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Linguagista

Tradução: «dramatically»

É dramático

 

      Seja sem dramas, mas com dureza: a forma como boa parte dos nossos tradutores verte para português o advérbio inglês dramatically é uma coisa patética e ignorante. «Dramaticamente», asseveram-nos. Sim? E o que é que isso significa num contexto, por exemplo, em que se fala de os salários serem «dramatically undercut»? Vá, usem lá a cabecinha que não morrem de cansaço — e, afinal, até são pagos para fazer isso bem feito. É também bem verdade que os dicionários bilingues estão no mesmo nível (até me acudiu, um pouco despropositada, uma frase de Camilo: «miseráveis do mesmo formato»), pois a dramatically fazem equivaler apenas «dramaticamente».

 

[Texto 11 489]

Léxico: «periimplantite | periimplantar», de novo

Prossegue

 

      A uberização da economia prossegue a bom ritmo. Agora surgiu uma mediadora virtual, a Kazzify, já chamada a Uber das casas, que cobra um valor fixo (1999 euros) em vez de uma comissão de 4 % ou 5 %, como é habitual. Para já, só tem sete apartamentos (seis em Lisboa) para intermediação. Nenhum com garagem... O conceito tem tudo para nos cativar, a começar pela visita virtual que nos permite fazer. Não me choca que a Porto Editora não dicionarize uberizar/uberização — mas que dizer da sua recusa em acolher os vocábulos periimplantite e periimplantar? Se calhar também têm dúvidas — vamos lá pôr os pontos nos ii — quanto aos dois ii. Não negues à partida uma ciência que desconheces...

 

[Texto 11 488]

Léxico: «rotinizável»

Ela teve necessidade

 

      Que queriam? No original, em inglês, está, não uma, mas muitas vezes, routinizable. A tradutora não ia pedir autorização à Porto Editora para usar a palavra. Ah, já me esquecia: encontramo-la, tê-la-á encontrado também a tradutora (se é que pensou sequer nisso), no VOLP da Academia Brasileira de Letras. A tradutora teve necessidade de a usar — um dia seremos nós. (Não foi intencional, vi agora que faz lembrar a tal parábola: «Um dia, vieram e levaram o meu vizinho, que era judeu.»)

 

[Texto 11 487]

Léxico: «bicicletário»

Podemos usá-lo

 

      «“Um dos maiores obstáculos à utilização quotidiana da bicicleta na cidade prende-se com a falta de lugares adequados para deixar a bicicleta em segurança. Os ‘bicicletários’, como também são conhecidos os estacionamentos para bicicleta, devem oferecer conforto e segurança aos ciclistas, sendo em simultâneo uma opção económica para autoridades públicas locais promoverem esta forma de mobilidade saudável, ecológica e amiga das cidades”, declara a MUBi [Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta]» («Onde posso estacionar a bicicleta? Uma ferramenta online já dá essa informação», Motor 24, 5.06.2019).

      Já está no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, como brasileirismo. Agora vamos ver a frequência de uso. Que nos faz falta, isso sem dúvida. Sempre é melhor do que «doca», por exemplo, cujo sentido, todavia, não é inteiramente sobreponível. Entretanto, já experimentei, gratuitamente, uma moto da Acciona Motosharing, que pode vir a ser o melhor serviço em Lisboa.

 

[Texto 11 486]

Léxico: «pneu»

Entretanto, pode ser corrigida

 

      «A Michelin e a General Motors, apresentaram no primeiro dia da conferência Movin’On, que decorre em Montreal, no Canadá, o protótipo Uptis, uma nova geração de pneus sem ar comprimido para veículos automóveis» («Michelin apresenta protótipo de pneu do futuro», TSF, 5.06.2019, 14h24).

      Calma, não quero já alterar a definição de pneu nos dicionários, vamos lá esperar mais meia dúzia de anos. Quanto ao Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, basta corrigir a definição, que diz isto: «aro de borracha insuflável, com ou sem câmara-de-ar, montado nas juntas das rodas de veículos automóveis, motocicletas e bicicletas; pneumático». A definição tem de ser génerica — ou nunca estará certa. Há muitos e muitos tipos de veículos fora daquela exemplificação. Para não ir mais longe, uma vez que hoje em dia estão ao virar da esquina: algumas trotinetas usam pneus com ar. Como também os têm alguns carrinhos de bebé, carrinhos de mão, etc.

 

[Texto 11 485]

Léxico: «casta tintureira»

Muito enganador

 

      «O aumento da temperatura vai prejudicar a qualidade dos vinhos, que podem ter um teor alcoólico mais elevado e uma menor acidez. Por outro lado, estão já a verificar-se outras alterações, como a redução nos compostos fenólicos, aqueles que são responsáveis pela cor dos vinhos tintos. [...] É por isso que hoje estão a usar-se mais as castas tintureiras – para compensar a falta de cor. No que toca aos vinhos brancos, o problema prende-se com a falta de acidez» («Vinho com menos cor e menor acidez. É o impacto das alterações climáticas na vinha», Manuela Pires, Rádio Renascença, 5.06.2019, 10h19).

