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Linguagista

Léxico: «biomédico»

Pois se há uma ciência...

 

      «“Temos uma equipa muito forte cá dentro. Neste momento temos cinco pessoas alocadas exclusivamente à inovação e a descobrir coisas novas, entre cientistas, engenheiros, biomédicos”, descreve Ricardo Silva, orgulhoso por ter uma empresa com 132 trabalhadores, com uma média de idades de 34 anos, onde quase um terço é licenciado (32)» («Cientistas portugueses criam “couro vegan”. É feito de serradura, cortiça e... borras de café», TSF, 12.05.2019, 11h50).

      Portanto, lá que os dicionários registem que biomédico é apenas adjectivo «relativo à biomedicina; que diz respeito à biologia e à medicina», não é para levar à letra. Como se vê, o falante sente necessidade do termo para designar o indivíduo que se especializou em biomedicina. O falante não é como o cliente, não tem sempre razão, mas, neste caso, tem carradas de razão.

 

[Texto 11 351]

Léxico: «tricotagem»

Milhares de fora

 

      «Com o projeto de poupança de água em parceria com uma ONG alemã e outra do Bangladesh, a Tintex baixou para um gasto de 473 litros para produzir a mesma peça de roupa desde o processo da fibra, fiação, tricotagem, tingimento e acabamento» («Cientistas portugueses criam “couro vegan”. É feito de serradura, cortiça e... borras de café», TSF, 12.05.2019, 11h50).

      Palavras destas faltam às centenas nos nossos dicionários. É também por isso que, no campeonato das línguas com maior léxico, não ficamos no pódio. E os regionalismos? Está uma fracção nos dicionários. Ainda agora, quando dava uma voltinha de bicicleta, ainda a minha Biomega Amsterdam com cardã (duas passagens pelo Guincho, 30,59 km), me lembrei de um: amalhofar. Citemos o Arquivo de Beja: «Amalhofar, v. t. Prov. alent. e alg. Dissimular, esconder, guardar. V. p. Acolher-se, acoitar-se, esconder-se. Amesendar-se: “logo que ele se amalhofou, encolhido de frente do pároco”. Man. Ribeiro, Planície Heroica, 119. (C. de Figueiredo, nona ed., I, 132).»

 

[Texto 11 350]

Léxico: «farelo de madeira»

Como tantas vezes, sim e não

 

      «Muito em breve comprar uma peça de vestuário em couro ‘vegan’ feito à base de borras de café, farelo de madeira e restos da produção de rolhas de cortiça vai deixar de ser uma ficção para ser uma realidade e comercializada a preços idênticos aos atuais no mercado com materiais mais poluentes ou que impliquem a morte de animais» («Cientistas portugueses criam “couro vegan”. É feito de serradura, cortiça e... borras de café», TSF, 12.05.2019, 11h50).

      É a primeira vez que deparo com a expressão farelo de madeira. Em farelo, o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora também não abre o bico acerca do assunto. Contudo, numa daquelas incoerências a que já nos habituou, herança de desleixos de anos, em serrim lemos isto na primeira acepção: «farelo de madeira; serradura».

 

[Texto 11 349]

Léxico: «infusa/enfusa»

Todos sabemos

 

      Se já Morais, Domingos Vieira e por aí fora reconheceram que se escreve, indiferentemente, infusa ou enfusa, porque é que a Porto Editora só regista «infusa»? É que depois vamos encontrar «enfusa» em livros de autores nossos contemporâneos. (Deixa ver... Coimbra, 1968.) Um dia, que já esteve mais longe (mas que, por vezes, em lampejos de bom senso, se afasta), não vamos compreender boa parte do que escreveram os nossos autores do ano 2000 para trás. Pior: os pouco atreitos a reflexões e a leituras, a maioria, vão clamar que é erro. E eu sei quem são os culpados.

 

[Texto 11 348]

Léxico: «derramado»

Pobre falante

 

      «Também encharcado, pois a água fora mais do que suficiente para molhar os dois, *** lá carregou a carroça e meteu-se a caminho de casa, pois a mãe já estaria tão derramada como a bilha com aquela demora.» O tal coreano que está a aprender a nossa língua consulta os dicionários e fica sem saber inequivocamente do que se trata. Vejamos, por exemplo, o dicionário da Porto Editora — mas aplica-se a outros dicionários. É verdade que no verbete de derramar se encontra, como verbo pronominal, com o significado de «enfurecer-se; danar-se». Muito bem. Acontece, porém, que o nosso coreano vê um adjectivo e no verbete de derramado não encontra solução para a sua dúvida — isto quando está lá uma acepção popular («atacado de hidrofobia») que deu origem àquele sentido figurado. Isto também são pontas soltas na lexicografia.

 

[Texto 11 346]