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Linguagista

Léxico: «haplogrupo»

Não se avista

 

      «Que resultado deu? “O seu haplogrupo [grupo de indivíduos com o mesmo ancestral materno] é o X2b que se situa no Médio Oriente — Israel, Líbano, Iraque. Este grupo migrou há 14.600 anos e é uma das migrações mais recentes do Neolítico”» («Afinal, de onde viemos?», Vanda Marques, Sábado, 30.05.2019, p. 88).

      Nos nossos dicionários é que nem vestígio da palavra, embora não nos faltem vocábulos em que entra o elemento haplo-, que exprime a ideia de simples.

 

[Texto 11 713]

Léxico: «lamassaria»

Evitará mais erros

 

      «Mas esse fechamento, tão bem comparado mais tarde,  por Oliveira Martins, ao de uma “lamassaria” e Portugal a uma espécie de Tibete europeu, era, no outro lado do Atlântico, lenta construção de um futuro país-continente, de onde nos finais do século XVII, nos viria um ouro mal e bem empregado (do ponto de vista da metrópole), e, no inteiro espaço português, em termos de cultura, condição daquilo que é, a vários títulos, a mais original manifestação estética portuguesa: o barroco» (Portugal como Destino: seguido de Mitologia da Saudade, Eduardo Lourenço. Lisboa: Gradiva, 1999, p. 25).

      Sim, lamassaria, o mosteiro de monges budistas no Tibete. Se estivesse nos nossos dicionários, era mais provável que não o escrevessem como vi agora numa tradução: «lamasseria».

 

[Texto 11 712]

Léxico: «caldar»

Conjugado diariamente

 

      «O verbo “caldar”, conjugado diariamente na zona, serve de desbloqueador de conversa. [O psiquiatra] Luís Patrício recorre à gíria para interpelar os toxicodependentes e perceber o nível de consumo abusivo deste tipo de fármacos. “Tu caldas azulinhos?”, pergunta» («Eles andam a chutar comprimidos», Raquel Lito, Sábado, 30.05.2019, p. 79).

      Pois é, Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, caldar não é apenas «deitar calda de cal em».

 

[Texto 11 711]

Léxico: «policonsumo»

Ainda arredado dos dicionários

 

      «Tão perto e tão longe dos metros quadrados mais caros da cidade, muitos escondem-se na vegetação em declive para fazerem do policonsumo (heroína + cocaína + metadona + benzodiazepinas) a rotina diária» («Eles andam a chutar comprimidos», Raquel Lito, Sábado, 30.05.2019, p. 79).

 

[Texto 11 710]

Léxico: «castanha»

Fica explicado

 

      «Está relativamente calmo, uma vez que o efeito é sedativo e a dose bastante mais barata do que a de “cavalo” ou da “castanha” (heroína injetada, a 10 euros o grama)» («Eles andam a chutar comprimidos», Raquel Lito, Sábado, 30.05.2019, p. 78).

      O Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora é inocente, não sabe nada disto.

 

[Texto 11 709]

Léxico: «urbano-depressivo»

Só que reparamos

 

      «Os diferentes grupos que convivem nas arcadas cruzam-se, falam-se, mas mantêm distâncias relativas. Apenas há dois conjuntos de grupos que parecem ser significativamente rejeitados pelos jovens das arcadas: os corriqueiros (dada a vida regrada que levam) e os grupos neonazis, rotulados de urbano-depressivos, estes últimos com fraca na zona» (Culturas Juvenis, José Machado Pais. Lisboa: INCM, 1993, p. 178).

      Existe, usa-se (ainda recentemente, foi assim que Miguel Sousa Tavares descreveu os votantes do PAN), mas os lexicógrafos acham que o melhor que podem fazer é assobiar para o lado. Pode ser que ninguém repare.

 

[Texto 11 708]

«Bossa nova | João Gilberto»

Actualização e coerência

 

      «O génio de João Gilberto, lado a lado com o de Tom Jobim, domou o samba inflamado, adoçou o jazz e concebeu a bossa nova, conquistando o mundo e, não raras vezes, dividindo o Brasil» («João Gilberto, louco de perfeição», Sérgio Costa, Rádio Renascença, 7.07.2019, 11h26). Podemos tomar este primeiro parágrafo deste artigo como ponto de partida. Assim, para começar, o artigo de apoio da Infopédia já pode acrescentar o ano da morte do músico brasileiro, mas, sobretudo (estamos no Linguagista), corrigir a ortografia: «Cantor e violonista brasileiro, João Gilberto nasceu em 1931, em Juazeiro, no Brasil. É considerado por muitos o criador da bossa-nova, estilo caracterizado pela contenção sincopada dos acordes de guitarra e pela vocalização intimista.» Sim, corrigir, porque entra em contradição com o que o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora regista a propósito de bossa-nova: «adjectivo de 2 géneros e 2 números relativo a ou próprio da bossa nova». É só? Não: porque não indicam a etimologia de «bossa nova»?

