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Linguagista

Léxico: «videoconferência»

Além da tecnologia

 

      Videoconferência, lê-se no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, é a «tecnologia de comunicação que, por intermédio do videotelefone, permite que as pessoas em reunião se vejam e se ouçam, embora estando em locais diferentes». Aqui, a meu ver, interessa tanto o meio como o facto em si: logo, videoconferência também é essa comunicação em si mesma. Assim, ou lhe dão uma nova redacção ou acrescentam uma segunda acepção. Tal como a vemos, a definição está incompleta, quando não errada.

 

[Texto 10 932]

Léxico: «cancela»

Não são deste mundo

 

      «O bandido ainda disparou outra vez, mas a bala perdeu-se na chapa da traseira retorcida do BMW e Paul rebentou a cancela do parque e subiu a rampa» (A Tentação do Dinheiro, Miguel Ávila. Barcarena: Editorial Presença, 2004, p. 50).

      Qual é o dicionário que diz que cancela é apenas (para as acepções que interessam no contexto) o «resguardo metálico de passagem de nível do caminho-de-ferro»? Não são deste mundo, então.

 

[Texto 10 931]

Léxico: «info-entretenimento»

Não é a solução

 

      Por falar noutra coisa: então qual é a proposta dos nossos lexicógrafos quanto à tradução/aportuguesamento da amálgama infotainment, podemos saber? «A instrumentação assenta no já conhecido Audi virtual cockpit, embora evoluído e com uma função de realidade aumentada para o head-up display de grandes dimensões. Na consola central, um ecrã de 12,3 polegadas permite acesso a diferentes funcionalidades de conectividade e acesso ao sistema de infoentretenimento» («Genebra/19: Audi Q4 e-tron Concept reforça aposta na eletrificação e... nos SUV», Pedro Junceiro, Motor 24, 5.03.2019, itálicos meus).

      É verdade, tem de ter hífen, à semelhança de info-alfabetização ou info-exclusão, por exemplo. Deixem-me dizer-lhes que a estratégia de ignorar o problema está longe de ser genial.

 

[Texto 10 930]

Léxico: «monofamiliar»

Usa-se e recomenda-se

 

      «Os médicos e os advogados judeus, e os comerciantes bem-sucedidos, donos de grandes armazéns no centro da cidade, viviam em casas monofamiliares em ruas que desembocavam da vertente oriental da colina da Chancellor Avenue, mais perto do relvado e arborizado Weequahic Park, mais cento e vinte hectares paisagísticos cujo lago para botes, campos de golfe e pista de corrida de cavalos separavam a zona de Weequahic das instalações industriais e dos terminais de embarque que ladeavam a Route 27 e o viaduto da Pennsylvania Railroad a leste daquela, e o aeroporto em expansão a leste daquele, e o próprio limite da América a leste daquele — os armazéns e as docas de Newark Bay, onde descarregavam carga vinda de todo o mundo» (A Conspiração contra a América, Philip Roth. Tradução de Fernanda Pinto Rodrigues. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2005, p. 13).

      Tudo para dizer que o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora apenas regista o vocábulo «unifamiliar», mais próximo, de facto, do original, «one-family houses». Contudo, monofamiliar está correcto, usa-se e recomenda-se.

 

[Texto 10 929]

Tradução: «salt marsh»

Marinha? Salina? Hum...

 

      «A nossa rua, Summit Avenue, ficava, a nordeste da cidade, no cimo da colina local, uma elevação tão alta como qualquer outra de uma cidade portuária, que raramente sobe trinta metros acima do nível da marinha da maré, e a baía funda para leste do aeroporto que curva à volta dos tanques de petróleo da península de Bayonne, onde se junta à baá de Nova Iorque para passar pela Estátua da Liberdade e lançar-se no Atlântico» (A Conspiração contra a América, Philip Roth. Tradução de Fernanda Pinto Rodrigues. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2005, p. 12).

