronomes lhe, lhes, como o indirecto. E até se pode dizer mais, se quisermos.

 

[Texto 10 836]

Léxico: «viruta»

Palavra do dia

 

      A palavra do dia, hoje, na Infopédia, é viruta, que poucos dicionários registam. Mas já José Pedro Machado e a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira a acolhem. Tirando uma abonação para a acepção ligada à indústria corticeira, o que se lê naquela enciclopédia é o que podemos encontrar no dicionário da Porto Editora, com uma diferença, e que é um erro que se repete neste dicionário: a segunda acepção («figurado apara de madeira, metal ou outro material»), na verdade, não é nem podia ser um sentido figurado, mas uma extensão de sentido. Ora pensem.

 

[Texto 10 835]

Léxico: «bahá’í»

Não é bem assim

 

      «Lançada pelos Bahá’ís em 1950, o Dia Mundial da Religião, colocado significativamente no singular e não no plural, mostra-nos uma das dimensões essenciais dessa religião tão humanista e tão empenhada nas questões da dignidade e dos Direitos Humanos» («As religiões e o Estado, ou para um questionamento dos fundamentalismos», Paulo Mendes Pinto, coordenador da área de Ciência das Religiões da Universidade Lusófona, Visão, 21.01.2019, 8h12).

      Já um dia tinha tentado encontrar bahá’í no dicionário da Porto Editora, mas decerto estaria com pouco tempo e desisti ao fim de segundos, já vamos ver porquê. Talvez tenha, mas creio que não, consultado o verbete com o nome desta religião. Se o tivesse feito, teria encontrado a pista: bahaísmo, baaísmo, «religião monoteísta derivada do babismo, fundada em 1863 por Mirza Husayn (1817-1892), que afirma a existência de uma unidade essencial entre todos os seres humanos e todas as religiões». Pista essencial, pois só daqui chegaria ao verbete bahaísta, baaísta. Nunca, e conheço largas dezenas de pessoas que professam esta religião, ouvi nenhuma dizer que era «bahaísta» ou «baaísta». São bahá’ís. Claro, a grafia não é portuguesa, como também sucede com muitos outros termos que usamos e dicionarizamos — mas parece-me vislumbrar uma maneira de, respeitando a nossa língua, não nos afastarmos assim tanto da realidade. A outra questão que merece revisão é a forma como se define a religião. Ao mencionar-se apenas o nome do fundador, Mirza Husayn, fica na sombra a relação com o nome da religião. Ora, Mirza Husayn Ali Nuri tomou para si, em 1848, o nome de Bahá’u’lláh (a glória de Deus).

      O resto é mais ou menos conhecido: com a Revolução Islâmica, em 1977, os bahá’ís tiveram de fugir à perseguição de que eram alvo, e muitos vieram para Portugal, que não exigia vistos aos Iranianos.

 

[Texto 10 834]

Léxico: «progeria»

Façam lá isso com cuidado

 

      «Sammy Basso nasceu com progeria, doença sem cura do envelhecimento precoce. Médicos diziam que tinha 13 anos de vida, mas já tem 23. Agora, publicou estudo “revolucionário” que pode levar à sua cura. [...] No tempo de vida que já leva para lá do prognóstico médico — que já ultrapassou quase no dobro —, fez uma viagem ao longo da Route 66, a estrada que atravessa os EUA de costa a costa, resultando daí uma série para a National Geographic e o livro Il viaggio di Sammy; e terminou o curso de biologia na Universidade de Pádova» («Doença rara não lhe dava mais de 13 anos, mas Sammy já tem 23, um livro e um curso — e agora investiga a cura», Observador, 19.02.2019, 16h26).

      Universidade de Pádova. Claro, o nosso bom povo até reza assim: «Sant’Antonio, glorioso servo di Dio, famoso per i tuoi meriti e i potenti miracoli, aiutaci a ritrovare le cose perdute.» Aqui, a coisa perdida é a básica cultura geral. Progeria está no dicionário da Porto Editora, mas é demasiado sucinto: «doença rara em que os sinais de senilidade aparecem antes da puberdade». Não tem de ser nem pode ser uma tese, mas há meio-termo; experimentem dar uma olhadela na definição do Sacconi. Uma coisa, a meu ver, não pode omitir-se: que a progeria também tem a designação de síndrome de Hutchinson-Gilford. Uma observação final: não hei-de estar muito enganado se afirmar que a maioria das vezes se dirá e escreverá progéria — a ortografia do Brasil, que o dicionário da Porto Editora também acolhe.

 

[Texto 10 833]

Léxico: «emoji»

Já foi

 

      «Trocar palavras pelas famosas caras amarelas não é algo novo. Os emojis já são protagonistas de SMS, das redes sociais, da publicidade e até de um filme. E, agora, estão prestes a chegar às estradas australianas. [...] Segundo a plataforma Emojipedia, mais de 700 milhões de emojis são utilizados todos os dias em publicações no Facebook. Existem mais de 2.800 ícones e até foi criado, informalmente, o Dia Mundial do Emoji, a 17 de julho» («Matrículas com emojis? Vai ser possível na Austrália», Rádio Renascença, 20.02.2019, 8h16, itálicos meus).

