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Linguagista

Léxico: «populismo»

Uma coisa de cada vez

 

      «E agora não consegue parar. Lê letreiros, cartazes, legendas, anúncios, manchetes, títulos. Com a campanha para as Europeias em marcha, pergunta-me o que significa “iniciativa”, o que é “emprego”, para que serve a palavra “imposições” e quem são os “contribuintes”. Talvez em outubro, nas legislativas, eu consiga explicar-lhe que “de-ma-go-gi-a” tem cinco sílabas e “po-pu-lis-mo” tem quatro e que uma anda de mão dada com a outra. Mas uma coisa de cada vez» («Aprender a escrever. E um obrigado à professora Maria Emília e à professora Isabel», Paulo Farinha, «DN Life»/Diário de Notícias, 28.05.2019).

      De acordo, uma coisa de cada vez: primeiro, convinha que o pai soubesse exactamente o que significa populismo. O pai e os lexicógrafos, pois que na definição de populismo falam em preconceitos e cederam eles próprios a preconceitos. Procurem saber e depois já me contam. Para já, não devem falar de ideologia, e nem talvez mesmo em doutrina ou prática política, quando não é mais do que uma estratégia discursiva de construção de uma fronteira política entre o povo, nós, e a oligarquia, eles. Pelo menos num populismo de esquerda, como o defendido por Chantal Mouffe. E mais não quero dizer.

 

[Texto 11 437]

Léxico: «kippa | quipá»

Não compreendo esta obstinação

 

      O mérito do jornal Público na luta persistente contra a maldição do Acordo Ortográfico de 1990 é inegável. Por mim, o prémio que lhe concedo é a minha assinatura permanente há anos. Com este ponto assente, devemos afirmar, por outro lado, que é quase tão infestado por erros e idiossincrasias atoleimadas como outros. Uma delas é, por exemplo, é usarem o termo estrangeiro cannabis — isto quando a generalidade da imprensa portuguesa usa o termo canábis. E por estes dias, a propósito da prevenção contra casos de anti-semitismo na Alemanha, o uso do vocábulo kippa quando quase os restantes meios optam, e muito bem, por quipá. Isto não acaba por ser uma no cravo, outra na ferradura? Porque não preferem as palavras portuguesas, caramba?

      «O Governo alemão prometeu adoptar medidas para garantir a segurança de judeus que usem a kippa (solidéu) em público, depois da admissão extraordinária do comissário para o combate ao anti-semitismo, Felix Klein, que armou no sábado que “não podia recomendar a judeus que usassem a kippa sempre e em todo o lado”» («Alemanha debate a segurança dos judeus que usam kippa em público», Maria João Guimarães, Público, 28.05.2019, p. 30).

 

[Texto 11 435]

Léxico: «quark»

E o queijo?

 

      «Murray Gell-Mann foi desencantar o nome quark, segundo dizem, a uma frase do último (e talvez o mais complexo) livro de James Joyce Finnegans Wake. Mas o importante nesta história é o facto de o físico norte-americano ter escolhido a palavra “quark” para nomear as minúsculas partículas elementares que integram toda a matéria. [...] Já dissemos que foi inspirado num romance de James Joyce que Murray Gell-Mann deu o nome ao (hoje célebre) quark. O texto referia, a dada altura, “três quarks para Muster Mark!”, continuando para uma rima com a palavra bark (latido), reforçando-se o mesmo som. O físico norte-americano agarrou-se à palavra que pode ter vários significados, entre os quais um tipo de queijo, e ao facto de a armação incluir o número “três” que, justificou, encaixava perfeitamente na forma como os quarks estão na natureza. A palavra escolhida — por causa do som, não do seu significado — foi mais importante do que parece» («Morreu o físico norte-americano que deu o nome ao quark», Andrea Cunha Freitas, Público, 28.05.2019, p. 32).

      Há muito melhores definições de quark do que a que encontramos no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, mas também não é a pior. Por isso, só pergunto: onde está o queijo?

 

[Texto 11 434]

Léxico: «sobredeterminar | sobredeterminação»

Assim não

 

      «Já nos referimos, na leitura que apresentamos do texto de Michel Pêcheux, à sobredeterminação, opondo-a à noção de determinação, entendendo essa última como a suposição de uma causalidade linear e de estrutura dual» (A Língua Que me Falta: Uma Análise dos Estudos em Aquisição de Linguagem, Maria Teresa Guimarães de Lemos. Lisboa: Mercado de Letras, 2002, p. 52).

      No ensaio que estou a rever, aparece duas vezes, para traduzir o inglês overdetermination. No Aulete, que também acolhe o verbo, aparece com três acepções, da psicologia, da filosofia e da linguística. No Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, e noutros dicionários, nem verbo nem substantivo. Diga-se, a tempo, que também existem subdeterminar e subdeterminação.

 

[Texto 11 433]

Léxico: «Touriga-Franca | Touriga-Nacional»

Até 2036

 

      Tenho à minha frente uma garrafa de Gloria, um tinto de reserva da Vicente Faria, do Douro. Uma das três castas usadas é a Touriga-Franca (30 %), que o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora desconhece completamente. Das outras duas castas, Touriga-Nacional (30 %) e Tinta-Roriz (40 %), só esta última está naquele dicionário. É um vinho que se pode guardar perfeitamente até 2036. Esperemos que antes dessa data estejam todos estes nomes nos dicionários.

 

[Texto 11 432]

Léxico: «horizontalismo | verticalismo»

Amputados

 

      É certo que, falando de movimentos como o Occupy, nascido nos Estados Unidos, mas que teve manifestações em várias cidades da Europa, em especial em Londres e Frankfurt, a autora usa o termo horizontalist («horizontalista», não hesitou a tradutora) no sentido de «a political or social theory or system that advocates the equitable distribution of power in a society», mas é estranho que o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora não registe os termos horizontalismo/horizontalista. Afinal, a oposição entre verticalismo e horizontalismo, no seio da Igreja Católica, já foi formulada no século XVIII. Pelo menos neste sentido tinha de estar em todos os dicionários, ou ficam(os) amputados de uma parte do conhecimento. Parece-me apenas uma variação da clássica contraposição entre fé e obras. Ainda hoje me lembro de quando o meu professor de História do 9.º ano me perguntou, de chofre, se se devia antepor a fé às obras, ou o contrário. Só hoje é que saberia responder que fé e obras jamais podem ser vistos como opostos, pois cada um se tornaria sem sentido sem o outro. Retomando os dicionários, só em dois bilingues é que a Porto Editora regista o termo verticalismo, na sua acepção da arquitectura. E o resto?

 

[Texto 11 431]