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Linguagista

Léxico: «ceitil»

Quem tem farelos?

 

      «Até ao seu inesperado aparecimento, apenas se tinha como hipótese que o rei D. Manuel, natural de Beja, e onde foi duque, tinha ali mandado cunhar ceitis (moedas de cobre)» («Fórum romano transformou-se num campo de papoilas», Carlos Dias, Público, 29.04.2019, p. 21). O Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, e outros dicionários, valha a verdade, despacham a coisa de uma penada: «moeda portuguesa que valia um sexto do real». E a época? O reinado? O metal? Até a etimologia (e nós) merecia outro tratamento. Como se sabe (ou não...), o nome árabe ou antigo de Ceuta era Cebta, e daí teria derivado «cebtil» e daqui «ceitil». Já agora, diga-se também que de menor valor era a mealha, moeda que valia meio ceitil. Infelizmente, nos dicionários nada aparece relacionado. Se até muitas das variantes de vocábulos aparecem sem ligação! Na peça Quem Tem Farelos?, de Gil Vicente, o escudeiro canta: «Oh pesar nunca de Deos/ vós tendes-me em dous ceitis.» Como quem diz: «Tendes-me em pouca conta.»

 

[Texto 11 281]

Léxico: «racializar»

Isso pode mudar

 

      «Em vez de racializar o Censo, seria preferível criar um observatório público do racismo e da xenofobia. Entretanto, muito pode ser feito com o que já se sabe. Por exemplo, não precisamos de estatísticas raciais para enfrentar os problemas da segregação racial em termos territoriais, por definição de grande visibilidade» («É possível combater o racismo com a classificação racial dos cidadãos?», Rui Pena Pires, sociólogo, secretário nacional do PS, Público, 29.04.2019, p. 19).

      Com que então o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora não sabe o que significa racializar...

 

[Texto 11 280]

Léxico: «simógrafo/ sismómetro»

Não tão brilhante assim

 

      Na edição de hoje do Portugal em Directo, na Antena 1, ouvi a investigadora Ana Ferreira, do University College de Londres, que dizia que é necessário instalar mais sismómetros no fundo oceânico, à volta do arquipélago dos Açores. Sim, sismómetros. Se usou esta palavra, e não «sismógrafo», não terá sido por acaso, pelo que vale a pena pesquisar em que consiste cada um deles. Para a jornalista que a entrevistou, parece ser tudo igual, pois usou ambas as palavras. O Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora dá-lhe razão, pois em sismómetro remete simplesmente para sismógrafo. Está tudo dito? Não. Num texto de apoio sobre o sismómetro na Infopédia, lê-se isto: «Um sismómetro consiste no sensor básico dos instrumentos sismográficos de que o sismógrafo e o sismoscópio fazem parte.» Ou seja, talvez não seja assim uma ideia tão brilhante remeter sem mais do primeiro para o segundo vocábulo.

 

[Texto 11 279]

Como se escreve nos jornais

É para baixo

 

      «Se Sánchez resgatou o PSOE da miséria — saltando de 85 para 122 deputados, embora sem maioria — o PP, o vencedor das eleições de 2016, afundou-se a um nível estratosférico. Talvez Pablo Casado dure, como os seus compatriotas já conseguiram noutros tempos» («A vitória de Sánchez e a força do Vox», Ana Sá Lopes, Público, 29.04.2019, p. 4).

      O ideal era tocar no ombro de Ana Sá Lopes e cochichar-lhe: «Veja lá que está a escrever uma parvoíce.» Como isso nunca acontecerá, será sempre ex post facto. Que diacho, pois se se trata de afundar! O PP, alfobre de corruptos, afundou-se a um nível batipelágico. (Ah, não olhem assim para mim, eu não tenho a culpa de os dicionários não registarem aquele sentido figurado de alfobre.)

 

[Texto 11 278]

Léxico: «terciário»

A tentação da bisbilhotice

 

      «O Papa deixou, esta segunda-feira, conselhos a cabeleireiros, barbeiros e esteticistas, durante uma audiência a membros dos comités de São Martinho de Porres, padroeiro destes profissionais, no Vaticano. [...] Na sua saudação, o Papa destacou a vida e a missão do santo peruano, falecido em 1639, que[,] por ser mestiço, foi acolhido na Ordem dos Dominicanos apenas como terciário e, depois, como irmão cooperador. [...] São Martinho de Porres foi canonizado por São João XXIII em maio de 1962 e proclamado pelo Papa São Paulo VI, em 1966, como padroeiro dos cabeleireiros e barbeiros» («Papa pede a cabeleireiros que não cedam à “tentação da bisbilhotice”», Ecclesia/Rádio Renascença, 29.04.2019, 12h44).

     No Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora não encontramos em terciário nenhuma acepção relacionada com a religião. Oh! Todavia, terciário, mesmo neste sentido, tem um sinónimo: terceiro. Ora, em terceiro aquele dicionário diz-nos que irmão terceiro é o «leigo que pertence à Ordem de São Francisco». Terciário ou terceiro é o membro de ordem terceira, isto é, ordem religiosa de leigos que segue as regras de ordem religiosa à qual é agregada. Entretanto, a definição de donato no dicionário da Porto Editora continua errada.

 

[Texto 11 277]

Léxico: «mulato»

Valha o precedente

 

      Então e não temos na doçaria tradicional de Abrantes os mulatos, bolinhos que os nossos dicionários, todos sem excepção, ao que creio, desconhecem? Felizmente, o dicionário da Porto Editora tem um bom precedente (armas contra o politicamente correcto), no homónimo «designativo de uma variedade de pêssegos, de uma casta de figos e de uma variedade de batata».

 

[Texto 11 275]