Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Linguagista

A nordeste de Londres

Não façam isto

 

      «“Cresci num pub e os meus amigos na escola eram ciganos e cockneys”. A frase foi dita por Jamie Oliver numa longa entrevista ao Financial Times e retrata um pouco do que foi a infância do chef celebridade, que nasceu e cresceu na pequena vila (ainda hoje com pouco mais de mil habitantes) de Clavering, no condado de Essex, a sudeste de Inglaterra e a nordeste de Londres» («Jamie Oliver. Uma receita de sucesso e fracasso em 10 passos», Gonçalo Correia, Observador, 21.05.2019).

      Vejamos: «a nordeste de Londres» — certo; «a sudeste de Inglaterra» — eu evitaria escrever desta maneira. (Ninguém aqui falou em delinquentes, eu é que me lembrei de que a Porto Editora apenas registou «ciberdelinquência», mas não «ciberdelinquente». Estranho mundo.)

 

[Texto 11 397]

Como se traduz nos jornais

Por vezes bem, por vezes muito mal

 

      «O que nem todos sabem é que além da cozinha, também a música era uma paixão para Jamie Oliver. A revelação foi feita pelo mesmo amigo de infância, Leigh Haggerwood: “Começámos uma banda [mais tarde, quando Oliver tinha já 14 anos] e ele tocava bateria, mas o pai dele era muito sensível, portanto garantiu que o Jamie continuava com os pés assentes na terra. Enquanto muitos de nós tinham o sonho de ser estrelas pop, Jamie foi para uma escola de cozinha. A ambição dele, quando tinha pouco mais de 20 anos, era abrir um restaurante e escrever um livro de cozinha”» («Jamie Oliver. Uma receita de sucesso e fracasso em 10 passos», Gonçalo Correia, Observador, 21.05.2019).

      O Sr. Trevor Oliver era «muito sensível» e, logo, não quis que o menino Jamiezinho fizesse barulho lá em casa. Gonçalo Correia, sensible é, em algumas acepções, um falso amigo. Aqui, quando se diz que o pai de Oliver «was very sensible», o que se pretende dizer é que era um homem sensato, com os pés assentes na terra, o que convém inteiramente a um indivíduo que serve à mesa ou ao balcão de um restaurante. Vá, agora jurem que os textos são revistos.

 

[Texto 11 396]

Pleonasmo? Ná

O mal está feito

 

      «Fiquei muito irritado quando ouvi Berardo dizer: “Eu pessoalmente não tenho dívidas.” Fiquei muito irritado, porque “eu pessoalmente” ou “na minha opinião pessoal” são daqueles pleonasmos que me esfrangalham os nervos» («Berardo, o disléxico», Tubo de Ensaio, Bruno Nogueira e João Quadros, TSF, 13.05.2019).

      Talvez João Quadros saiba, é a hipótese mais benévola e simpática, o que é um pleonasmo — mas não soube analisar correctamente a frase destacada, na qual não há nenhum pleonasmo. Espero que isto não lhe esfrangalhe os nervos, pois é apenas um forte abanão nessas convicções.

 

[Texto 11 395]

«Bertolt Brecht | Leibniz»

Eugen & Gottfried

 

      Eugen Berthold Friedrich Brecht era um inconstante e, se primeiro pensou que o h estava a mais no nome, mais tarde trocou o d por t, para ficar conhecido por Bertolt Brecht. Acontece que alguns tradutores só sabem metade da história, e escrevem sempre, são constantes, «Bertold Brecht». Outro azarado é Leibniz, não raro deturpado em «Leibnitz».

 

[Texto 11 394]

Léxico: «palheta | roberteiro»

Mais duas

 

      Hoje, José Candeias, na Antena 1, falava com alguém da Associação Cultural Alma D’Arame, entidade que organiza o Festival Internacional de Marionetas de Montemor-o-Novo, já na 12.ª edição, e a quem, no fim, lançou um desafio: falar com aquela voz característica das personagens do teatro de marionetas. O entrevistado despachou-o em três tempos: que não tinha ali a palheta, instrumento imprescindível a qualquer roberteiro. E não é que nem roberteiro nem palheta, nesta acepção, estão no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora? Pois é. Dicionários fora dos dicionários.

 

[Texto 11 393]

Léxico: «neopaganismo | neopagão»

O básico

 

      «O pessoano Richard Zenith procurará depois inventariar as diferenças entre o neo-paganismo de Pessoa, “uma religião para uso dos heterónimos, ou então para um Portugal sonhado como Quinto Império, muito longe do país real” e a intensidade com que Sophia efectivamente “sentia a presença do divino no mundo que a rodeava e na espantosa realidade imediata dos objectos”. Ou seja, Sophia seria a verdadeira neo-pagã, embora reconheça que a procura de religação e de unidade que anima a sua poesia a afastava de um paganismo para o qual – como diz “o verso que Pessoa considerava ser o mais importante de Alberto Caeiro” –, “a Natureza é partes sem um todo”» («Sophia: nada de coisas farfalhudas, nada de aldrabices», Luís Miguel Queirós, Público, 20.05.2019, p. 35).

      Agora até Luís Miguel Queirós tem dificuldades com a ortografia?... Estamos bem, estamos. No Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, nem neopagão nem neopaganismo.

 

[Texto 11 392]

Léxico: «abelhão | zângão | abelha-do-mel»

Isso é que seria estranho

 

      «Outra das confusões é na distinção entre espécies. Nessas oficinas, Andreia Valente tem uma caixa com diferentes espécies de abelhas e são poucas as pessoas que conseguem acertar qual é a abelha-do-mel. “Há confusão entre abelhões e zangões, que é o macho da abelha-do-mel”, frisa. Embora sejam parecidos, os abelhões são maiores e mais peludos do que o macho da abelha-do-mel» («Há muitas outras abelhas para lá das do mel», Teresa Sofia Serafim, Público, 20.05.2019, p. 30).

      Ora, estranho era que não houvesse confusões. Começa logo nos dicionários. No da Porto Editora, diz-se de abelhão: «1. ver zângão; 2. regionalismo ver vespão». Está tudo dito. E não regista abelha-do-mel.

 

[Texto 11 391]