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Linguagista

Léxico: «radiotelefone»

Isso não funciona

 

      «E o presidente americano Richard Nixon fez a mais importante chamada da sua vida para os homens que estavam na Lua, através de um radiotelefone» («O homem pisou a Lua há 50 anos», Sara Dias Oliveira, «Notícias Magazine»/Jornal de Notícias, 14.07.2019, p. 34).

      Se um radiotelefone fosse como está na definição do Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, tal seria impossível: «aparelho receptor na transmissão da palavra pela radiotelefonia».

 

[Texto 11 774]

Léxico: «tubarão-galha-preta»

Não temos

 

      «Enviou a amostra para os cientistas do Florida Program for Shark Research e descobriu: era um dente de um tubarão-galha-preta» («Dente de tubarão 25 anos no pé», Filomena Abreu, «Notícias Magazine»/Jornal de Notícias, 14.07.2019, p. 28).

    Um dente de tubarão-galha-preta (Carcharhinus limbatus Müller & Henle, 1839) vinte e cinco anos espetado num pé...

 

[Texto 11 773]

Léxico: «húngaro»

Também não conhecem

 

      «Sacolinha. “Quando regresso a Portugal, não falho”. É desta forma que Ana Free explica que, sempre que volta a Cascais, a padaria e pastelaria Sacolinha, que fica na Avenida dos Combatentes da Grande Guerra, é um local de paragem obrigatória. “Para mim, é a pastelaria que tem o melhor pão, os melhores húngaros e os melhores brigadeiros. Recomendo sempre aos meus amigos”, revela» («“Foi bom crescer em Cascais”», Célia Soares, «Urbano»/Jornal de Notícias, 14.07.2019, p. 15).

      Uma vírgula a mais, e tanto pode ser porque a jornalista não conhece Cascais, como porque ignora os arcanos da pontuação (com azar, ambas as razões): há mais do que uma Pastelaria Sacolinha em Cascais, é aqui uma espécie de Padaria Portuguesa a cada esquina, pelo que devia escrever qualquer coisa como «Pastelaria Sacolinha da Alameda dos Combatentes da Grande Guerra». Fica para a próxima. O que não se pode adiar é a dicionarização de húngaro, um clássico da nossa pastelaria. Fora dos dicionários...

 

[Texto 11 772]

Léxico: «espanholização»

Anda perto

 

      «O Prado é um dos grandes museus do mundo, mas é em primeiro lugar de Espanha. O vídeo do Atlético com João Félix olhando obras de Goya e Velázquez não visa promover a arte, mas o jogador — e representar simbolicamente a sua espanholização» («Vasco da Gama e o hambúrguer de frango», Eduardo Cintra Torres, «Sexta»/Correio da Manhã, 12-18.07.2019, p. 66).

      Anda perto, o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, que regista apenas o verbo, espanholizar. São, afinal, as falhas mais imperdoáveis.

 

[Texto 11 771]

Léxico: «chuleiro | ramaldeiro»

Ao lado

 

      «Apaixonado por música tradicional, Napoleão Ribeiro construiu uma rabeca chuleira — violino popular usado no Douro e no Minho — em 2003 e passou o “bichinho” da chula, um género musical daquelas regiões, a Nuno Dias, com quem já partilhava os palcos em nome dos Gaiteiros da Ponte Velha, um dos projetos musicais da Associação Cultural Tirsense, criada em 2000. [...] Uma lacuna que agora vai sendo superada graças ao interesse de alguns grupos sobre estes cantares ao desafio típicos do Norte do país, tocados com instrumentos tradicionais que, além da rabeca, passam pela viola ramaldeira e pelo violão ponteado» («Grupo de Santo Tirso quer manter viva a chula», Ana Correia Costa, Jornal de Notícias, 14.07.2019, p. 13).

   No Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, não encontramos chuleiro e, quanto a ramaldeira, não aparece, como neste artigo do JN, como adjectivo.

