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Linguagista

O léxico dos Censos

Mais avisos

 

      Compulsando o Decreto-Lei n.º 54/2019, de 18 de Abril, relativo aos Censos de 2021, o leitor Afonso Costa — e depois eu — viu dois termos e uma expressão que o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora não contém. O primeiro é censitário, que não aparece no sentido constante do diploma legal; o segundo é pseudonimização (de que encontramos aqui uma definição); o terceiro é segredo estatístico. Aquele dicionário acolhe vários segredos — desde o mais crucial, o de Estado, àquele que o não é, o de polichinelo, passando por aquele de que o estatístico constitui, digamos, uma subcategoria, o segredo profissional —, mas não este. Uma palavra final, repetida, pois já tratei do caso, para lamentar que muitos dos nossos jornalistas continuem a dizer e a escrever «o Censos». Não se enxerga razão nem atenuante para o solecismo.

      E pronto, como dizia invariavelmente o Eng. Sousa Veloso no final do TV Rural, despeço-me com amizade até ao próximo programa. Dia. Texto.

 

[Texto 11 228]

Léxico: «cetoprofeno»

Ficamos avisados, ficais avisados

 

      «A agência francesa do medicamento (ANSM) fez uma advertência a médicos e pacientes sobre riscos decorrentes do uso do ibuprofeno [segundo antálgico mais usado em França] e do cetoprofeno, que podem agravar infeções em tratamento, e pediu uma investigação a nível europeu» («Tem ibuprofeno em casa? França aconselha a trocá-lo por paracetamol», TSF, 19.04.2019, 13h42).

      Há alguma boa razão para o dicionário da Porto Editora registar ibuprofeno, mas não cetoprofeno? É o que me parecia.

 

[Texto 11 227]

Léxico: «bomba de gasolina» e outras miudezas

Falhas e dúvidas

 

      «Uma jornalista de 29 anos morreu na noite de quinta-feira na sequência de um tiroteio em Londonderry, na Irlanda do Norte, que está a ser investigado pela polícia como um “incidente terrorismo”. Vários atos violentos marcaram a noite de quinta-feira em Creggan, na cidade de Derry, onde se registaram lançamentos de bombas de gasolina contra carros da polícia e um tiroteio que acabaria por ferir mortalmente uma jovem jornalista» («Jovem jornalista morta na Irlanda do Norte em “incidente terrorista”», TSF, 19.04.2019, 12h49).

      Esta é nova. Pelo menos, não me lembro de alguma vez a ter visto num jornal. É, sem dúvida, uma boa forma de evitar um estrangeirismo — cocktail molotov. (Não atino com a razão de a Porto Editora não o grafar em itálico e estar num verbete autónomo. Estranhamente, no verbete cocktail só vamos encontrar (também sem o itálico) cocktail dinatoire, que eu desconhecia, e que define como a «reunião social em que se combina o serviço tradicional de bebidas com a apresentação de pratos mais substancias do que os habituais aperitivos, fornecendo, assim, uma refeição semelhante ao jantar» (sim, já vi a gralha). E onde pára o portuguesíssimo (no nome deturpado) pudim Molotov?

      Claro que não me escapa o motivo de terem escolhido a locução «bombas de gasolina»: na imprensa de língua inglesa, lê-se petrol bombs. Imprensa espanhola: explosivos molotov. Imprensa francesa: cocktails Molotov. Imprensa catalã: còctels Molotov. Imprensa italiana: bottiglie Molotov. Imprensa romena: cocteiluri Molotov. Imprensa alemã: Brandsätze. Etc.

[Texto 11 226]

Léxico: «almôndega»

Já foi

 

      Já que falei nas almôndegas da IKEA, exortemos os lexicógrafos a redigirem uma nova definição de almôndega. Para o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, é a «pequena bola arredondada de carne picada, preparada com ovos, farinha e temperos, geralmente cozinhada em molho espesso». Já foi. Quem ainda não comeu almôndegas de soja, por exemplo? Tem remédio: uma extensão de sentido.

 

[Texto 11 225]

Léxico: «plogging»

Finalmente, uma boa ideia

 

      Já que a vamos ver mais vezes, pois vai realizar-se mensalmente uma acção, fica aqui exarada: «Cuidar do ambiente enquanto cuida da sua saúde é possível. Plogging junta duas palavras suecas, plocka upp (apanhar) e jogga (correr), uma atividade que consiste em apanhar o lixo com que se vai cruzando enquanto pratica corrida» («Apanhar lixo a correr ao lado de uma campeã olímpica? O Plogging chegou a Portugal», TSF, 19.04.2019, 10h20, itálicos meus).

      Finalmente, qualquer coisa da Suécia sem ser as famosas almôndegas da IKEA.

 

[Texto 11 224]

Léxico: «tabopã/aparite»

Falta de materiais

 

      «Claro que não se chamava Sandokan: chamava-se Feliciano e na época em que me vestiam de minhota, vestiam-no a ele de príncipe malaio, de turbante com esmeralda de vidro e bigodes de rolha, e trotava-me debaixo da varanda, com os pais, para o Carnaval do Éden, onde no fim dos palhaços desprendiam dúzias de balões do tecto e piratas de perna de pau enfiavam papelinhos desalmados no pescoço de fadas de cabelo loiro de estopa e varinha de condão de tabopã, sufocadas de lágrimas de humilhação» (Livro de Crónicas, António Lobo Antunes. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1998, p. 147).

      Ainda um destes dias, nos Radicais Livres, Jaime Nogueira Pinto se mostrou todo admirado por Ruben de Carvalho usar as palavras aparite e tabopã. Enfim... Infelizmente, a Porto Editora acolheu o último com a grafia «tabopan» — o que não tem nada de português. Se o argumento, que não colhe, é o de que originalmente é uma marca comercial, tenho de lhes lembrar que se trata sempre de uma derivação imprópria, logo, em que há sempre um desvio. Então, porque não grafam «formica»? Ah... E ainda não registam tuvenã, como já sugeri. Como não registam aparite: «Erguiam-se, em coabitações irrisórias, paredes oscilantes de aparite e vastidões imponentes de mansões bradando riqueza, varandas largas, modelos importados da Sabóia, da Floresta Negra, telhados inclinados como se fosse nevar incontidamente este Inverno e paredes trabalhadas com esmero dentro de jardins bem cuidados, onde não faltavam artísticos desenhos de laguinhos, com peixes vermelhos e tufos de jarros muito brancos no meio» (Agrião!, Clara Pinto Correia. Lisboa: Relógio D’Água, 1984, p. 46).

 

[Texto 11 222]

Léxico: «piano/cabaço»

Mas não toca

 

      Na montra da Churrasqueira X: «1/2 piano na brasa com batata frita e arroz: 5,50 €». Não é o instrumento musical de teclas, não, Porto Editora. Então não é a peça da carne de porco que traz as costelas do lombo? São esses ossos que fazem lembrar as teclas do piano. Ah, também já comprovei que não sabes o que é o cabaço — a que também se dá o nome de bochecha ou faceira. Tens de contratar um talhante.

 

[Texto 11 221]