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Linguagista

Léxico: «isca»

Eles sabem

 

      O P.e Ezequiel *** anda atormentado com os ratos em casa. Agora comprou uma caixinha de veneno (ainda a chibaria vai soprar ao PAN) e preparou as iscas com queijo grana padano e pecorino. O dicionário da Porto Editora só gasta deste último (e em itálico e tudo). Pior é que as iscas que tem são só para peixes. O Cambridge Dictionary está mais informado sobre métodos rodenticidas, pois que para traduzir isca propõe «bait [noun] food used to attract fish, animals etc which one wishes to catch, kill etc.».

 

[Texto 11 364]

Léxico: «apectomia, apicectomia, apiectomia»

Facilmente se resolve

 

    O P.e Ezequiel *** queria submeter-se a uma apicectomia. Embora o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora não registe nenhuma das três variantes — apectomia, apicectomia, apiectomia —, a minha estranheza vai antes para, em ápex e ápice, nenhuma acepção dizer respeito especificamente a dentes.

[Texto 11 363]

Publicidade inteligente

Muito bem

 

      Em múpis, um pouco por todo o lado, a Century 21 tem uma frase que é um achado: «Fazemos tudo por sua casa.» Com uma pequena entorse, decerto, pois que esperaríamos antes que fosse assim: «Fazemos tudo pela sua casa.» Só que esta frase já estaria um pouco mais afastada daquela que pretendem que ecoe em nós: «Fazemos tudo por sua causa.»

 

[Texto 11 362]

Léxico: «uberizar | uberização»

Sinais contraditórios

 

      Até em livros de Direito do Trabalho vejo agora os termos uberizar e uberização. Logo agora que já não ando de Uber. Há meses. Agora o que está a dar é a Bolt, que, qual flecha ou relâmpago (a fazer jus ao nome), chega em três ou quatro minutos. Além de que a aplicação é melhor. A Kapten também não está mal. O que deixou de haver foi o requinte, as boas maneiras e a limpeza do início da Uber. Agora é difícil encontrar um motorista que conheça a cidade. Quem sabe se não precisam, todas estas empresas, a começar pela Uber, de passar por um processo de uberização.

 

[Texto 11 361]

Léxico: «helénico»

Esta é uma delas

 

      «“Confesso que não foi uma decisão fácil”, admite a jornalista [Isabel Nery]. “Eduardo Lourenço achava que não se faziam outras biografias devido ao estatuto social de Sophia, que poucos se atreveriam a aproximar-se desse mundo especial”, um mundo que não inspirava proximidade, por ser Sophia uma helénica, quase no patamar do Olimpo da literatura» («Quem era Sophia de Mello Breyner? O que revela a primeira biografia inautorizada», Catarina Maldonado Vasconcelos, TSF, 14.05.2019, 16h21).

      No Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora (e noutros também, como podem comprovar) faltam pelo menos duas acepções em helénico.

 

[Texto 11 360]

Léxico: «inautorizado»

Não autorizada

 

      «Quem era Sophia de Mello Breyner? O que revela a primeira biografia inautorizada» (Catarina Maldonado Vasconcelos, TSF, 14.05.2019, 16h21).

      Não encontrei o adjectivo inautorizado, tanto quanto vi, em nenhum dicionário. E, realmente, até custa a pronunciar. Remete-nos logo, é óbvio, para o inglês unauthorized, referido sobretudo a biografias. Não restem, porém, dúvidas, de que é português de lei, sendo por isso estranho que não figure nos nossos dicionários.

 

[Texto 11 359]

Léxico: «capitã»

Desigualdade

 

      «Trabalham centenas de mulheres no Vaticano, religiosas e leigas, para além de muitas que estão ligadas à cidade-estado por serem mulheres ou filhas de funcionários. Apesar de a maioria delas não terem experiência de desporto ao mais alto nível, há pelo menos três da equipa que já jogaram mais a sério, incluindo a capitã e ponta-de-lança Eugene Tcheugoue, dos camarões [sic]» («Vaticano lança equipa de futebol feminino. “Mesmo que percam não faz mal”», Rádio Renascença, 14.05.2019, 17h01).

      Enquanto a igualdade não chega às nossas Forças Armadas (contra este estado de coisas não há manifestações), pelo menos em contexto desportivo já se aceita a forma feminina capitã. Diga-se, porém, que os lexicógrafos também têm a sua quota-parte (precisas de uma acepção mais genérica desta palavra, Porto Editora) de culpa. Assim, no caso do dicionário da Porto Editora, a par de capitoa, termo antiquado, devia registar-se — para segurança do falante comum, que até em questões mais simples vacila e treme — o feminino capitã. (Rádio Renascença: pus um sic, mas devia ter usado dois ou mais. Assim, por exemplo, «ponta-de-lança» é só para nós, que não seguimos o Acordo Ortográfico de 1990.)

 

[Texto 11 358]

Léxico: «fossa | depressão»

Deprimente

 

      «No dia 1 de maio, o explorador [Victor Vescovo] percorreu 10.927 metros até ao fundo da Depressão Challenger, o ponto mais baixo da superfície terrestre, situado na Fossa das Marianas — só para ter uma ideia da dimensão, a profundidade desta fossa é superior à altura do Monte Evereste, a mais alta montanha da Terra» («Exploradores mergulham ao lugar mais fundo do oceano e encontram... um saco de plástico», Rita Carvalho Pereira, TSF, 14.05.2019, 12h54).

      Quanto a fossa, o dicionário da Porto Editora ainda regista a locução fossa abissal/oceânica, com a definição; já no que diz respeito a depressão, ficam algumas dúvidas, porque, em geral, uma depressão é uma cavidade pouco funda. Bem sei que há montanhas submarinas (eu completo o raciocínio: e, logo, as zonas baixas entre montanhas são depressões), mas nem sequer isso é claro nos dicionários.

 

[Texto 11 357]

Léxico: «tuteamento | voseamento»

Levar tudo até ao fim

 

      «Ou ainda esta, em que se alterna entre o tuteamento, o voseamento, o tratamento vago com sujeito indeterminado e o endereçamento a um sujeito na terceira pessoa do singular ou na terceira do plural» (Remédios Vários e Receitas Aprovadas. Segredos Vários, Anabela Leal de Barros. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2017, p. 107).

      Vamos dizê-lo do Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, embora o possamos afirmar em relação a quase todos os dicionários: estamos mal servidos neste caso concreto. De tutear, tuteio, tuteamento, só regista os dois primeiros; de vosear, voseio, voseamento, só regista o primeiro. Diacho, mas então as coisas não são para levar até ao fim? Ou soa a sereia da fábrica e já se não retoma o tamanco?

 

[Texto 11 356]