      Nem era preciso este exemplo da Terra dos Cangurus para afirmar que a definição de emoji no dicionário da Porto Editora está ultrapassada: «pictograma usado em comunicações electrónicas informais, geralmente constituído por uma pequena imagem ou ícone digital, com o objectivo de expressar ideias ou emoções». Não é assim há muito, estão por todo o lado. Ainda na semana passada vi com estes que a terra há-de comer ou o fogo cremar (mas há alternativas) que um professor de Matemática desenhou um emoji ao lado da nota do teste. Comunicações... electrónicas... informais... Já foi.

 

[Texto 10 832]

Léxico: «sabre»

Muito pobrezinho

 

      «A Federação Francesa de Esgrima anunciou que vai passar a reconhecer as lutas com “sabres de luz” — a icónica arma da saga “Start Wars”, de George Lucas — como um desporto de competição. [...] Assim, para além das tradicionais categorias de esgrima — sabre, florete e espada — a federação que regula a modalidade em França vai reconhecer uma quarta categoria: a luta com espadas inspiradas no universo de Star Wars. O reconhecimento vai ao ponto de a federação estar a oferecer um espaço para as primeiras competições» («França reconhece luta de “sabres de luz” como desporto oficial», Rui Barros, Inês Braga Sampaio, Rádio Renascença, 19.02.2019, 15h31).

      Em francês, diz-se sabre laser. Ainda bem, então, que entre nós se popularizou o sabre de luz. O director técnico da Federação Portuguesa de Esgrima, Miguel Machado, já veio dizer que não lhe parece que a nova categoria possa vir a ser praticada em Portugal, pelo menos para já. Se reflectisse bem na justificação da Federação Francesa de Esgrima, talvez mudasse de opinião. (Rui Barros, Inês Braga Sampaio, porquê Star Wars — assim, sem a gralha —, se entre nós o filme tem o título A Guerra das Estrelas?) Quanto aos dicionários, e apenas no que respeita a sabre, para começar? Para o dicionário da Porto Editora, é «espada curta de um só fio». Tendo em conta que na esgrima desportiva há três armas — florete, espada e sabre —, é assaz infeliz esta definição. No Grande Guégués da Língua Portuguesa, até o peso e o comprimento de cada uma das armas indicaria, o que não requer muito espaço. Quanto à atitude da Federação Portuguesa de Esgrima, deviam não apenas fazer aquela reflexão, como lembrarem-se de que o pai do olimpismo moderno chegou a propor que houvesse outra disciplina na esgrima: sabre disputado a cavalo. Nada é imutável.

 

[Texto 10 831]

Léxico: «roque-de-castro»

Não nidifica aqui

 

      «Pela primeira vez desde que há registos, nasceu um roque-de-castro na ilha da Berlenga. Trata-se de uma das mais pequenas aves marinhas portuguesas e uma espécie ameaçada. [...] Até agora, os únicos locais onde se conhecia a existência de ninhos de roque-de-castro eram os Açores, a Madeira e os Farilhões, pequenos ilhéus das Berlengas. [...] O roque-de-castro é uma ave escura com uma faixa branca no dorso. Passa a maior parte da vida no mar e poucas pessoas poderão afirmar já ter visto algum. É que, mesmo quando vêm a terra, para se reproduzir, estas aves continuam a ser esquivas» («Berlengas têm novo habitante. É a primeira cria de uma ave ameaçada», Marta Grosso com SPEA, Rádio Renascença, 19.02.2019, 11h45).

      Esquivo, o roque-de-castro (Hydrobates castro), até para os dicionários, onde não nidifica.

 

[Texto 10 830]

Léxico: «subdiagnosticar»

A seu tempo

 

      «Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) confirmam: a deficiência de ferro é um problema de saúde pública generalizado (afecta cerca de um terço da população mundial e um em cada três portugueses). Ainda assim, mantém-se pouco reconhecido, subdiagnosticado e subtratado, apesar de ser um dos principais responsáveis pela anemia, doença que afecta um em cada cinco portugueses adultos (estudo EMPIRE)» («Dia da Anemia assinala-se hoje com o lançamento de uma aplicação para telemóvel», Diário de Notícias da Madeira, 26.11.2017, 6h15).

      Pelo menos subdiagnosticar anda por aí há muito, já tem direito a uma entrada nos dicionários.

 

[Texto 10 829]

Endónimos e exónimos

Para reflexão

 

      É útil conhecer os endónimos, mas devemos usar a nossa ortografia e preferir os aportuguesamentos já consagrados, evitando, ao mesmo tempo, exónimos alheios. Assim, por exemplo, há um livro do inglês Geoff Dyer, com tradução de Maria João Freire de Andrade, que na edição portuguesa (Porto: Civilização, 2009) tem o título Jeff em Veneza, Morte em Varanasi. Será Vārānasī para qualquer indiano; para nós, é Benarés (ou Benares). A normalização dos nomes geográficos pode ser muito útil para as Nações Unidas, um governo, uma embaixada, uma publicação internacional — mas não, de certeza absoluta, para um romance traduzido para português.

 

[Texto 10 828]