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Linguagista

Léxico: «vestível | ingerível»

É isso que querem?

 

      A Proteus Digital Health está a desenvolver uma série de ingeríveis, monitores em forma de comprimido, que o paciente engole, sem bateria, pois são alimentados pelo ácido do estômago, usados para monitorização interna. No campo da saúde, não faltam vestíveis (a começar pelo mais famoso, o relógio da Apple). Contudo, esta particular acepção de vestível está ainda arredada do dicionário da Porto Editora, e de ingerível nem vestígio. Talvez queiram que usemos wearable e ingestible. Grrrrrr!

 

[Texto 11 453]

Léxico: «telepresença»

Mais esta, da mesma área

 

      Em compensação, dou-te mais esta, para rematar um longo dia: «No lar do Centro Social e Paroquial de Santo António, em Vila Real, circulam já, junto dos idosos, dois robôs de telepresença. O objetivo dos robôs de telepresença é facilitar a comunicação entre os idosos e os seus familiares» («“Olha o robô.” O amigo tecnológico que chegou para ajudar os idosos», Paula Dias e Rita Carvalho Pereira, TSF, 28.01.2019, 12h00).

 

[Texto 11 452]

Tradução: «evidence-based medicine»

O silêncio

 

      O tradutor do livro que tenho à minha frente prefere verter evidence-based medicine por «medicina baseada em provas» e não, como é comum pelo menos entre os médicos, «medicina baseada na evidência». Como escreveu a Professora Isabel Fernandes, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, numa edição de 2014 da Revista da Ordem dos Médicos, a tradução corrente «atraiçoa o sentido do termo inglês “evidence”, o qual reclama, ao contrário do português, para ser incontestado, ser antes provado». Vá, embrulhem. Entretanto, a Porto Editora mantém-se arredada de qualquer posição ou compromisso, pois nem no dicionário bilingue nem no de língua portuguesa acolhe a locução.

 

[Texto 11 450]

Léxico: «paus | escudos | euros»

O órfão dos paus

 

      À minha frente, na caixa do supermercado, estão dois adolescentes (um mais alto do que eu) com o uniforme do Planalto. As calças do alto — a fazerem lembrar o cotim cinzento das fardas da GNR de antigamente — carecem de um bom palmo de tecido, o que me deixa constrangido. Foram comprar umas porcarias para o lanche. O baixo, com aspecto de órfão dos subúrbios, queixa-se da comida saudável em casa. Brócolos e salmão, por exemplo, quando, ao chegar a casa, só lhe apetece um «hambúrguer bem nojento». O dos tornozelos desnudos pede pormenores sobre o salmão. «Biológico, do Atlântico», esclarece o órfão. Enfatiza: «Salmão biológico, do Atlântico, desse que custa 30 paus o quilo.» Aqui, desliguei, já não me interessava ouvir mais. De qualquer maneira, o mais alto já estava a enfiar o cartão bancário na carteira. Era a minha vez, e pensei: «Realmente, já tenho ouvido usar-se a palavra “paus” para referir também o euro — e não apenas, como se lê nos dicionários, o escudo.» Entretanto, já tinha devolvido dois nãos aos autómatos tatuados que nos atendem e enfiava o cartão bancário na carteira. Era a minha vez de enfrentar a onda de calor lá fora.

 

[Texto 11 449]

Léxico: «sensorização»

Não está mal

 

   «Segundo referiu [Marina Brito, investigadora do Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia (INL), em Braga], um dos motivos da conferência [Battery Summit 2030] é conseguir que “seja um passo” para Portugal aderir ao ‘Fet Baterry 2030 Manifesto’, sendo que a comunidade científica “está focada” em quatro áreas de investigação: aceleração da descoberta de novos materiais e interfaces, sensorização inteligente e capacidade de autorregeneração, capacidade de fabrico e capacidade de reciclagem» («Lítio pode ser o petróleo de Portugal? Investigadora diz que sim», TSF, 30.05.2019, 11h32).

      O panorama, desta vez, não é assim tão mau, Porto Editora, só falta dicionarizares sensorização.

 

[Texto 11 448]

Léxico: «rebaixante»

Mais um tijolo

 

      «Em resumo: tudo nesse ser nojento me parecia ostensivo e rebaixante, até a estupidez, aliás não muito visível para os examinadores que lhe atribuíam sempre notas de «urso» — o que já nessa altura me levava a crer que, em determinadas ocasiões, a estupidez não passa da inteligência que nos falta, só acessível a alguns eleitos» (Coleccionador de Absurdos, José Gomes Ferreira. Lisboa: Moraes, 1978, p. 43).

      A Porto Editora mantém-no de reserva apenas em dois dicionários bilingues. No da língua portuguesa, nada. Acabei de o encontrar a traduzir o inglês diminishing.

 

[Texto 11 447]

Léxico: «atenazar»

Estamos a tempo

 

      «Luísa de Jesus, foi a última mulher condenada à morte em Portugal. Foi atenazada (queimada com uma tenaz em brasa) e garroteada (perfuração gradual do pescoço, com o corpo amarrado a uma cadeira), por entre os gritos e os aplausos da multidão que assistia. Estávamos no século XVIII e esta mulher de Coimbra, [sic] foi a maior homicida que o país conheceu» («Psicopatas Portugueses. Um livro para maiores de 18 com sangue nas folhas», Teresa Dias Mendes, TSF, 30.05.2019, 7h44).

      Estão a ver como os nossos dicionaristas foram imprudentes quando mandaram para o lixo certos, demasiados, verbetes e acepções? Hoje em dia, atanazar/atenazar é apenas, tirando os sentidos figurados, «apertar com tenaz». Tortura que é tortura não se limita a apertar — aperta com tenaz ardente. É assim em Morais. Se não houver aqui uma tomada de consciência (e muito trabalho), dentro de uns anos não se compreenderá metade do que se escreveu do século XX para trás.

 

[Texto 11 446]

«Hortícolas», de novo

Parece-me óbvio

 

      O escritor Joel Neto estava ontem (mas eu ouvi-o hoje) na Prova Oral. Regressou, há sete anos, ao campo, vive na Terceira, Açores. Disse que ia pouco à cidade, apenas para ir ao ginásio (vivendo no campo, precisará?) e para «comprar plantios de hortícolas», por exemplo. É um verdadeiro substantivo, não meramente um adjectivo substantivado.

 

[Texto 11 445]