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Linguagista

Léxico: «desembaraço alfandegário»

Se é nosso

 

      Numa SMS, a competente DHL avisa-me de que uma encomenda que fiz chegará na segunda-feira, «sujeita a desembaraço alfandegário (se aplicável)». Não é aplicável, apesar de provir de Milão, Itália — mas a locução é analisável. Até pode ser mais usada no Brasil, mas é muito nossa (afinal, também fomos nós que o achámos) e podemos encontrá-la até em legislação sobre várias matérias. Habitualmente, usa-se desalfandegamento (ou desalfandegagem), como se sabe, mas interessa dicionarizar todos os sinónimos e variantes de todos os vocábulos. Se é nosso, tem de estar registado.

 

[Texto 11 261]

Léxico: «olho-de-pavão»

Um mundo ignorado

 

      Cláudia Costa, do Portugal em Directo, da Antena 1, estava hoje na Ovibeja, que já vai na 36.ª edição. No minidebate (por vezes, micro) que moderou, falou-se dos poucos químicos usados no olival, porque é pouco atacado por doenças. Uma das referidas foi o olho-de-pavão (Spilocaea oleagina), que os nossos queridos lexicógrafos ignoram totalmente, isto quando também designa uma planta, de nome científico Adenanthera pavonina. Há um mundo lá fora a querer entrar nos dicionários. Ouçam-no, dêem-lhe voz.

 

[Texto 11 260]

Léxico: «lusitanista»

Só visto

 

      «A época começou agitada, mas pode acabar em festa para o Lusitano de Évora. Um empate, no domingo, no Campo Estrela, frente ao União de Montemor, garante o regresso do emblema mais sonante do Alentejo ao terceiro escalão do futebol nacional. É um regresso anunciado, após uma ausência de sete anos nos escalões nacionais — ainda assim, metade das 14 épocas consecutivas que o Lusitano Ginásio Clube marcou presença na primeira divisão nacional, entre 1952 e 1966. O presidente do clube, Luís Valente, acredita que a equipa não vai falhar o objetivo. “Falta-nos um ponto para sermos campeões. A equipa está convicta de que irá ganhar o jogo e espero que todos os lusitanistas se desloquem ao Campo Estrela para dar o seu apoio, neste trajeto que tem sido extraordinário”, diz a Bola Branca» («Maior emblema do Alentejo prepara regresso ao futebol nacional», Luís Aresta, Rádio Renascença, 26.04.2019, 9h15).

      No Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, nem sequer lusitanista está registado! Noutros dicionários, não está esta acepção, portanto, não se riam: aprendam e trabalhem mais e melhor.

 

[Texto 11 259]

Léxico: «festa brava/ democrata-cristão»

Só ausências

 

      «O parlamento aprovou, esta sexta-feira, um voto de pesar apresentado pelo CDS-PP pela morte do toureiro Ricardo Chibanga, que teve um voto contra do PAN e abstenções do BE, Verdes e do deputado não inscrito Paulo Trigo Pereira. [...] “A Assembleia da República, reunida em plenário, apresenta sentidas condolências à família, mulher, filha e neto, e aos amigos e admiradores de Ricardo Chibanga”, refere o voto dos democratas-cristãos. Natural de Moçambique, Ricardo Chibanga veio para Portugal nos anos 60 do século passado, tendo sido apoiado por várias figuras da festa brava, como o matador de touros e empresário taurino Manuel dos Santos» («Parlamento aprova voto de pesar pela morte de Ricardo Chibanga. Houve um voto contra e abstenções», Rádio Renascença, 26.04.2019, 12h53).

      Lamentáveis, este voto contra e as abstenções. Vamos, porém, ao que interessa: se, por exemplo, um coreano aprendente de português encontrar a locução festa brava, a quem vai perguntar o significado? No Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora não a encontrará. (Vai deparar aqui com «festa das flores», que, como prosónimo que é, se tem de grafar com maiúsculas, Festa das Flores.) E porque não acolhe aquele dicionário o vocábulo democrata-cristão?

 

[Texto 11 258]

Léxico: «monolugar»

Quase todos

 

    «A primeira sessão de treinos livres do Grande Prémio do Azerbaijão, quarta prova do Mundial de Fórmula, em Baku, esta sexta-feira, foi cancelada devido ao “mau comportamento” de uma tampa de esgoto. Uma tampa de esgoto levantou-se e embateu na parte de baixo do bólide de George Russell (Williams), provocando danos visíveis e deixando destroços na pista. A sessão foi cancelada, para reparações. [...] O monolugar de Russell é que vai precisar de um chassis novo» («Tampa de esgoto interrompe treinos de Fórmula 1. Foi bom para as audiências da “Guerra dos Tronos”», Rádio Renascença, 26.04.2019, 12h00).

      Saltar uma tampa de drenagem numa pista de Fórmula 1! Bem, ainda eu me queixo desta miserável cidade de Lisboa... E tu, Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, ainda achas que monolugar é o «veículo, embarcação ou avião para um tripulante»? Um tripulante — e quantos passageiros? Mas isso são quase todos, com escassas excepções. É claro que a definição tem de ser revista — um ligeiro retoque.

 

 

[Texto 11 257]

«Vetar à sorte»?!

Confrangedor

 

      «A Sociedade Portuguesa de Cardiologia (SPC) adianta que o número de mortes por insuficiência cardíaca pode aumentar em 73% em 2036 e a carga da doença, que engloba os anos de vida perdidos por morte e incapacidade, vai crescer 28% relativamente a 2014. [...] “Porque ser reanimado é um direito cívico, porque não podemos ter a nossa vida vetada à sorte e porque salvar vidas pode estar nas nossas mãos, aprender Suporte Básico de Vida (SBV) é um passo para não vivermos com ‘o coração nas mãos’”, refere a SPC» («Mata até três vezes mais que o cancro da mama. E já afeta meio milhão de portugueses», TSF/Lusa, 26.04.2019, 8h26).

      Debaixo de quantos olhos — na Sociedade Portuguesa de Cardiologia, na Lusa, na TSF — passou o desconchavo sem ninguém pestanejar? Esta cultura de negligência está demasiado arreigada para mudar da noite para o dia. Mesmo com vontade, que se não vislumbra, vai demorar.

 

[Texto 11 256]

Léxico: «escalável»

Da economia

 

      Para Jonathan Haskel e Stian Westlake, há várias consequências, sociais e económicas, do capitalismo sem capital. «Há muitas! Surgem de quatro propriedades económicas básicas de ativos intangíveis: são escaláveis (um intangível como uma marca ou um design pode ser usado repetidamente sem reinvestimento); desvalorizam (se o negócio que os possui falhar, eles geralmente valem pouco — por exemplo, para um credor); têm spillovers (os benefícios muitas vezes podem acumular-se noutras empresas que não a que faz o investimento); e têm sinergias (os intangíveis geralmente são muito mais valiosos quando combinados com outros intangíveis)» («Há cada vez mais bens imateriais na economia. É possível medir este investimento?», Sandra Afonso, Rádio Renascença, 25.04.2019, 17h31, itálico meu).

      Neste sentido, escalável, que se lê com alguma frequência em textos sobre economia, não está no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora.

 

[Texto 11 255]