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Linguagista

Léxico: «rumbeiro»

Só tristeza

 

      E rumbeiro, aquele que dança, toca e/ou canta rumbas, será mesmo brasileirismo? Rumbeiro, que até era sinónimo, aí pelos anos 20 do século XX, de festivo, alegre, não marca presença nos dicionários deste lado do Atlântico. Nós, povo fúnebre, só conhecemos o tumbeiro, o que conduz a tumba, o corpoferário (que não registas, Porto Editora), o pallbearer, para os que prezam acima de tudo a língua inglesa.

 

 

[Texto 11 072]

Léxico: «Mobulídeos»

Agora em português

 

      «Os dados recolhidos até agora — dois mil mergulhos entre 2012 e 2017, cerca de cinco mil fotos e 62 horas de vídeo captado entre 1990 e 2018 — permitiram, por exemplo, criar a primeira base de dados do mundo de foto-identificação [sic] de mobulideos nos Açores e de jamanta-chilena (Mobula tarapacana) do mundo. [...] As jamantas pertencem à família Mobulidae, são “completamente inofensivas” e possuem “os maiores cérebros de todos os peixes”.» («Todas as jamantas e milhares de mergulhos, dos Açores para o mundo», Mariana Durães, Público, 29.03.2019, pp. 34-35).

      A jornalista arriscou-se seriamente a acertar: o melhor — porque é português, porque não precisa de itálico — é Mobulídeos.

 

[Texto 11 071]

Léxico: «(ja)manta-oceânica»

Nome comum, erro comum

 

      Temos aqui mais jamantas: «Na base de dados do Manta Catalog Azores, constam 143 indivíduos de jamanta-chilena e 29 de manta-oceânica (Mobula birostris) — ambas as espécies com ocorrência entre Junho e Outubro, registada em anos diferentes, o que reforça a crença de que os montes submarinos constituem, de facto, “habitats importantes”. Devem, então, ser preservados» («Todas as jamantas e milhares de mergulhos, dos Açores para o mundo», Mariana Durães, Público, 29.03.2019, p. 34).

      Ora, dá-se o caso de, no verbete jamanta do dicionário da Porto Editora, esta Manta birostris aparecer — com a falha de sempre, a falta do nome comum. Em especial na tradução, os nomes comuns da botânica e da fauna são imprescindíveis, pelo que estarem dicionarizados contribui em muito para evitar mais erros.

 

[Texto 11 070]

Léxico: «fotoidentificação»

Analogia, analogia, analogia

 

      «“A foto-identificação cria a oportunidade de envolver o público nos projectos e beneficia os investigadores, aumentando a quantidade e extensão geográfica dos dados disponíveis”, afirma Ana Filipa Sobral» («Todas as jamantas e milhares de mergulhos, dos Açores para o mundo», Mariana Durães, Público, 29.03.2019, p. 34).

      Se se escreve fotointerpretação, por exemplo, é claríssimo que se tem de escrever fotoidentificação. Alguém diga isto a Mariana Durães, que não teve tempo ou cabeça para o saber.

 

[Texto 11 069]

Léxico: «jamanta-chilena»

Se é nosso, é para esquecer

 

      «Os dados recolhidos até agora — dois mil mergulhos entre 2012 e 2017, cerca de cinco mil fotos e 62 horas de vídeo captado entre 1990 e 2018 — permitiram, por exemplo, criar a primeira base de dados do mundo de foto-identificação [sic] de mobulideos [sic] nos Açores e de jamanta-chilena (Mobula tarapacana) do mundo. [...] Os dados permitiram desvendar alguns comportamentos dos animais. Os Açores “são um dos únicos locais do mundo onde esta espécie [jamanta-chilena] forma grandes grupos”, mas não se sabe porquê» («Todas as jamantas e milhares de mergulhos, dos Açores para o mundo», Mariana Durães, Público, 29.03.2019, p. 34).

      Então, quer dizer que a única espécie de jamanta que abunda no nosso território é precisamente a que está ausente dos nossos dicionários. Está bem, está... Vamos longe.

 

[Texto 11 068]

Léxico: «ventilatório/extubar»

Em branco

 

    «Ao nascer, Salvador apresentava diculdades respiratórias que justificaram apoio ventilatório, mas a perspectiva era que pudesse ser extubado a qualquer momento» («Salvador nasceu com 31 semanas e 6 dias e pesa 1700 gramas. Funeral da mãe é hoje», Natália Faria, Público, 29.03.2019, p. 17).

      Vejam lá como é que falam, é que a menina Porto Editora não sabe o que é ventilatório nem extubar.

 

[Texto 11 067]

Léxico: «intercorrência»

Não chega para perceber

 

    «Salvador nasceu ontem, às 31 semanas e 6 dias. Mede 40 centímetros e os 1700 gramas de peso estão “adequados à sua idade gestacional”, segundo a directora do Serviço de Neonatologia do Hospital de S. João (HSJ), no Porto, Hercília Guimarães. A não ser que surjam intercorrências, o bebé poderá receber alta “dentro de três semanas a um mês”» («Salvador nasceu com 31 semanas e 6 dias e pesa 1700 gramas. Funeral da mãe é hoje», Natália Faria, Público, 29.03.2019, p. 17).

      A ausência desta acepção médica de intercorrência nos nossos dicionários pode prejudicar a compreensão do artigo.

 

[Texto 11 066]

Léxico: «florescer/florecer»

Não gostamos

 

      A palavra do dia, na Infopédia, é florescer. Pode parecer que nada se pode acrescentar, mas não é assim. Onde pára a variante florecer, abundante na nossa literatura novecentista? São estas omissões nos nossos actuais dicionários que coonestam, dão aparência legítima ou honesta às reedições daquela literatura decepadas das variantes. Um crime. Não sejam coniventes, isso prejudica a língua, prejudica os leitores, prejudica os falantes. A riqueza está na variedade, não na uniformidade.