 

[Texto 11 707]

Léxico: «morcego-rato-pequeno | morcego-rato-grande»

Vamos protegê-los

 

      «Muitos turistas nem se apercebem mas a igreja destaca-se mais por outros motivos e não tanta [sic] pela sua beleza estética [sic] ou peso histórico: abriga, na verdade, e já desde 1940, uma larga comunidade de morcegos-de-orelhas-de-rato, a quem foram concedidas medidas de protecção  (com sucesso) durante as grandes obras de restauro da igreja conheceu entre 1991 e 1994, agora sob a responsabilidade do arquitecto suíço Walter Bosshart» («O pequeno país das grandes caminhadas», Sousa Ribeiro, «Fugas»/Público, 6.07.2019, pp. 13-14).

      O nome correcto, segundo fontes institucionais fiáveis, é morcego-rato-pequeno (Myotis blythii), que vive em colónias no Algarve e em Trás-os-Montes, mas é esporadicamente encontrado, à semelhança de outras espécies, em grutas e minas de outras regiões do País. Até para especialistas é difícil distingui-lo do morcego-rato-grande (Myotis myotis), tanto mais que há também casos de hibridação. O Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora não o regista nenhum deles.

 

 

[Texto 11 706]

Como se escreve por aí

Enxerguem-se

 

      Tenho um agregador de notícias que, como qualquer rede lançada ao mar, traz peixe, mas também, enredado, vem muito lixo. As mais ridículas — estão a ouvir? — são da Selfie by TVI e, para minha higiene mental, acabei de as bloquear. Um exemplo, repetido diariamente: «Maria Cerqueira Gomes partilha foto rara e comovente com o filho», assinada por um tal Igor Pires. Foto rara... é como se se referisse a uma foto de Anastásia Nikolaevna Romanov. Se o ridículo matasse...

 

[Texto 11 705]

Léxico: «benzocaína»

De amador

 

      Só vamos encontrar o termo benzocaína no Dicionário de Termos Médicos da Porto Editora, mas a definição não me parece lá muito científica: «Pó branco com propriedades anestésicas de superfície (feridas, faringites, laringites, hemorroidas, etc.).» Não só devia, como me parece óbvio, estar no dicionário geral, como a definição tem de substituir aquele «pó branco». Algo como isto: «Éster cristalino branco C9H11NO2 usado como anestésico local (feridas, faringites, laringites, hemorroidas, etc.).» E a etimologia: «De benzo- + (co)caína». Não vale a pena assustar o leitor dizendo-lhe que, usada como tópico na boca (mas não na vagina, por exemplo), pode causar metemoglobina.

 

[Texto 11 704]

Mascate e Cassapo

Isso nos folhetos

 

      «Essa viagem ia começar em Abu-Dhabi, passar por uma ilha de águas azul-turquesa, parar em Omã para duas visitas de médico a Muscat e Khasab (ambas com dedo português na sua história) e por fim demorar-se um pouco mais (na linguagem dos cruzeiros demorar é ficar mais do que umas horas no porto) no Dubai, antes de regressar a Abu Dhabi» («Um mundo no meio do mar», Ângela Marques, Sábado, 30.05.2019, p. 38).

      Dedo português que a jornalista apaga diligentemente ao limitar-se a ler os folhetos da MSC. Para nós, é Mascate e Cassapo (ou Caçapo). Não têm respeito nem orgulho na História e na língua.

 

[Texto 11 703]

«Capitã Marvel»

Mas cuidado

 

      «Teve a melhor estreia de sempre de um filme protagonizado por uma mulher, no caso a oscarizada Brie Larson: 404 milhões de euros no mundo, 561 mil em Portugal. É de propósito que escrevo no feminino o título da obra, que foi mal traduzido no nosso país» («Capitã Marvel», Pedro Cordeiro, «Revista E»/Expresso, 16.03.2019, p. 10).

      Também eu, quando me deram a rever um editorial em que o autor usara o título Capitã Marvel, deixei passar, o que só pode ter um objectivo pedagógico, mas nada de abusos. Sim, deve dizer-se capitã, já o defendi mais de uma vez. (Mas não vão defendê-lo para nenhuma escola militar, por exemplo.) O título é mesmo Capitão Marvel. Isto faz-me lembrar uma prática muito estúpida dos que aplicam o AO90 e citam qualquer texto que não segue a mesma ortografia — seja porque o autor não é partidário deste abandalhamento da língua, seja porque escreveu, por exemplo, há cinquenta anos — e que eles afeiçoam às regras do AO90. Não podem fazer isso. Isso é tão criminoso como apropriarmo-nos de um texto alheio e fazê-lo passar por nosso. O meu espanto — enfim, relativo — é como permitem isto nas editoras.

 

[Texto 11 702]

Léxico: «ilha-barreira»

Nada

 

      «A associação aECO [Associação para o Estudo e Conservação dos Oceanos] tem agendadas para o mês de julho várias atividades de limpeza ambiental, entre as quais a limpeza do porto de abrigo da ilha da Culatra, uma das ilhas-barreira da Ria Formosa, no distrito de Faro» («Faro. Três baterias recuperadas na ilha da Culatra», Rádio Renascença, 6.07.2019, 19h27).

       Nos nossos dicionários, nem ilha-barreira nem tão-pouco ilha de barreira, nada. Se fosse para registar barrier island, já lá estava.

 

[Texto 11 701]