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Linguagista

Léxico: «pedofilia»

Pode ser-se mais preciso

 

      «A informação é avançada por Ricardo Barroso, professor auxiliar da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e membro do Laboratório de Investigação em Sexualidade Humana da Universidade do Porto. No próximo ano, vai avançar em Portugal um programa destinado a ajudar pedófilos a controlar os seus ímpetos. [...] Destina-se a pessoas que sofrem de pedofilia (atracção por crianças pré-púberes) ou hebefilia (atracção por púberes ou recém-púberes) e que desejam ajuda para controlar impulsos, para nunca passarem à prática» («Pedófilos vão ter ajuda para evitar que cometam crimes», Ana Cristina Pereira, Público, 11.06.2019, p. 17).

      Pode supor-se que a segunda acepção de pedofilia no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora é a definição legal — ou o mais parecido: «prática de actos sexuais com crianças, considerada crime». Pois a lei, que nunca usa o termo «pedofilia», estatui que há crime de abuso sexual de crianças se o acto sexual de relevo (ou a tentativa, que é também punida) for praticado com menor de 14 anos. Tenho de convir que num dicionário geral da língua não podem estar todos estes pormenores, mas é sempre possível redigir uma definição mais precisa. A primeira acepção é a genérica, desligada da valoração jurídica: «atracção sexual patológica de um adulto por crianças». É uma doença ou parafilia, mas já foi considerada uma perversão.

 

[Texto 11 524]

Léxico: «orelha-de-judas»

Mais pedaços de Judas

 

      Já tínhamos cu-de-judas (que os pândegos do Acordo Ortográfico de 1990 transformaram na própria pousadeira de Judas), mas agora estamos perante um cogumelo — orelha-de-judas (Auricularia auricula-judae), um cogumelo com cerca de 0,2 cm de espessura (até nisto semelhante à cartilagem da orelha do traidor). Tem coloração acastanhada (no que difere da orelha do tal, suponho) e é de consistência elástica e gelatinosa. Não está no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora — nem noutros que se gabam de ter tudo e mais alguma coisa.

 

[Texto 11 523]

Ortografia: «xadrez»

E não se corrige?

 

      «Sem se assumir como líder de um partido anti-PAN, Santana Lopes mostra atenção à última surpresa do xadrês partidário nacional e, embora defenda os valores e tradições portugueses, admite que nos eventos polémicos que envolvam a utilização de animais, o Aliança será “liberal”: “Não gostamos de proibições”, afirma» («Santana escreve às “Aliadas” e “Aliados” e admite “referendos locais” sobre touradas», Ângela Silva, Expresso, 10.06.2019, 20h11).

      A jornalista Ângela Silva está quase a escrever em tétum: nesta língua é que se escreve xadrés. Em português é xadrez, como tinha obrigação de saber. (E tão boa mnemónica que proporciona.) Já tenho deparado com o erro, é verdade, mas num jornalista é sempre mais grave.

 

[Texto 11 522]

Léxico: «cármen»

Mais atenção e cuidado

 

      Há várias espécies (ou subespécies?) de ignorantes, e uma delas é a que escreve — por exemplo — Hélder sabendo que aquele a quem se dirige ou de quem fala tem, ou pelo menos assina, o nome sem acento, Helder. Passei agora mesmo pela Avenida Emídio Navarro, aqui em Cascais, e na parede de um prédio está uma placa de homenagem a «Cármen Dolores», que ali viveu. (Não muito longe, fica a Casa do Dragão, onde Gaspar Simões viveu quinze anos.) Ora, pelo que vejo em todo o lado, o nome da actriz não tem acento, é Carmen (como Carmen Miranda). A propósito, por que razão o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora não regista o nome comum cármen (este sim com acento), que até nos acordos ortográficos aparece? Não, não chega carme.

 

[Texto 11 521]