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Linguagista

«De modo que»

Coisas velhas

 

      Quem é que não sabe que não se deve dizer de modo a nem de modo a que, quem? São erros que maculam ou afeiam a linguagem, e sem necessidade. Uma nota apenas para os confusionistas: as locuções conjuncionais terminam com «que»: ainda que, apesar de que, de maneira que, de modo que, de sorte que, a menos que, mesmo que, nem que, se bem que, etc. Logo por aqui, estava rejeitada a primeira forma espúria; quanto à segunda, é querer gastar logo tudo. Não: basta «de modo que». Queiram fazer o favor de corrigir o tal verbete.

 

[Texto 11 241]

Léxico: «biofungicida/ bioestimulante»

Coisas novas

 

      «O extrato de sargaço, uma mistura de diferentes algas marinhas castanhas muito abundante em Portugal, apresenta um potencial como biofungicida para uso agrícola muito superior ao da alga Ascophyllum nodosum, conclui um estudo português. [...] As várias experiências comparativas realizadas “demonstraram que os compostos bioativos extraídos do sargaço são bem mais eficazes que o substrato comercial da alga Ascophyllum nodosum. Observou-se, também, um bom desempenho do sargaço como bioestimulante (ativa o sistema imunitário das plantas para se protegerem, por exemplo, de pragas) e como fertilizante”, afirmam João Cotas e Leonel Pereira, investigadores do MARE [Centro de Ciências do Mar e do Ambiente da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra]» («Sargaço é um antifúngico natural mais eficaz que os químicos agrícolas», Nuno de Noronha, Sapo Lifestyle, 22.04.2019, 10h30).

 

[Texto 11 240]

Léxico: «gorila-das-montanhas/ gorila-do-oriente/ gorila-de-grauer»

O portador de más notícias

 

      «Da República Democrática do Congo para o mundo, dois gorilas órfãos são as estrelas de uma “selfie” viral tirada por um guarda do parque nacional de Virunga. A fotografia mostra Ndakazi e Ndeze, duas gorilas fêmeas da montanha, em pé, numa pose em que parecem imitar o comportamento humano» («“Selfie” com gorilas em risco. Um grito de alerta viral», Rádio Renascença, 22.04.2019, 20h55).

      Se tivessem mais cuidado, acertavam: gorila-das-montanhas. Logo, gorilas-da-montanha fêmeas. No Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, encontramo-lo, mas com o nome científico errado: «ZOOLOGIA (Gorilla gorilla beringei) subespécie de gorila encontrada em áreas montanhosas da África Central, de pelagem mais escura e comprida». Subespécie, está certo. Comecemos por aí. O gorila-do-oriente (Gorilla beringei) é uma espécie do género Gorila que se subdivide em duas subespécies: o gorila-de-grauer (Gorilla beringei graueri) e o gorila-das-montanhas (Gorilla beringei beringei). Assim, naquele dicionário um nome está errado e falta registar outros dois. Na Internet, deviam saber, encontra-se de tudo, não é argumento. Reparem: Gorilla beringeiGorilla beringei graueriGorilla beringei beringei. Ou seja, no caso em apreço, é o mesmo que Gorilla beringei ssp. beringei. Ainda bem que concordam.

 

[Texto 11 239]

Léxico: «Domingo de Pascoela»

Porque estamos na Pascoela

 

      Pode saber-se porque é que Domingo de Pascoela, no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, não se encontra no verbete domingo? Vamos encontrá-lo, por mero acaso, em quasímodo. De facto, com maiúscula, Quasímodo, significa Domingo de Pascoela. Sim, também está em Pascoela, mas, se o primeiro termo da locução é «domingo», já se vê onde deve estar. Para ser útil, tem de estar dicionarizado onde os falantes esperam que esteja.

