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Linguagista

Léxico: «subpopulação»

Falemos de ursos

 

      Fui dar uma pequena volta de 5 quilómetros e agora estou em condições de falar do urso-pardo. «O animal avistado na região de Sanabria “pode pertencer” à subpopulação ocidental da Cantábria, que tem cerca de 280 exemplares e a julgar pelos sinais detetados, pode ser um adulto em dispersão, de acordo com o Serviço Territorial de Meio Ambiente de Zamora. [...] Segundo o ‘site’ na internet “Portugal num mapa”, o urso-pardo é a segunda maior espécie de carnívoro do mundo, a seguir ao urso-polar (Ursus maritimus): um urso-pardo adulto em média mede 1,4 a 2,8 m de comprimento (inclui-se a cauda) quando está sobre as quatro patas e de 0,7 a 1,53 metros de altura até ao ombro, e pesa mais de 200 quilogramas para os machos e mais de 150 quilogramas para as fêmeas» («Há um urso pardo em Portugal. Há 176 anos que não era visto no país», TSF, 8.05.2019, 19h18).

      O título é um tudo-nada caricato, mas está bem. É curioso que na definição de qualquer reptilzinho ou avezinha os dicionários nos dizem peso e tamanho; para o urso-pardo, nem uma pista. Lê-se no dicionário da Porto Editora: «ZOOLOGIA (Ursus arctos) urso grande, de que há diversas subespécies encontradas na Europa, Ásia, África e América do Norte, tem pelagem castanha (pode variar desde o bege ao castanho-escuro), hábitos solitários e alimentação omnívora». Claro que, em comparação com o verbete de urso-polar, é completíssimo, até modelar: «grande urso branco, carnívoro, com patas adaptadas para nadar, que habita no pólo norte». Subpopulação também não figura naquele dicionário.

 

[Texto 11 332]

Léxico: «extra-sistolia»

Coisas do coração

 

    Parece que um espanhol viu diagnosticada uma extra-sistolia ventricular graças ao Apple Watch que usa. Não é nada de particularmente grave, sobretudo numa pessoa saudável, mas é bom saber sem se submeter a nenhum exame. Ainda que se diga, e parece que sim, extra-sístole ventricular (ESV), também designada contracção prematura ventricular (CVP), a verdade é que o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora não acolhe o termo extra-sistolia, e devia fazê-lo. Regista extra-sístole, mas, dada a definição («sístole anómala que ocorre logo depois de uma sístole normal e que altera por isso o ritmo cardíaco»), convém dispormos também de extra-sistolar.

 

[Texto 11 331]

Léxico: «semente»

Braquiterapia

 

      «Em declarações à agência Lusa, Lucília Salgado, especialista em medicina nuclear do IPO de Lisboa, explicou que nos doentes, como o de 2010, que fazem tratamentos com cápsulas de iodo 125 “as sementes ficam dentro da pessoa” e as indicações dizem que, em Portugal, esses doentes “não devem ser cremados”» («Quem fez radioterapia não pode ser cremado. Mas regras estão há quase 10 anos para sair do papel», TSF, 8.05.2019, 12h36).

      Pois, mas o problema é que não temos, nos nossos dicionários, uma acepção de semente que diga, como se lê no Merriam-Webster para seed, «something (such as a tiny particle or a bubble in glass) that resembles a seed in shape or size», quanto mais, como está nos English Oxford Living Dictionaries, «a small container for radioactive material placed in body tissue during radiotherapy». Andaremos sempre muito atrás do que se diz.

 

[Texto 11 330]

«Chi/xi» — mas «tsch»?

Ficamos à espera

 

      «Escritora… tsch... quem havia de dizer... escritora... imaginem…» Podemos ter aqui um problema. No dicionário da Porto Editora, encontramos — sugeridos por mim, tanto quanto me lembro — chi: «xi; exprime desgosto, admiração, incredulidade ou desdém; não pode ser!; como é possível!» Ora, tal como a africada t∫, que encontramos frequentamente nas Beiras, só pode ser representada por <ch>, assim também só podemos grafar a interjeição como chi ou xi. Há por aí algum linguista que não precise de fingir que está muito ocupado e nos elucide cabalmente?