 

[Texto 11 770]

Léxico: «vinho de lote»

Há sempre os que faltam

 

      «No concurso [Os Melhores Vinhos do Dão], foram avaliadas 137 amostras de vinhos de denominação de origem protegida (DOP) Dão, agrupadas em categorias: vinhos brancos de lote (misturas de castas); tintos de lote; brancos e tintos de castas (monovarietais) e espumantes e rosés» («Vinhos do Dão vivem “um bom momento”», Jornal de Notícias, 14.07.2019, p. 27).

      No Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, há «vinho» e há «lote», mas não vinho de lote.

 

[Texto 11 769]

As DST nos dicionários

Ninguém pediu essa diversidade

 

      «No ano passado o número total de casos notificados de gonorreia, sífilis e clamídia, doenças sexualmente transmissíveis (DST), aumentou 33%, face a 2017, para os 2558 registos» («Doenças sexualmente transmissíveis aumentam também entre os mais de 65», Joana Amorim, Jornal de Notícias, 14.07.2019, p. 6).

      Com a segunda juventude que agora é proporcionada aos que chegam, relativamente saudáveis, aos 65 anos, e dada a enorme oferta, é natural. Associado, não o esqueçamos, à ignorância e ao desmazelo. Adiante. Das três doenças, gonorreia, sífilis e clamídia, para o dicionário da Porto Editora, só a primeira é explicitamente (a definição começa com estas palavras) definida como doença sexualmente transmissível; a sífilis é definida como uma «doença venérea»; a clamídia é «doença ou infecção». Ora, o que é igual tem de ser tratado de forma igual, um princípio que vale para muita coisa, e certamente também para a lexicografia.

 

[Texto 11 768]

Já as pagaias são papagaias

À frente do nosso nariz

 

      «Já se navega de prancha e papagaia no rio Douro», titula o Jornal de Notícias em linha. E, como é duas vezes, será convicção. A actividade, promovida pela Câmara Municipal de Baião, era de SUP (stand-up paddle), que, como se sabe, se pratica com o auxílio de uma espécie de remo curto e com pá larga — chamado pagaia. Está bem, podem dizer-me, é um erro, como tantos outros. Pode não ser apenas isso: por essa Internet fora, até nos sítios de lojas especializadas é já «papagaia» que se lê. Temos de continuar atentos. O fenómeno não é inédito: quando não conhece o termo, o falante assimila-o ao que já conhece.

 

[Texto 11 767]

Léxico: «agronomista | massa-mãe»

Não me convencem

 

      «A eles juntou-se a jornalista e escritora Laura Lazzaroni, autora do livro Altri Grani, Altri Pani (Outros Grãos, Outros Pães, em tradução literal) que se apaixonou pelo tema depois de conhecer um agronomista especializado em variedades antigas de grão e de ler o livro Cooked, de Michael Pollan» («Pão nosso de cada dia», Marta Braga, Saber Viver, Maio de 2019, p. 179).

      «Queria pesquisar agronomia, autonomista, ergonomista?» Não queria, e vocês são testemunhas. Cabe nuns, não cabe noutros. No Dicionário Aulete: ✓. A propósito, devo dizer que não concordo com a argumentação que se usa para justificar o hífen em «engenheiro-agrónomo». Para mim, é justamente por termos como mais correcto engenheiro agronómico — porque o curso tem a designação Engenharia Agronómica, como se pode ver aqui — que demonstra que não pode ter hífen. Por outro lado, parece-me evidente que massa-mãe precisa de hífen, e o dicionário da Porto Editora grafa-o sem hífen. A prática, porém, é outra: «Chamaram-lhe Isco, fazendo referência ao isco da massa-mãe com fermento natural e selvagem» (idem, ibidem).

 

[Texto 11 766]

Léxico: «enzimologista»

São testemunhas

 

      «A mulher de Mário Rolando, que é enzimologista e trabalha com leveduras há décadas, ficou chocada quando este lhe disse que no início não colocava levedura em nenhum tipo de pão» («Pão nosso de cada dia», Marta Braga, Saber Viver, Maio de 2019, p. 179).

      «Queria pesquisar entomologista, enzimologia, etimologista?» Não queria, e vocês são testemunhas. Cabe nuns, não cabe noutros. No VOLP da Academia Brasileira de Letras: ✓.

 

[Texto 11 765]