 

[Texto 11 238]

Léxico: «peixe-galo/ bêntico/ bentónico»

Muito longe da perfeição

 

      «A cena bíblica que é a base estrutural da eucaristia foi uma das mais reproduzidas através dos séculos, mas não podemos inferir através destas representações sobre o que ali se comeu — até porque o espírito do artista ou a luz da época sentou e deu de comer de forma diferente a Jesus e aos doze Apóstolos. “Na última ceia de Giotto [ver caixa] aparece em cima da toalha peixe, porque o peixe é um símbolo da Igreja cristã. Os devotos de Cristo faziam no chão o símbolo do peixe para se identificarem uns aos outros. O peixe que é utilizado no milagre da multiplicação é o peixe-galo. Como é que se chama o peixe-galo em francês ou inglês? Saint Pierre ou Saint Peter (São Pedro), por causa daquelas duas marcas que o peixe tem na cabeça. Diz-se que são as marcas que Deus deu ao peixe por serem as marcas dos dedos de São Pedro quando puxou o peixe da água [Mt 17,24-27]”, conta Virgílio Gomes» («O que comeram Jesus e os apóstolos na Última Ceia?», Fernanda Cachão, Correio da Manhã, 21.04.2019, p. 36).

      Está no dicionário da Porto Editora: «ICTIOLOGIA (Zeus faber) peixe de corpo achatado e formato oval, com barbatana dorsal dotada de espinhos fortes e filamentos longos, que se caracteriza por apresentar uma mancha negra em cada um dos lados do corpo, sendo também conhecido por alfaqui, são-pedro, etc.» Contudo, falta informação. Devia dizer que o corpo é arredondado, mas achatado lateralmente; que é verde-cinzentado e dourado; que se encontra no Atlântico Nordeste, nos arquipélagos da Madeira e dos Açores e no Mediterrâneo; que é um peixe bêntico ou bentónico (termos que aquele dicionário não regista); etc.

 

[Texto 11 237]

Léxico: «russófono/ russofonia»

Num bilingue...

 

      «A Rússia é vista pela maioria dos países europeus como um adversário que procura semear o caos, com interferências que vão desde a mais directa nas eleições francesas (“a tentativa falhada mais clara de uma entidade influenciar um processo eleitoral nos últimos anos”, segundo Heather A. Conley, directora para Europa do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, com sede em Washington), até à mais subtil na Alemanha, onde as autoridades russas usaram uma falsa violação de uma adolescente russófona em Berlim para atingir a política de receber refugiados da chanceler, Angela Merkel» («Serviços secretos europeus cortam com a Áustria por ligações à Rússia», Maria João Guimarães, Público, 14.04.2019, 17h33).

      Ainda no domingo, no programa Visão Global, da Antena 1, José Milhazes, a propósito das eleições na Ucrânia, usou várias vezes a palavra, e, contudo, não a vemos no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora. «Uma parte significativa dos chamados russófonos votaram em Zelenskiy, e na segunda volta podem ficar em casa e não votar.»

 

[Texto 11 236]

Topónimos no AO90

Péssimos exemplos

 

      «E concertos de Verão são coisa que não tem faltado a Luciana Abreu[,] que tem um problema comum a muito boa gente: não gosta de acentos. Vai daí, deu um espectáculo em Pêro Pinheiro, localidade que, sem o devido acento no ‘Pêro’, deixa de ter nome de fruta para passar a parecer-se mais com um galináceo» («Redes sociais são a montra dos pontapés na gramática», Vanessa Fidalgo, «Domingo»/Correio da Manhã, 9.09.2018, p. 20).

      Fruta, galináceo? Primeiro, temos de relembrar que Pêro e Pedro ocorriam indiferentemente, e ambos provinham do latim Petrus. O topónimo tem a mesma origem. Ora, e não é a primeira vez que o afirmo, como outros autores, já na vigência do Acordo Ortográfico de 1945 não fazia sentido manterem-se estes acentos diferenciais. Sim, é certo — mas eram de regra na ortografia oficial. Vamos agora para Luciana Abreu: em que rede social viu Vanessa Fidalgo essa falta de acento? No Facebook, com data de 2 de Julho de 2018, lê-se isto em duas entradas: «Last night in PERÔ PINHEIRO-SINTRA». Mais e mais decisivo: há claramente várias pessoas a escreverem para a página da artista no Facebook, talvez da equipa de comunicação, e ora seguem uma regra ortográfica, ora outra, pelo que, ou condenamos tudo em bloco, ou mais vale estarmos calados.

