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Linguagista

Léxico: «suíte»

Não posso acreditar

 

      «Houve algum sinal de vida na suíte?» (Uma Verdade Incómoda, John le Carré. Tradução de J. Teixeira de Aguilar. Alfragide: Publicações Dom Quixote, 2013, p. 86). Esta grafia já se tornou, há muito, corriqueira, e encontramo-la quer em traduções quer em obras originais portuguesas. Ainda ontem, na rubrica Mundo Digital, na TSF, Rui Tukayana falava em «suíte de produtividade». Vamos agora ao dicionário da Porto Editora. Regista — ao menos isso — suíte, mas remete directamente para suite (onde vamos encontrar aquela acepção informática). Só isto? Não, o estrago é maior: em suíte assevera-nos que se trata de brasileirismo. Não posso acreditar!

 

[Texto 11 198]

Léxico: «presbifonia»

No Dia Mundial da Voz

 

      «Durante o envelhecimento todo o aparelho fonatório sofre de novo alterações, que se tornam particularmente significativas nos profissionais de voz. As cartilagens laríngeas ossificam, os músculos intrínsecos da laringe atrofiam, as articulações sofrem erosão e o epitélio das cordas vocais aumenta de espessura. Estas e outras alterações das vias aéreas superiores e inferiores levam a alterações vocais — presbifonia» («Sabe por que temos todos vozes diferentes? E qual o segredo para não ficar sem voz?», TSF, 16.04.2019, 9h28).

      Nem sequer no Dicionário de Termos Médicos da Porto Editora o encontramos. Aliás, anda longe de quase todos os dicionários e vocabulários.

 

[Texto 11 197]

Léxico: «angulação»

Nem nos bilingues

 

   «A voz é, também, modificada pelas hormonas corporais (hipofisárias, tiroideias e pancreáticas), sobretudo as hormonas sexuais. Na puberdade, por ação da testosterona, a voz muda radicalmente no sexo masculino. Entre outras alterações, forma-se a maçã de Adão, por alteração da angulação da região anterior da cartilagem tiroideia, com uma descida da frequência fundamental em cerca de uma oitava. Estas alterações acontecem a um ritmo lento mas imprevisível, sendo responsáveis por falhas e dificuldades de controlo vocal que dificultam muito a utilização profissional da voz na adolescência» («Sabe por que temos todos vozes diferentes? E qual o segredo para não ficar sem voz?», TSF, 16.04.2019, 9h28).

      O Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora não chega lá. Desta vez, nem nos bilingues.

 

[Texto 11 196]

Tradução: «maîtriser»

Ouro ou esterco

 

    «“O fogo está completamente sob controlo. Está parcialmente extinto, há ainda incêndios residuais para extinguir”, explicou o tenente-coronel Gabriel Plus, porta-voz do Corpo de Bombeiros de Paris» («Fogo na catedral de Notre-Dame “sob controlo” e “parcialmente extinto”», Rádio Renascença, 16.04.2019, 6h06).

      É este o domínio da língua que os nossos jornalistas mostram. O que o porta-voz dos Bombeiros de Paris disse foi que o incêndio estava «complètement maîtrisé». Se traduzem maîtriser por «controlar» e contrôler também por «controlar», estamos feitos. Na verdade, como já tenho demonstrado, e fá-lo-ei de novo se for necessário, até tradutores literários vertem meia dúzia de verbos franceses ou ingleses por um único — «controlar». E depois arrogam-se o estatuto de co-autores, co-criadores. Gabam-se de criar ouro, como escreveu Voltaire dos que procuravam a pedra filosofal, quando nem sequer seriam capazes de criar esterco.

 

[Texto 11 195]

O drama da França

Da Estrige a minha nossa

 

      «Os 387 degraus que conduzem os visitantes até às torres da catedral revelam uma galeria de quimeras — criaturas míticas compostas por mais do que um animal. A mais famosa é a gárgula “Stryge”, que fica no topo da catedral, enquanto contempla Paris com a cabeça apoiada nas mãos» («Fotogaleria. O símbolo de Paris antes das chamas», Rádio Renascença, 15.04.2019, 19h31).

      Sempre mortinhos por escreverem noutra língua qualquer... Em português, é estrige que se diz. Sim, a Catedral de Notre-Dame é um símbolo de Paris, e até da Europa. Nas primeiras páginas dos jornais de hoje, é isso mesmo que se lê no Público: «Notre-Dame da Europa». O melhor título, e página, pelo jogo de palavras, é do francês Libération: «Notre Drame». Um que me deixou de pé atrás foi do nosso i: «Minha Nossa Senhora». Remete-nos (ou pelo menos a mim) logo para o «minha nossa», a exclamação de espanto da fraseologia brasileira, assim algo entre o excessivo, mesmo contraditório — é «minha» e é, ao mesmo tempo, «nossa» —, e o lamechas.

 

[Texto 11 194]

Léxico: «biotinta»

Imprima-me aí um coração

 

      «A equipa de Tal Dvir retirou células adiposas de uma pessoa, separaram-nas dos restantes materiais existentes no tecido e fizeram com que se transformassem em células estaminais — com capacidade de dar origem a outras células. A partir daí fizeram com que as células se diferenciassem em células do coração e dos vasos sanguíneos. Depois de misturarem as células com hidrogel criaram uma biotinta para usar na impressora 3D» («Investigadores criaram um coração vivo, que contrai, numa impressora 3D», Vera Novais, Observador, 15.04.2019, 14h51).

 

[Texto 11 193]