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Linguagista

Léxico: «bica»

Quantas bicas

 

      Ou, como também se diz, enfarta-brutos, sim: «Mais ou menos como hoje: vinho, chouriço, azeitonas, queijo da vizinha Amélia, “que faz os queijos em casa”, tangerinas, biscoitos (bolos das bodas, bolos para a banda, bolos “enfarta-brutos” para os festeiros) e pão, bicas “sem fermento, nem nada”, farinha amassada com azeite e cozida no forno comunitário com mais de 200 anos que era do avô António Pires Chamusca e que agora é gerido pela Adelaide, forneira desde sempre» («A vida de Josena dentro de um livro de receitas», Luís Octávio Costa, «Fugas»/Público, 30.03.2019, p. 17).

      Reparem nas bicas: pelo menos a bica de azeite é um pão tradicional da Beira Baixa, não sei se há outras variedades. Para ter o mesmo nome, têm de ter em comum algumas caracterísiticas. Ora, esta bica de azeite, que eu conheço, é um pão de trigo comprido e chato — exactamente como o dicionário da Porto editora define o regionalismo bica.

 

[Texto 11 156]

Léxico: «farta-brutos»

Só nós três?

 

      «Todos os pratos farta-brutos, que deliciavam os paxás ventripotentes da cidade!» (O Quarteto de Alexandria 4, Clea, Lawrence Durrell. Tradução de Daniel Gonçalves. Alfragide: Publicações Dom Quixote, 2017, p. 25). Já agora, por curiosidade, diga-se que no original está paunch-beguiling. Quanto a farta-brutos, querem ver que só eu, Guilherme Augusto Simões e o tradutor é que conhecemos a palavra?

 

[Texto 11 155]

Léxico: «destralhamento»

Uma questão de tempo

 

      «Ou seja, está mesmo a precisar de destralhar as suas quatro paredes, mas não sabe ao certo nem como, nem quando, nem por onde começar. [...] O melhor mesmo é aproveitar o destralhamento para apurar o seu sentido solidário. Afinal, há tanta peça de roupa perdida nos confins dos nossos armários que está em perfeitas condições para ter uma segunda oportunidade e há tanta gente a precisar de roupa para vestir. Infelizmente, a roupa que passa a ser lixo para muitos de nós, seria luxo para muitas outras pessoas» («Cada português deita 20 quilos de roupa ao lixo por ano», André Rodrigues, Rádio Renascença, 10.04.2019).

 

[Texto 11 154]

Índio e ameríndio: poucas confusões

O impensável

 

      Fui parar ao verbete índio do dicionário da Porto Editora por causa do repetido erro de um tradutor que confunde «índio» com «indiano». Não sabia que já lhe tinham passado a certidão de óbito: «antiquado». Desde quando? O vocábulo ameríndio é, decerto, inequívoco — mas, e é isto que interessa, as confusões entre «índio» e «indiano» são marginais na nossa língua. Afirmar que se trata de um termo antiquado é confundir desejos com realidade e mais não é do que puro e condenável seguidismo, o que jamais devia acontecer em lexicografia. Deixem lá as modas para as outras áreas da vida.

 

[Texto 11 153]

Léxico: «grunhice»

Antes grunhisse

 

      Simplesmente i-na-cre-di-tá-vel: «A generalização da grunhisse vai apenas legitimar mais grunhisse levando os incautos a perderem a cerimónia na hora de manifestarem opiniões que são em si mesmo a desumanização de outros seres humanos» («A voz dos grunhos», Maria João Marques, Observador, 10.04.2019).

      A culpa, a inépcia, é todinha de Maria João Marques (aplausos), naturalmente, mas não estar nos nossos dicionários é um excelente contributo para esta grunhice ortográfica (mais aplausos). Atenção, é um artigo premium.

 

[Texto 11 151]

Léxico: «levocardia»

Como se não existisse

 

    «Os órgãos de Rose Marie estavam posicionados de forma incaracterística devido à sua condição: situs inversus com levocardia, em que a posição dos órgãos está revertida, como se tivesse um espelho dentro do corpo» («Uma mulher americana viveu até aos 99 anos com os órgãos nos sítios errados e nunca soube», Observador, 9.04.2019, 16h37).

      Falta onde é mais necessário — nos dicionários gerais da língua. Confiná-lo aos dicionários especializados é subtraí-lo do conhecimento do falante comum. Não é para isso que existem dicionários.

 

[Texto 11 150]

Léxico: «ecocasa»

Quase tudo ecológico

 

      «As obras para o realojamento dos habitantes do Bairro da Boavista foram lançadas em Setembro de 2016. Para erguer estas habitações foram demolidas 70 casas de alvenaria. Seguir-se-ão mais quatro fases de demolição e construção destas ecocasas» («Em vez de alvenaria são ecocasas e 50 já foram entregues», Cristiana Faria Moreira, Público, 9.04.2019, p. 20).

 

[Texto 11 149]

Léxico: «falso positivo»

Ajudava

 

      Será aconselhável fazer exames de rotina? Responde António Vaz Carneiro, director do Centro de Medicina Baseada na Evidência: «Está documentado que em pessoas com doenças crónicas estáveis, ou perfeitamente saudáveis e acima dos 65 anos, quem faz check-ups [exames de rotina] regulares tem tendência a um aumento muito ligeiro de mortalidade, comparando com pessoas que não os fazem. Porquê? Porque há resultados errados, os testes não são 100% fiáveis, e temos o problema dos falsos positivos — um teste anormal numa pessoa que não tem doença. O que acontece então? O médico vai fazer toda uma série de intervenções desnecessárias, quando há sobrediagnóstico, há sobretratamento» («Não faz sentido fazer check-ups anuais», Alexandra Campos, Público, 9.04.2019, p. 18).

      Porto Editora: já temos sobrediagnóstico, já temos sobretratamento, falta agora falso positivo. Tendo em conta que já por aí se propõe ligar os dois termos por hífen (!), convém dicionarizar a locução quanto antes.

 

[Texto 11 148]