 

[Texto 11 329]

Léxico: «criticidade»

Ficamos na mesma

 

      «Um grupo de físicos italianos analisou os manuscritos de Heisenberg sobre o B-VIII, e pôde concluir que os alemães estavam no caminho certo, bem perto de se tornarem um perigo nuclear. “Embora o B-VIII ainda estivesse longe do nível de criticidade (encontrava-se em k = 0,85, e tinha de atingir o k = 1), a distância para um reator sustentável era pequena. De certa forma, é estranho que lhes tenha escapado a configuração correta”, comentou o físico de partículas da Agência Italiana para Novas Tecnologias, Energia e Desenvolvimento Sustentável e principal autor da investigação, Giacomo Grasso. [...] A análise do cubo de Koeth por espetroscopia de raios gama mostra que este bloco não foi utilizado em nenhum reator que tenha atingido a criticidade necessária» («A Alemanha de Hitler esteve perigosamente perto de produzir a bomba nuclear», Catarina Maldonado Vasconcelos, TSF, 8.05.2019, 10h38).

      Claro que a nossa criticidade é demasiado difusa («característica do que é crítico», lê-se no dicionário da Porto Editora e em quase todos), remete para vários conceitos, pelo que o falante não ficará esclarecido, como sempre se espera. O Cambridge Dictionary, por exemplo, define-o assim criticality: «SPECIALIZED physics a nuclear chain reaction that is able to continue by itself, or the conditions under which this happens: A criticality can occur when too much radioactive material is placed together.» Imagino que muitos físicos portugueses prefiram o termo «criticalidade»... Por acaso, a este encontramo-lo em dois dicionários bilingues da Porto Editora. Em dois, não em todos. Demasiadas pontas soltas.

 

[Texto 11 328]

Léxico: «asinoterapia»

Sejam burros

 

      Ah, sim, já me esquecia: hoje é Dia Internacional do Burro. «Além deste trabalho, o “italiano dos burros” [Franco Ceraolo], como é conhecido na Graciosa, tem mostrado a quem passa pela ilha que estes animais têm potencial turístico para pequenos passeios, terapia (asinoterapia) ou até produção de leite como já acontece na ilha Terceira» («Trabalhou com Fellini e Scorsese. Agora, salva o burro anão dos Açores», Cláudia Arsénio, TSF, 8.05.2019, 8h30).

      Ao contrário de outras pseudoterapias — que me tenho empenhado para que a Porto Editora as repute como tal nas definições —, tudo o que envolve animais (irracionais, porque os racionais são mais perigosos) é terapêutico, e por isso recomendo que a Porto Editora acolha o termo asinoterapia. Sim, já tem hipoterapia (mas, estranhamente, nem hipoterapeuta nem hipoterapêutico), mas este é outro animal. Diga-se, já agora, que se trata do burro anão da ilha Graciosa. Curiosamente, ontem ouvi falar pela primeira vez, na rádio, da raça bovina ramo grande, também dos Açores, no caso, da ilha Terceira. Infelizmente, nada disto vai para os dicionários.

 

[Texto 11 327]

Léxico: «tricotomia»

Não em três partes, mas desfeito

 

      Como muito bem lembra o leitor R. A. — que sabe do que fala —, o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora ignora que tricotomia é também a raspagem dos pêlos que muitas vezes se faz antes de uma intervenção cirúrgica. Nem, como também verifica aquele leitor, no Dicionário de Termos Médicos a encontramos. Nesta está uma tricotomia, sim, mas que caberia igualmente num dicionário de matemática: «Divisão em três partes.» Talvez o consultor da Porto Editora fosse simplesmente aluno de Medicina, e baldas.

 

[Texto 11 326]