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Linguagista

Léxico: «barragem»

E, contudo, usa-se

 

      «Perante alguém como [a romancista irlandesa] Sally Rooney, os homens fortes da ciberdireita ficariam em apuros, pois o modo como ela debate é, na realidade, um ardil, concebido de forma a submergir o adversário sob uma impiedosa barragem de estatísticas, de generalizações, de interrupções, de sofismas, de analogias sarcásticas e de belas frases destinadas a serem infinitamente repetidas no YouTube» («Que o melhor seja conflituoso», Dorian Linksey. Tradução de Jorge Pires, Courrier Internacional, Abril de 2019, p. 43).

      Sim, tal como na língua inglesa, também usamos barragem neste sentido figurado, mas não o vejo nos nossos dicionários.

 

[Texto 11 050]

Léxico: «morder a língua»

É o que deviam fazer

 

      «Aqueles que difundem informações falsas e alimentam medos contra os profissionais de saúde deveriam morder a língua» («O sarampo ataca», Kay Rivera. Tradução de Ana Marques, Courrier Internacional, Abril de 2019, p. 79).

      A expressão morder a língua tem vários significados. Aqui, é claramente sinónima de arrepender-se de ter dito o que não devia. Infelizmente, os nossos dicionários não arranjaram um espacinho para a registar, o que não é bom para ninguém. Já agora, aproveite-se para espreitar o que diz o original da frase citada: «Those who spread misinformation and cultivated fears surrounding health workers should be feeling very uncomfortable, and very sorry indeed.» Vá lá, escapámos de um «desconfortável», outra praga que invadiu a nossa língua, e, em especial, as traduções.

 

[Texto 11 049]

Léxico: «birreactor/quadrirreactor»

Alguma fobia

 

      «Muitas companhias [aéreas] não se atreveram a encomendar este quadrirreator [A380] tão guloso por combustível. [...] Enquanto isso, a Airbus lançava a produção do A350, o concorrente birreator do 787» («O gigante que perdeu força», Dinah Deckstein. Tradução de Aida Macedo, Courrier Internacional, Abril de 2019, p. 82). Parece que a Porto Editora tem problemas com aviões, alguma fobia, pois não regista birreactor nem quadrirreactor.

 

[Texto 11 048]

Léxico: «astroturista/astroturismo»

Nunca fez mais sentido

 

      «Apesar de discretos, os astroturistas estão a multiplicar-se e Portugal não está fora da rota: a região do Alqueva, por exemplo, é certificada pela Fundação Starlight, responsável pela qualidade de observação do céu, mas nas cidades também é possível ver com um pouco mais de clareza o que a poluição, atmosférica ou luminosa, nos esconde» («Os melhores sítios para ver as estrelas em Lisboa», Raquel Dias da Silva, Time Out, 21.01.2019).

      Cada vez há mais astroturistas, mas astroturismo e astroturista ainda não chegaram a todos os dicionários. Poder-se-á, ocorre-me agora, alargar o sentido ao turista espacial que viajar à volta da Lua a bordo do foguetão Big Falcon Rocket, da SpaceX, a empresa de Elon Musk?

 

[Texto 11 047]

Léxico: «ortopraxia»

Nem sabem o que é

 

      «Goste-se ou não, as pessoas mudam. E mudam os modos de vida, as culturas, os hábitos, o mundo. Uma interpretação invariável e fossilizada da religião pouco tem, pois, para oferecer às pessoas. A ortopraxia imposta aos crentes por estas interpretações priva-os de uma vida normal» («Só a laicidade salvará o Islão», Levent Gültekin. Tradução de Maria Alves, Courrier Internacional, Abril de 2019, p. 30).

    Os pouquíssimos dicionários que registam ortopraxia dão-na como sinónimo de «ortopedia», esquecendo-se, porém, desta acepção (ortopraxia/ortodoxia). O dicionário da Porto Editora, para já, está fora da corrida, nem sequer regista o vocábulo.

 

[Texto 11 046]

Léxico: «taro»

Incorrecto e incompleto

 

      «Além do taro, os papuas cultivaram bananas, fruta-pão, sagu e cana-de-açúcar. O seu domínio destas culturas precedeu longamente a chegada dos austronésios ao arquipélago, há cerca de 4 500 anos» («A via que conduz a Papua à prosperidade... ou à sua perda», Ahmad Arif. Tradução de Helena Araújo, Courrier Internacional, Abril de 2019, p. 27).

      O que se lê no dicionário da Porto Editora (e noutros, como podem comprovar) sobre taro é incorrecto e escasso: «BOTÂNICA tubérculo, das ilhas de Samoa, na Oceânia, que constitui importante papel na alimentação dos indígenas». Incompleto porque, por exemplo, não tem o nome científico, que é Colocasia esculenta. Errado porque não é uma planta somente das ilhas Samoa. O Collins, por exemplo, diz que o taro é «a large, tropical Asiatic plant (Colocasia esculenta) of the arum family, with shield-shaped leaves: it is cultivated for its edible corms, which are the source of poi».

 

[Texto 11 045]

Léxico: «indonésio»

Basta olhar para outros

 

      «Uma estrada de 4 mil quilómetros, batizada Trans-Papua, está a ser construída para reduzir o isolamento da parte indonésia da ilha da Nova Guiné» («A via que conduz a Papua à prosperidade... ou à sua perda», Ahmad Arif. Tradução de Helena Araújo, Courrier Internacional, Abril de 2019, p. 26). Opção errada de Helena Araújo: se escrevemos transpacífico, teremos de escrever Transpapua. Ah, podem objectar-me, mas é um nome próprio. Também tenho resposta para esses: em indonésio (que para o dicionário da Porto Editora não é língua...), diz-se «Jalan TransPapua». Ora, sendo «papua» também adjectivo, não me parece que subsistam dúvidas.

 

[Texto 11 044]

Léxico: «galactorreia»

Desvalorize-se menos

 

      «“Também estou com galactorreia [lactação em mulheres que não estão a amamentar]. Devido ao meu transtorno, e por estar constantemente a estimular (espremendo os mamilos), o meu peito começou a produzir leite” [afirma Marta Cerqueira, que padece de ansiedade]» («A ansiedade domina a vida e controla a mente», Marta Martins Silva, «Domingo»/Correio da Manhã, 10.03.2019, p. 32). É a produção de leite nas mamas de homens ou de mulheres que não estão a amamentar. Assim, a definição do dicionário da Porto Editora — «secreção excessiva de leite» — precisa claramente de um retoque.

 

[Texto 11 043]