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Linguagista

Os contabilistas e a tradução

Eles lá sabem

 

      «Depending on whether or not *** is counted is with them.» Isto é canja, terá pensado a tradutora: «Dependendo se a *** é ou não contabilizada.» O dinheiro assenhoreou-se do mundo, e cá estão os contabilistas a tratar até das traduções. É assim.

 

[Texto 10 952]

Tradução: «yogini»

À Women’s Health

 

      «Não demorou muito até que a yogini se qualificasse enquanto professora de yoga. Foi no Dubai que começou a lecionar e é lá também onde dá a maior parte das suas aulas até hoje. Mas, pela partilha deste seu estilo de vida, passou a receber cada vez mais e-mails que a questionavam sobre posições e dicas de treino. Dos pedidos resultou o e-book que sustenta o site da yogini» («Inspire-se nesta yogini. Da evolução pessoal às posições mais sensuais», Women’s Health, 7.03.2019).

      Lá porque a publicação se chama Women’s Health não quer dizer que tenham de escrever como se estivessem na City londrina. Há revisores nestas publicações? É melhor que digam que não. No estatuto editorial, por exemplo, falam no «objetivo» da publicação, nos elementos da «direção», mas depois é assinado pela «direcção». Em português, quer gostem quer não gostem, diz-se iogue: o iogue, a iogue. Se quiserem parecer mais exóticos, outra escolha possível é ioguim: o ioguim, a ioguim. Respeitem o leitor, respeitem a língua.

 

[Texto 10 951]

Ortografia: «preestabelecido»

Como se fosse novidade

 

      Há quem saiba: «Uma das consequências da liberalização dos costumes que ocorreu nos anos sessenta foi desaparecerem os modelos preestabelecidos para as relações humanas» (Tudo Tem o Seu Tempo, Ana Maria Magalhães. Alfragide: Editorial Caminho, 2012, p. 266). E há quem não saiba (quase sempre os mesmos): «Os sociais-democratas defendem que o protecionismo está a prejudicar o setor e dizem que os operadores beneficiariam de um regime aberto, sem limites territoriais e preços pré-estabelecidos, onde a lógica de mercado funcionasse» («PSD quer acabar com contingentes e uniformização no setor do táxi», Destak, 12.03.2019, p. 4).

 

[Texto 10 950]

Ortografia: «minifrigorífico»

Como sempre

 

      Há quem saiba: «Em frente da cama, na parede, havia um grande LCD e, ao lado de uma escrivaninha com tampo de correr e de um minifrigorífico, uma mesa de jantar com quatro cadeiras» (Sozinhos na Ilha, Tracey Garvis Graves. Tradução de Mário Dias Correia. Alfragide: Edições Asa II, 2013, p. 33). E há quem não saiba: «Além dos aparelhos de refrigeração com função de venda direta, os novos rótulos vão aplicar-se a cinco grupos de produtos domésticos, cada um com a sua versão. É o caso das máquinas de lavar loiça; máquinas de lavar roupa e máquinas de lavar e secar roupa; frigoríficos, incluindo os mini-frigoríficos para vinho; lâmpadas; e ecrãs eletrónicos, incluindo televisores» («Nova rotulagem daqui a dois anos», João Moniz, Destak, 12.03.2019, p. 4).

 

[Texto 10 949]

«Espoletar/despoletar»

Um caso sintomático

 

      Muito curioso «O Público errou» desta segunda-feira: «Ontem, na crónica de Vicente Jorge Silva, a palavra “despoletar” (no seu sentido correcto, de tirar a espoleta) foi erradamente substituída por “desencadear”. Pelo lapso, pedimos desculpa ao autor e aos leitores» (p. 4).

      O que temos aqui? Talvez um sinal de vida — dos escassíssimos que temos tido nos últimos anos — dos revisores do Público. Também não é de descartar que o fautor de semelhante troca criminosa levasse uma rabecada das grandes. Esmiucemos o caso. Primeiro, sublinhe-se, pouca gente se entende com o espoletar/despoletar, que, pessoalmente, me parece uma grande treta. Compreende-se, contudo, que haja pessoas mais agarradas a estes termos do que outras, pelo seu passado ou por qualquer outra razão. Quando não estão a ser usados no seu sentido próprio, sugiro sempre que se substituam por termos inequívocos, e entre eles está o verbo «desencadear». Sendo assim, temos de citar o trecho da crónica em que houve esta substituição lexical. «Não basta confiar, por isso, num Presidente capaz de desencadear essas ameaças encarnando um populismo “bom” ou num primeiro-ministro que conquista a guerra das audiências cozinhando uma cataplana no programa da Cristina» («Da violência doméstica à vertigem bancária», Público, 10.03.2019, p. 32).

      A meu ver, salvo num pormenor — decisivo no episódio —, que é a autorização/conhecimento do autor do texto, a substituição é legítima. Mais: o texto de Vicente Jorge Silva carecia de uma poda muito maior, pois tem erros. Ainda tem erros, e não apenas gramaticais. A preocupação, mesmo indignação, que se adivinha nas entrelinhas devia ir mais para estes erros do que para a não autorizada, ainda que justificável, substituição. Pensem nisto.

 

[Texto 10 948]

«Tibórnia/tiborna»

Nada de gloríolas

 

      Numa emissão da semana passada do Portugal em Directo, na Antena 1, falaram num levantamento do léxico específico de Sines que a Universidade de Évora está a fazer naquele concelho. Pela amostra, porém, não me parece que tenha muito de específico. Uma das palavras mencionadas foi «tibórnia». Nada de gloríolas: a palavra é usada praticamente em todo o País. «As tibórnias — pão torrado e molhado no primeiro azeite que os proprietários mandam fazer nos lagares de maquia» (Freixo de Espada à Cinta: monografia, Joaquim Augusto Ramos Taborda. Lisboa: SNI, 1948, p. 79). Existem ambas e são variantes: tiborna e tibórnia.

 

 

[Texto 10 947]