      Como os nomes das localidades também são alterados com o Acordo Ortográfico de 1990, passámos a ter Armação de Pera, Foz Coa, Azoia, Troia, Pero Pinheiro, etc. Também aqui os génios que negociaram o acordo careceram de uma visão mais alargada: não há praticamente nenhuma diferença entre topónimos e antropónimos, e tanto assim é que temos antropónimos que se tornaram topónimos, e vice-versa. Logo, se, para ressalva de direitos, se veio permitir que cada qual pode manter a grafia do seu nome, o que até foi alargado a quaisquer firmas comerciais, nomes de sociedades, marcas e títulos inscritos em registo público, o mesmo se devia ter previsto para os topónimos nacionais. Assim, o que acontece? Temos metade do País a escrever «Pêro Pinheiro» e a outra metade «Pero Pinheiro». A trapalhada é tão grande, que, era inevitável, se estende aos dicionários. Num texto de apoio da Infopédia — que segue o AO90 —, lê-se «Pêro Pinheiro (Sintra)», mas no corpo do texto é sempre «Pero Pinheiro» que se lê.

 

[Texto 11 235]

Léxico: «sédia/ sediário»

Falta de acento no assento

 

      «Pela primeira vez, nos divinos corredores, caminhava um Papa que ousava falar com os guardas suíços, que recusava sentar-se na sedia gestatória (cadeira que era levada por quatro homens em ombros, como se fosse um andor), que, imagine-se a heresia, aceitava mulheres à sua mesa, ao almoço (aconteceu quando a irmã o visitou) ou, pior de tudo, tinha recusado ser coroado com uma tiara de ouro e diamantes» («Quarenta anos depois da grande conspiração», Secundino Cunha, «Domingo»/Correio da Manhã, 9.09.2018, p. 28).

      Não compreendo esta escolha — porquê «sedia gestatória»? Duas vias: sedia gestatoria ou sédia gestatória. Aqui não há terceira via. O dicionário da Porto Editora diz que «sedia» é apenas «forma do verbo sediar». Já sédia, que não acolhe, está correcto. No Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora: ✘. No VOLP da Academia Brasileira de Letras: ✔. Levada apenas por quatro homens? Hum... Na Antiguidade, quando já exista a sédia gestatória, eram doze homens, chamados sediários, que transportavam estas cadeiras.

 

[Texto 11 234]

«Vaticanício»?

Alvíssaras

 

      «Nessa perspetiva, não há como riscar do topo da lista dos suspeitos, [sic] o arcebispo Marcinkus, que estava com a cabeça a prémio por causa das suspeitas de negócios fraudulentos envolvendo o IOR, o cardeal Villot, que não suportava o pendor revolucionário de Luciani e que foi quem ordenou o polémico embalsamamento do corpo [do Papa João Paulo I], e o banqueiro Calvi que, com o seu Ambrosiano em queda livre, precisava desesperadamente do amparo vaticanício» («Quarenta anos depois da grande conspiração», Secundino Cunha, «Domingo»/Correio da Manhã, 9.09.2018, pp. 31-32).

      Nunca eu tinha visto «vaticanício» antes de ler este texto. Português não é, nem castelhano, catalão ou italiano — donde vem? Dão-se alvíssaras. Com que critério se usa uma palavra assim? Bem, em texto meu é que ninguém alguma vez vai ver «embalsamamento». Soa tão mal este «samamento»... Se temos, mais breve, «embalsamento», para quê ficar ali a patinar nas sílabas?

 

[Texto 11 233]