      Tintureira está no dicionário da Porto Editora, mas não nos enganemos: não se trata do mesmo conceito. «BOTÂNICA variedade de videira (ou as suas uvas) cultivada em Portugal, que produz grandes bagos pretos, também conhecida por tintureiro». Sem querer brincar com as palavras, esta casta não é tintureira no sentido do artigo da Rádio Renascença, isto porque as uvas das castas tintureiras têm polpa escura. Se por «bago preto» (termo talvez equívoco) se entende a película, de certeza que não é tintureira, pois as uvas de película escura têm polpa clara. Exemplos de uvas tintureiras: Alicante-Bouschet, Grand-Noir, Petit-Bouschet, Teinturier, Gamay-Teinturier, Royalty, Rubired. Entre nós, a casta Vinhão, ou Sousão, de uva preta (que o dicionário da Porto Editora acolhe), é usada para esse fim, apesar de ter polpa levemente rosada. Por fim: de certeza que a definição de casta naquele dicionário está correcta? Não me parece, mas ajuíze cada um por si: «(enologia) qualidade aromática que cada uma das variedades de uva transmitem ao vinho que originam».

 

[Texto 11 484]

Vanzeleres

À altura dos olhos

 

      Um amigo meu, poeta e, logo, atento a estas questões da língua, esteve recentemente no Porto e ali nas imediações da Casa da Música não resistiu a fotografar uma placa toponímica: Rua dos Vanzeleres. Afinal, era por ali que existia uma extensa quinta que pertenceu a um holandês de apelido Van Zeller, que se estabelecera no Porto no século XVII e deu origem a uma família que se tornaria preponderante no comércio do vinho do Porto. Conclusão? Nas paredes de editoras e redacções devia estar pendurada, à altura dos olhos de jornalistas e editores, uma réplica ampliada daquela placa. Evitaria muitos erros estúpidos.

 

[Texto 11 483]

Cupão, Timor-Leste

Tudo como dantes

 

   Publicado há duas horas: «Air Timor e indonésia Transnusa anunciam para junho voos entre Díli e Kupang» (Observador, 5.06.2019).

      A ignorância é uma coisa muito triste: então agora é Kupang (como podia ser Koepang), quando há séculos dizemos Cupão? Já ocorreu a alguém contratar revisores competentes para a Lusa? E em ler qualquer coisinha, já pensaram? Nos jornais, continuam a colar simplesmente as notícias que recebem das agências, sem nenhum trabalho de edição. Venham cá depois falar-me em edições premium.

 

[Texto 11 482]

Provérbios e aspas

Já que não perguntam

 

      Uma coisa que me irrita muito é ver provérbios e ditos populares entre aspas. Qual o objectivo? Julgam estar a citar alguém com direitos de autor? Raciocinem, caramba! Não sei quê, «would be to let the tail wag the dog» fica logo no envoltório asséptico «equivale a “pôr o carro à frente dos bois”». Nas traduções, é todos os dias.

 

[Texto 11 481]

Léxico: «leão-africano»

Mais rigorosamente...

 

      «Entre os dias 5 e 10 de junho, o Jardim Zoológico [de Lisboa] assinala a Semana do Ambiente, com a apresentação das três crias de leão-africano (“Panthera leo”) ao público» («Já conhece os novos bebés do Zoo? Crias de leão-africano vão animar visitas esta semana», Marta Grosso, Rádio Renascença, 4.06.2019, 15h48).

      Nos nossos dicionários, só leão-americano, que é o puma. Panthera leo é o nome científico que vamos encontrar no verbete de leão. Perdemos sempre qualquer informação.

 

[Texto 11 480]

Léxico: «americo-coreano»

E muitas outras

 

      Ontem fui ver o concerto de Eric Nam no Estúdio da Time Out. (Experimentem ter uma filha pré-adolescente, e logo verão como é.) Este ícone da k-pop é americo-coreano. Há outros famosos americo-coreanos. Ora, no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, se encontramos o elemento de formação americo- (mas no Aulete está américo-), não vemos nem sequer um termo composto para amostra ­— como americo-coreano. E depois temos, atenção, américo-central, américo-meridional, américo-setentrional, que a Porto Editora não regista, mas dos quais Rebelo Gonçalves, da era da esferográfica e do papel, não se esqueceu. Nem americófobo, americanidade ou americomaníaco... É isso, não levam tudo até ao fim, cansam-se, aborrecem-se, desistem. E são pagos.

 

[Texto 11 479]