      A pergunta é: o que significa «marinha da maré»? Alguém sabe? No original, está «above the level of the tidal salt marsh». Se se traduzir salt marsh por «marisma», que é o terreno alagadiço à beira-mar, que tem, portanto, marés, seria então «acima do nível da maré da marisma». Como o traduziram os nossos amigos Espanhóis? Assim: «treinta metros por encima de las salinas» (tradução de Jordi Fibla Feito). Em qualquer caso, se o tradutor não estranhou, o revisor tinha de estranhar.

 

[Texto 10 928]

«Renúncia quaresmal»

Não é esmola, é boa vontade

 

      «O arcebispo de Évora divulgou hoje que a renúncia quaresmal dos cristãos da arquidiocese vai destinar-se, em 2019, à Venezuela, país que vive atualmente uma crise humanitária» («Évora. Arcebispo destina renúncia quaresmal a “irmãos e irmãs da Venezuela”», Rosário Silva, Rádio Renascença, 1.03.2019, 12h05).

      Algum dicionário quer ser caritativo e registar a locução renúncia quaresmal? Um texto no blogue Povo, assinado por Fr. Filipe Rodrigues, op., explica o conceito: «O que é a renúncia quaresmal? É o dinheiro que cada católico junta durante a quaresma, dinheiro que é fruto das renúncias que foi fazendo, em espírito de oração e de conversão. Não se trata tanto de uma esmola; normalmente as esmolas são o que podemos dar do que temos. Este dinheiro tem uma origem diferente: é o resultado do jejum que fiz, do que iria gastar em coisas supérfluas e que podem ser melhor canalizadas» (6.03.2014).

 

[Texto 10 927]

«Quanto mais», de novo

Não que ele mereça

 

    Vamos lá ajudar de novo o tal leitor com dificuldades de aprendizagem (não que ele mereça, mas enfim): «“Eu também posso dizer que um juiz que trai o Código Civil e usa o preconceito da Bíblia e até leis de 1886 não tem qualquer probidade moral nem para ser juiz, quanto mais para dar lições de moral seja a quem for”, disse Bruno Nogueira» («Bruno Nogueira responde a Neto de Moura: “Não irei levar um pau com pregos para o agredir mesmo sabendo que me podia valer a absolvição”», Inês Ameixa, Observador, 4.03.2019, 9h47).

 

[Texto 10 926]

Léxico: «acrilamida»

Para parecer mais complexo

 

      «Depois da entrada em vigor, em abril de 2018, do regulamento da Comissão Europeia sobre boas práticas no setor da alimentação, a associação Defesa do Consumidor (DECO) decidiu testar com congéneres de nove países — França, Alemanha, Holanda, Noruega, Bélgica, Eslovénia, Dinamarca, Itália e Espanha — mais de 500 produtos disponíveis no mercado. O objetivo? Avaliar o teor de acrilamida em alimentos que fazem parte do consumo diário dos consumidores. A acrilamida é um químico que se forma em certos tipos de alimentos durante a sua preparação a temperaturas elevadas. [...] Em 2002, investigadores suecos descobriram que se formava acrilamida em alguns alimentos ricos em amido e asparagina (um aminoácido), com baixa humidade, quando submetidos a altas temperaturas» («Encontradas doses perigosas de acrilamida em alimentos à venda em Portugal», Nuno de Noronha, Sapo Lifestyle, 4.03.2019, 13h23).

      Asparagina ainda o dicionário da Porto Editora tem, mas não acrilamida. Bem, consultemos o dicionário da Junta da Galiza: «QUÍM Amida do ácido acrílico que se emprega na obtención de polímeros». Aliás, a definição de asparagina não tem nada de recomendável, como se pode ver: «substância obtida do aspárago e que tem acção diurética». Ora, adeus! Digamos que é o preço por consultar o dicionário. Se o termo mais vulgar é «espargo», para quê «aspárago»? Se é para mostrar a ligação (que não tem necessariamente de se explicitar) entre os vocábulos, façam assim ou algo semelhante: «substância obtida do espargo (ou aspárago, daí o nome) e que tem acção diurética». Afinal, não é obrigatório castigar o falante e obrigá-lo a consultar dois verbetes, ou é? Sejam práticos e claros.

 

[Texto 10 925]