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Linguagista

Léxico: «ponta-de-lança»

Para lá do futebol

 

      Bastam dois exemplos (e memória) para ver como o termo ponta-de-lança não é usado apenas no sentido futebolístico, e isto tanto em Portugal como no Brasil, o que os nossos dicionários ainda não descobriram: «De acordo com a descrição que é feita por um socialista português em Bruxelas, “Assis é o ponta-de-lança” do PS nessas matérias e o caso ter-se-á dado como o culminar de “um conjunto de situações entre o eurodeputado e o grupo do S&D que se têm acumulado nos últimos tempos”, sem especificar quais são essas situações» («“Encostado” pelo PS, Francisco Assis demite-se de cargo europeu por ter sido impedido de falar», Miguel A. Lopes / Lusa, ZAP, 13.03.2019, 12h23). «NU, com edição da Omnichord Records (ponta-de-lança da fértil cena musical de Leiria) agendada para 1 de Março, é uma peça audiovisual em que First Breath After Coma e o Casota Collective, que integra todos os membros da banda, se confundem» («Exclusivo. Ouça e veja NU dos First Breath After Coma», Público, 22.02.2019, 00h02).

 

[Texto 10 983]

Léxico: «manso e manso»

Salvem-na

 

      «Portugal concebeu esperanças, e D. Miguel sentiu vacilar-lhe o trono, — e o ministério Polignac, que para conseguir seus fins e se sustentar carecia de operar lentamente e ir manso e manso em sua difícil tarefa, viu-se obrigado a arriscar tudo de uma vez; — a liga oligárquica não teve mais remédio senão oferecer batalha campal a seus inimigos» (Obras de Almeida Garrett, vol. 1, Almeida Garrett. Porto: Lello & Irmão, 1966, p. 914).

      Mais uma bonita expressão que os lexicógrafos (ୠ ✴⚮☇☇‼) deixaram esquecer — manso e manso: a pouco e pouco, sucessivamente, progressivamente.

 

[Texto 10 982]

Léxico: «selvatiqueza»

Mas é necessário

 

      «Entre nós e a colina fronteira a vegetação tem as pompas luxuriantes dos trópicos, sem a sua selvatiqueza, é claro, mas abraçando, emoldurando, beijando os palacetes alegres, as casas de campo branqueadas pela cal, os eremitérios elegantemente situados de Vila Fonche e Parada» (O Minho Pitoresco, vol. 1, José Augusto Vieira. Lisboa: Livraria de António Maria Pereira, 1886, p. 312, com actualização ortográfica minha).

      Selvatiqueza é mais um vocábulo que está a desaparecer de todos os nossos dicionários. E, contudo, encontramo-lo por aí na literatura. Camilo, por exemplo, também o usa, e Camilo vem sendo continuamente reeditado. Enfim, opções, esquecimentos.

 

[Texto 10 981]

Léxico: «baleia-anã»

Na costa algarvia

 

      «Também no sábado, foi avistado ainda outro gigante dos mares na mesma costa, embora num local diferente. Uma baleia-anã foi observada ao largo do farol de Alfanzina, junto a Carvoeiro, no concelho de Lagoa. [...] O biólogo Élio Vicente esclareceu que também é normal as baleias-anãs passarem junto à costa algarvia, mas sublinhou que “não é fácil conseguir vê-las”» («Segundo maior tubarão do mundo avistado junto à costa do Algarve», Sol, 17.03.2019).

      No dicionário da Porto Editora é que não se avista nenhuma baleia-anã (Balaenoptera acutorostrata): passa, apressado, directamente da azul para a bicuda.

 

[Texto 10 980]

Léxico: «coprofilia»

Ainda tem pior

 

      «O argentino, de 79 anos, não se conteve nas palavras e afirmou que algumas pessoas do mundo do jornalismo sofrem de coprofilia, uma atração sexual por fezes, e que os leitores tendem para a coprofagia, o consumo de excrementos» («Papa compara difusão de notícias falsas a pessoas atraídas por fezes», Diário de Notícias, 8.12.2016, 00h03).

      A coprofilia é uma coisa tão porca, tão porca, que nem está no dicionário da Porto Editora. Ah, mas vejo que acolhe, orgulhosamente, uma coisa ainda pior — coprofagia... Vá, tarado, toma lá outra -filia: clismafilia.

 

[Texto 10 979]

Léxico: «ultraligeiro»

Não é o que se vê

 

      Por um cabelinho, passava-me ao lado: «Uma equipa de dois peritos do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves chegou hoje de manhã ao local do acidente com um ultraligeiro que fez dois mortos, no sábado, em Bragança. [...] O avião é de fabrico checo e com matrícula de 2007» («Peritos no local para investigar acidente aéreo com dois mortos em Bragança», Rádio Renascença, 17.03.2019, 9h51).

      A Porto Editora acha que ultraleve chega e sobra — mas não é assim, como se vê.

 

[Texto 10 978]

Léxico: «pimpão-encarnado»

Lá bonito é

 

      Na semana passada, havia no mercado pimpão-encarnado, que eu não encontrava há muito. A última vez terá sido num tanque... Este foi capturado no rio Guadiana. Será mesmo bom? Hum... O dicionário da Porto Editora apenas regista o pimpão (o mesmo que pimpão-comum, Carassius carassius), não este pimpão-encarnado (Carassius auratus).

 

[Texto 10 977]

«Quanto mais», de novo

Muito menos; quanto mais

 

      Embora tenha aqui outro caso grave — uma tradutora que escreve «seção» —, vamos de novo ajudar o tal leitor com dificuldades de aprendizagem: «O primeiro-ministro da Austrália, Scott Morrison, contou: “Os comentários do Senador Fraser Anning, que culpam os ataques assassinos de um violento, fascista e extremista terrorista na Nova Zelândia, são nojentos. Essas visões não têm lugar na Austrália, quanto mais no parlamento australiano.”» («O ovo, os socos e a polémica: Senador australiano debaixo de fogo depois de culpar imigrantes muçulmanos dos tiroteios de Christchurch», Diogo Lopes, Observador, 16.03.2019, 18h12). Vá agora em inglês, não seja dos tais: «The remarks by Senator Fraser Anning blaming the murderous attacks by a violent, rightwing, extremist terrorist in New Zealand on immigration are disgusting. Those views have no place in Australia, let alone the Australian parliament.» Nos casos em que for quando mais, eu aviso. É mais prudente.

 

[Texto 10 976]