O órfão dos paus
À minha frente, na caixa do supermercado, estão dois adolescentes (um mais alto do que eu) com o uniforme do Planalto. As calças do alto — a fazerem lembrar o cotim cinzento das fardas da GNR de antigamente — carecem de um bom palmo de tecido, o que me deixa constrangido. Foram comprar umas porcarias para o lanche. O baixo, com aspecto de órfão dos subúrbios, queixa-se da comida saudável em casa. Brócolos e salmão, por exemplo, quando, ao chegar a casa, só lhe apetece um «hambúrguer bem nojento». O dos tornozelos desnudos pede pormenores sobre o salmão. «Biológico, do Atlântico», esclarece o órfão. Enfatiza: «Salmão biológico, do Atlântico, desse que custa 30 paus o quilo.» Aqui, desliguei, já não me interessava ouvir mais. De qualquer maneira, o mais alto já estava a enfiar o cartão bancário na carteira. Era a minha vez, e pensei: «Realmente, já tenho ouvido usar-se a palavra “paus” para referir também o euro — e não apenas, como se lê nos dicionários, o escudo.» Entretanto, já tinha devolvido dois nãos aos autómatos tatuados que nos atendem e enfiava o cartão bancário na carteira. Era a minha vez de enfrentar a onda de calor lá fora.
[Texto 11 449]