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Linguagista

Léxico: «ossada | restos mortais | cinzas»

Pensemos nisto

 

      «O relicário com os restos mortais do beato Bartolomeu dos Mártires foi roubado na terça-feira da igreja de São Domingos, situada no centro de Viana do Castelo, disse esta quarta-feira à Lusa o pároco Vasco Gonçalves» («Relicário com ossadas de Bartolomeu dos Mártires roubado de igreja de Viana do Castelo», Observador, 12.06.2019, 12h09).

      «Ossadas»? Ossada, meus meninos, é um substantivo colectivo — como meninada, papelada, etc. Sim, é verdade que no artigo usam «ossada», mas o título tem uma importância crucial, e está errado. Para Fr. Bartolomeu dos Mártires ter ossadas, tinha de ter mais do que um esqueleto. Quanto a considerar «restos mortais» sinónimo de «ossada», tenho as minhas dúvidas. O dicionário da Porto Editora, entre outros (que nisto todos se copiam), diz que restos mortais é o «cadáver ou cinzas de alguém». Não será antes simplesmente sinónimo de «cadáver de alguém»? Alguém morre num acidente, por exemplo: fica ali um cadáver, os restos mortais. Teremos cinzas depois de cremado, ou ossada depois de parte do corpo ser consumido com a inumação. Por fim, uma palavrinha sobre a ilustração do artigo: se a notícia é sobre um acontecimento na Igreja de São Domingos, em Viana do Castelo, porque usam uma imagem da Sé da Guarda?

 

[Texto 11 529]

Ortografia: «corte»

Os erros dos que chegam agora

 

      «Henrique Raposo critica ainda aquilo a que chama “as portas giratórias da côrte lisboeta”: “são sempre as mesmas pessoas que almoçam nos mesmos sítios que se convidam uns aos outros”» («Sócrates, Berardo, a banca. “As portas giratórias da côrte lisboeta”», Rádio Renascença, 12.06.2019).

      A Rádio Renascença tem muito disto, talvez até mais do que outras — são os restos das rádios ágrafas, como já aqui escrevi. Era bom que ainda houvesse esses acentos diferenciais (assim como também o trema seria bem-vindo) para distinguir certas homógrafas, errar-se-ia muito menos na pronúncia. Agora, Rádio Renascença, seja para reis, seja para animais, seja forma verbal, é sempre e só corte. Só varia a pronúncia.

 

[Texto 11 528]

Léxico: «ciberpsicologia»

Já por aí anda, sim

 

      «Com a tecnologia a ter um papel de crescente relevo no dia-a-dia de muita gente, também a psicologia, ciência que estuda o comportamento e processos mentais das pessoas e grupos sociais, precisou de ‘dar o salto’ para acompanhar o progresso tecnológico. Nascia assim a Ciberpsicologia, “uma área emergente na ciência psicológica”, explicam as coordenadoras deste livro [Intervenção em Ciberpsicologia, Pactor, 2019], que conta com o contributo de profissionais de diversas áreas científicas, desde a oncologia até à intervenção psicológica» («Ciberpsicologia. Tecnologia quer ter palavra a dizer no mundo do tratamento psicológico», Cátia Rocha, «DN Insider»/Diário de Notícias, 12.06.2019).

 

[Texto 11 527]

Léxico: «sociedade veículo»

Não hão-de querer saber

 

      «A operação de concentração, notificada há mais de uma semana, dia 3 de junho, consiste na compra de 100% do capital da Malo Clinic pela sociedade de capital de risco Atena, através da sociedade veículo Risus Value, terminando ontem o prazo de 10 dias para eventuais interessados enviarem à AdC [Autoridade da Concorrência] observações acerca da operação. De lembrar que há duas semanas, o grupo Malo Clinic anunciou a venda ao fundo gerido pela Atena Equity Partners, escusando-se a divulgar o valor do negócio» («Compra da Malo Clinic notificada», Destak, 12.06.2019, p. 9).

      Não há nenhum dicionário que nos diga o que significa sociedade veículo, e os jornalistas não sabem ou não querem explicar.

 

[Texto 11 526]

Consoantes mudas

Para começar o dia

 

      «No português do Brasil, praticamente não temos consoantes mudas. Já em Portugal, o número dessas consoantes mudas é grande» (Gramática da Língua Portuguesa para Leigos, Magda Bahia Schlee. Rio de Janeiro: Alta Books, 2017, p. 363).

      Ainda bem que é para leigos. Alguém sabe o que é uma consoante muda? Pode responder a menina Porto Editora: «designativo do som que não se pronuncia». Não se me afigura nem muito técnico nem, o que é pior, muito rigoroso. Não é o grafema a unidade básica da palavra escrita, como o fonema é a unidade básica da palavra falada? Então, não faltam formas nem termos para definir correcta e claramente mudo nesta acepção linguística.

 

[Texto 11 525]