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Linguagista

Léxico: «mucinoso»

Três vezes errado

 

      «Entre as lesões, há os quistos que por definição são tumores benignos cheios de uma substância líquida ou mole. E, entre estas lesões, há ainda um subtipo que são os quistos mucionosos, que, como o nome parece sugerir, são formados por uma espécie de muco e que são os que geralmente podem evoluir para cancro. O trabalho agora apresentado na revista Gastroenterology é especificamente sobre estes quistos mucionosos. [...] “É mais um biomarcador que poderá ser útil. Este consegue identicar lesões quísticas mucionosas de alto risco”, comenta [o médico e investigador] Pedro Moutinho Ribeiro» («Biomarcador assinala quistos de alto risco para cancro no pâncreas», Andrea Cunha Freitas, Público, 6.06.2019, p. 41).

      Não pode ser, e não se torna mais correcto pode estar três vezes assim. Se vem de «mucina», só podia ser mucinoso. O Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, se regista mucina, esquece-se de mucinoso. Como também se esqueceu dele Sacconi, e no Houaiss (Lisboa, 2003) também não o encontro. O médico também errou, ou foi a jornalista que transcreveu mal? E porque não confirmou? Se o confirmou, que dicionário consultou? Vendo bem, talvez o erro esteja na interpretação do que se lê naquela edição do Houaiss sobre o elemento de formação: «muc(i/o)». Já estou a ver os estragos que isto pode fazer nos que não estão habituados a consultar dicionários.

 

[Texto 11 496]

Léxico: «tigre-dentes-de-sabre»

Como os dinossauros

 

     Não quero que se transforme num tratado de paleomastozoologia (vocábulo que também não acolhe), mas gostava, naturalmente, que o dicionário da Porto Editora registasse o termo tigre-dentes-de-sabre (Smilodon populator), um felídeo do tamanho de um leão que tinha duas afiadas presas que pareciam autênticos sabres, e que caçava das planícies da América do Norte até as da Argentina. O argumento é sempre o mesmo: também já não existem dinossauros, e estão nos dicionários. Quanto ao tigre-dentes-de-sabre, com tantos milhares de homícidios no Brasil, até parece que ainda andam por lá umas quantas alcateias à solta.

 

[Texto 11 495]

«Não bate a bota com a perdigota»

Talvez estejamos enganados

 

      Mais um mistério, não da língua, mas dos nossos dicionários: como é que o vocábulo perdigota, a perdiz nova, não aparece dicionarizado ou, naqueles em que está, aparece logo ligado ao conhecido prolóquio, para usar o termo de Bulhão Pato? Não percebo. Aparece o masculino, como é habitual, objectar-me-ão. Sim, mas por que razão no dicionário da Porto Editora aparece somente como forma do verbo perdigotar? O que, a meu ver, também merece reflexão é a afirmação de Bulhão Pato (1828-1912) de que «o povo, e muita gente boa, corrompe o prolóquio quando repete: “Não diz a gota com a perdigota”». Faço a pergunta de forma oblíqua: «bota» rima com «gota»?

 

[Texto 11 494]

Léxico: «cegada | segada»

As confusões do dia-a-dia

 

      «Em destaque, e em termos de gastronomia, vai estar o projeto Alfândega da Fé à Mesa, através do qual os visitantes poderão apreciar pratos típicos, como a caldeirada de cabrito e cordeiro grelhado na brasa, posta de vitela ou as sopas das cegadas nos restaurantes e tasquinhas presentes no recinto, bem como nos restaurantes locais aderentes à iniciativa» («Cereja é a rainha da festa em Alfândega da Fé», Olímpia Mairos, Rádio Renascença, 6.06.2019, 6h48).

      Há de tudo, cegos e videntes. E é Olímpia Mairos das melhores na RR. Mas há-de ser obstinada ou alheada como outros jornalistas, porque já lhe tenho apontado erros que não corrige. É sopa das segadas, isto é, das ceifas, comida pelos segadores no campo.

 

[Texto 11 493]

Plural: «social-democrata | sociais-democratas»

Tem de ser explícito

 

      «Na sequência de depurações ao mais alto nível, os partidos sociais-democratas de Leste, tal como outros, aceitaram o estatuto de meros instrumentos dos partidos comunistas» (Socialismo sem Dogma, Sottomayor Cardia. Lisboa: Publicações Europa-América, 1982, p. 116).

      Há coisas que não podem ficar na sombra: bem sei que a opção da Porto Editora é a de pluralizar — como eu faço e defendo — em sociais-democratas tanto o adjectivo como o substantivo, mas tem de o fazer, para se tornar verdadeiramente útil, como decerto será o seu escopo, explicitamente. Dúvidas já os falantes têm, e não são poucas, agravadas por aqueles que vêm deliberadamente, a coberto do anonimato, sugerir o contrário do que eles próprios fazem.

 

[Texto 11 492]

Léxico: «digitalização»

Uma densa nebulosa

 

      «O plano de digitalização e otimização de processos da Volkswagen prevê até 2023 a destruição de até 4.000 postos de trabalho em unidades “não produtivas”, ou seja, a Autoeuropa não está incluída na redução. O grupo prevê, por outro lado, a criação de pelo menos 2.000 novos empregos digitais» («Milhares ficam sem trabalho», Destak, 6.06.2019, p. 5).

      Por coincidência, estou a rever uma obra em que se fala muito desta digitalização — que ainda não chegou, tanto quanto vejo, a nenhum dicionário nosso. Em inglês, há três termos, que por vezes também são confundidos: digitization, digitalization e digital transformation. Até nos nossos dicionários bilingues é tudo ainda, e sem desculpa, uma densa nebulosa. Há aqui trabalho para fazer, ou os leitores, os falantes não farão a mais pequena ideia do que se trata.

 

[Texto 11 491]