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Linguagista

Léxico: «barata-alemã»

Simplesmente barata

 

      «As baratas alemãs [Blatella germanica], as mais comuns no mundo, vivem exclusivamente em ambientes humanos e podem transportar organismos patogénicos, como salmonella, enterococcus, e. coli, outros micróbios resistentes a antibióticos» («É cada vez mais difícil matar uma barata», Marta Grosso, Rádio Renascença, 3.07.2019, 16h39).

      Sim, barata-alemã, mas nos nossos dicionários só se vê barata. Dedicando-se Marta Grosso «mais às áreas de saúde e sociedade», menos desculpável é que não saiba escrever como deve ser: Salmonella, Enterococcus, E. coli. E, claro, barata-alemã.

 

[Texto 11 674]

À volta da fechadura

Pequenos problemas

 

      Sobre fechaduras e chaves no dicionário da Porto Editora. Em canhão, lê-se que é a «peça da fechadura onde entra a espiguilha da chave», mas em espiguilha não encontramos nenhuma acepção relativa a chave. Em segredo, também não deparamos com nenhuma acepção referente a fechadura. Aliás, em nenhum dicionário. Em testa, não vamos encontrar nenhuma acepção respeitante a fechadura, e contratesta nem sequer está dicionarizado. Belo panorama, sim senhor.

 

[Texto 11 673]

Léxico: «hílico»

Também da filosofia

 

      Ah, a origem da substância psíquica e hílica da... Alto! Hílico também não está no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora. Provém do latim tardio hylicus, do grego ὑλικός (hylikos), que, por sua vez, provém de ὕλη (hylē), «madeira». No gnosticismo, significa corpóreo, material. Por acaso, temos palavras desta família naquele dicionário, e desde logo o elemento de composição hile-, «elemento de formação de palavras que exprime a ideia de madeira, matéria, substância». Como termo da filosofia, acolhe também hilé: «FILOSOFIA (Husserl) matéria da sensação como dado puro, antes da intervenção da actividade intencional do espírito, que lhe confere um sentido».

 

[Texto 11 672]

Léxico: «sarcófago»

Carne sem carne

 

      «O novo sarcófago construído para confinar o reator número 4 da central nuclear de Chernobyl foi oficialmente apresentado ao público pela primeira vez esta terça-feira» («Novo sarcófago de Chernobyl apresentado ao público pela primeira vez», Carolina Rico, TSF, 3.07.2019, 10h29).

      Pois, o problema é que nem todos os leitores vão perceber. «Sarcófago?», dirão para si mesmos. A imprensa anglo-saxónica já fala há algum tempo em sarcophagus, «(informal) The cement and steel structure that encases the destroyed reactor at the power station in Chernobyl, Ukraine» (in Your Dictionary). Se servir — e tem de servir — para todos os casos, e não apenas para o desastre ucraniano, muito bem. Anteontem, falei aqui no adjectivo sárquico, entretanto dicionarizado. Ora, sarcófago tem em parte a mesma raiz grega (σάρξ [sarx] = carne, φάγος [phagos] = comer). Vamos interligando tudo.

 

[Texto 11 671]

Léxico: «messaliano | euquita | borborista | messalianismo»

O lodaçal

 

      Na literatura heresiológica, também são frequentemente citados os messalianos (do siríaco misalleyanne, «aqueles que rezam»), ou euquitas, uma seita herética monástica da Ásia Menor dos séculos IV e V, e cuja repercussão se estendeu até ao século IX. Ensinava que, pelo pecado de Adão, se unira à alma do homem um demónio que não era expulso pelo baptismo, mas somente pela contínua oração e mortificação. No fim, eram tão desregrados e dissolutos, que lhes deram o nome de borboristas (do grego borboros, «lodaçal» — de cuja família temos pelo menos mais uma palavra, borborigmo/borborismo, uma coisa bem desagradável). Na Infopédia, só num dicionário bilingue encontramos messaliano.

 

[Texto 11 670]

Léxico: «faustiano»

Para uma definição ideal

 

      O texto fala numa «atitude faustiana» do protagonista, mas é claro que, pela consulta do respectivo verbete no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, o leitor menos preparado não vai ficar a compreender: «relativo a ou próprio de Fausto, personagem de uma das obras do escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe; fáustico; faustino». Talvez devamos começar por contestar a afirmação de que é relativo à personagem goethiana: na verdade, Fausto (do latim Faustus, «o preferido», o que a nota etimológica devia indicar) é uma personagem histórica que se tornou lendária e conhecida sobretudo como protagonista do poema dramático homónimo daquele escritor alemão. Uma definição que fundisse aquela informação mais abrangente e histórica com a definição do Diccionari.cat seria perfeita: «adj Relatiu al Faust de Goethe i a l’actitud representada pel protagonista, caracteritzada per l’avidesa de viure, el terror del més enllà i per la preocupació per la presència del diable en la vida de l’home.»

 

[Texto 11 669]

Léxico: «acósmico»

Falta este

 

      «Não admira, entretanto, que os homens que consideram o seu acosmismo ou um momento acósmico da sociedade humana com hipnose, sem a visão do que antecede e do que segue, venham a ver decadência no que não é decadência» (Ensaios de Aprofundamento e Outros Textos, José Marinho, ‎Jorge Croce Rivera. Lisboa: INCM, p. 217).

      O Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora apenas regista os termos, da mesma família, acosmismo e acosmístico.

 

[Texto 11 668]