      «Fez-se um progresso que parece uma pobreza. A mocidade, antes de florecer, enfruteceu uns frutos sorvados que caem de podres antes da sazão» (Quatro Horas Inocentes, Camilo Castelo Branco, in Obras Completas de Camilo Castelo Branco, vol. 15, dir. Justino Mendes de Almeida. Porto: Lello & Irmão, 1993, p. 457).

 

[Texto 11 065]

Léxico: «ponte aérea»

Tudo muda

 

      Temos de nos render, é óbvio: actualmente, a locução ponte aérea já tem outro significado. «TAP passa a ter lugares executivos na ponte aérea entre Lisboa e Porto» (Destak, 29.03.2019, p. 13). Hoje em dia, é usado para designar os voos que ocorrem com frequência entre dois destinos. Logo, temos duas acepções.

 

[Texto 11 064]

Léxico: «gilista»

Há ainda alguns de fora

 

      «Federação diz que os gilistas devem ser reintegrados na Liga em 2019/20; G15 pede mais esclarecimentos» («Ameaça da FPF não demove boicote ao Gil», João Moniz, Destak, 29.03.2019, p. 7). Não, Porto Editora, ninguém aqui disse «galista», foi mesmo gilista: relativo ao Gil Vicente Futebol Clube, o emblema de Barcelos. (Emblema é outro que não está explicitamente nos dicionários, nesta acepção.)

 

[Texto 11 063]

Plural: «tóner»

Ao contrário

 

      «A alcatifa, igual às das repartições, fora manchada pela tinta dos tóneres» (O Meu Irmão, Afonso Reis Cabral. Alfragide: Leya, 2014, p. 95). ‎Porto Editora, alguma objecção ou dificuldade quanto à indicação do plural de «tóner»? Deviam, quanto a remissões, fazer exactamente o contrário do que fizeram: em vez de remeterem de tóner para toner, a remissão, a não ser, como sempre recomendo, mútua, devia ser do estrangeirismo para o aportuguesamento.

 

[Texto 11 062]

Léxico: «tarbuche», de novo

Aprofundando

 

      «A cabeça calva de Mamdooh, uma cúpula reluzente da cor do café, está marcada por manchas ainda mais escuras e grandes sinais castanhos e irregulares. Sei que no exterior, sob o sol claro e impiedoso, costuma trazer sempre o seu tarbuche» (Iris e Ruby, Rosie Thomas. Tradução de Maria da Fé Peres. S. Pedro do Estoril: Chá das Cinco, 2015, p. 10). O vocábulo tarbuche, que sugeri no ano passado à Porto Editora e foi oportunamente registado, mereceu uma nota de rodapé à tradutora: «Outra forma de designação do fez, o barrete turco.» Para quê «fez» em itálico? A definição do dicionário da Porto Editora é a seguinte: «barrete masculino de origem turca, semelhante a um fez». Pode sempre dizer-se mais e melhor. Adalberto Alves (Dicionário de Arabismos da Língua Portuguesa. Lisboa: INCM, 2014, p. 813) diz-nos que é usado por turcos e árabes sujeitos à influência turca, e «que consiste num cone cortado no cimo e forrado de feltro vermelho c/ borla azul e, p. vezes, envolvido p. um turbante na parte inferior». Isto é quase uma ilustração.

 

[Texto 11 061]

Baclavas e faláfel, isso sim

Já são nossos

 

      «Baklavas e falafel: os sabores do Líbano estão no ar» (Teresa Dias Mendes, TSF, 28.03.2019, 19h18). Acontece, senhora jornalista, que os nossos dicionários registam esses nomes aportuguesados, que, obviamente, devemos preferir: baclava e faláfel.

      «— Vou comer um destes. — Iris apontava para um dos baclavas triangulares. Ruby colocou o bolinho num prato, pegando-lhe como se ele estivesse muito quente, para dar a ideia de que estaria a tentar tocar-lhe o mínimo possível com os dedos e pousou-o ao lado do copo de chá de Iris. Em seguida, estendeu as pernas, suspirando de satisfação, enquanto olhava para o pátio em redor» (Iris e Ruby, Rosie Thomas. Tradução de Maria da Fé Peres. S. Pedro do Estoril: Chá das Cinco, 2015, p. 41). «O faláfel é uma ótima escolha para um snack a meio da manhã. É prático, fácil de fazer e pode congelá-lo para usar quando necessitar» (Crianças Saudáveis, Famílias Felizes, Luísa Fortes da Cunha e Raquel Fortes. Alfragide: Lua de Papel, 2017, p. 162). É verdade que as definições nos dicionários podiam ser mais informativas. Por exemplo, no caso do baclava, nem sequer se diz que é uma das mais conhecidas sobremesas turcas.

 

[Texto 11 060]

Léxico: «taurina»

Zero, ou quase

 

      «A Coca-Cola Energy vai ser produzida na fábrica de Lisboa e inclui ingredientes como cafeína, extracto de guaraná, vitaminas B. Ao contrário de outras bebidas energéticas, esta não inclui taurina, mas terá quatro vezes mais cafeína que uma Coca-Cola normal: 80 mg por 250 ml» («Esta Coca-Cola vai-lhe dar energia. E é feita em Portugal», Dinheiro Vivo, 28.03.2019, 16h01).

      A definição de taurina que encontramos nos nossos dicionários contribui praticamente zero para se compreender do que se trata. (E agora uma palavrinha aos responsáveis da publicação que citei: o destrambelhamento na aplicação das regras do Acordo Ortográfico de 1990 devia envergonhar-vos.)

 

[Texto 11 059]