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Linguagista

Léxico: «avitualhamento»

Escorraçado

 

      «Parece, pois, que nem mesmo com a multiplicação destas incursões o problema do avitualhamento estaria resolvido» (A Arte da Guerra em Portugal: 1245 a 1367, Miguel Gomes Martins. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2014, pp. 390-91).

      Algum leitor viu este pobre caído por esses caminhos de Deus? Foi escorraçado, sem culpa, de todos os dicionários. Dá-se recompensa.

 

[Texto 11 788]

Léxico: «microfúndio»

E este, onde pára?

 

      «Por aqui se pode ver um exemplo de pequena propriedade, muito comum nesta região, o chamado “minifúndio” ou, também, “microfúndio”, e o autor dá-nos referências acerca do que aqui se criava: “... vendo encabeçar o cebolinho, engrandecer os feijões e rebentar de gordas as abóboras”» (Para uma Poética da Leitura: ensaios, José Fernando Tavares. Ponta Delgada: Signo, 1990, p. 134).

 

[Texto 11 787]

Léxico: «escópico»

Da reserva

 

      «Associada às transformações literárias, a axiologia corporal também se modifica. A fisionomia e, sobretudo, os olhos ocupam um lugar de extrema importância no âmbito discursivo. Todo o interesse do rosto se concentra no elemento escópico, assumindo este a primazia em detrimento dos outros sentidos» (As Vertentes do Olhar na Ficção Queirosiana, Ana Margarida Vieira. Lisboa: Vega, 2008, p. 359).

      São palavras só para uso académico, os nossos dicionários guardam-nas ciosamente numa reserva secreta.

 

[Texto 11 786]

Léxico: «lusalite»

Como se não vivessem neste mundo

 

      «Havia um conjunto de abrigos abarracados com a altura de elefantes, telhados de lusalite ferrugenta e amolgada, apoiados em quatro postes e rodeados por cercas elétricas destroçadas» (Hoje Deu Entrada no Hospital, Henry Marsh. Tradução de Jorge Nunes. Alfragide: Lua de Papel, 2017, p. 100).

      Da fábrica em Oeiras, foram chapas de lusalite para todo o mundo... Bem, mas não me escandaliza que se use o termo numa tradução. Na página 190, há mais lusalite. Talvez me choque mais que uma personagem de Mark Twain passe as passas do Algarve... (Pior é estar mal traduzido, pois no original lê-se «corrugated-iron sheets», mas não vamos agora perder tempo com isso.) Lusalite, pois: começou por ser nome comercial, Lusalite, e, com o tempo, passou a substantivo comum — lusalite. Está bem presente na literatura portuguesa, e até de outros países de língua portuguesa, mas não o vemos nos dicionários.

 

[Texto 11 785]

A distensão da ortografia

Contractos ficamos nós

 

      Sempre se viu o erro ortográfico «contracto» por «contrato» — mas agora vê-se muito mais. (Vá, agradeçam ao tio Malaca.) Também está nos dicionários — porque as editoras de dicionários acham que não vale a pena contratar revisores, os lexicógrafos têm de ser polivalentes. Na segunda acepção de aditamento, lá está ele a deslustrar a imagem: «aquilo que se acrescenta (a documento, contracto, etc.) para esclarecer, completar, corrigir, etc.». Pois é... Não vou contar a ninguém, descansem.

 

[Texto 11 784]

Léxico: «lisergia»

A meio caminho

 

      «Dois reclusos no quarto de adolescente, em Goiânia, na capital do sertanejo a testar doces ácidos, cabeças ao vento, abertas pela lisergia de meia nove, um sonho esvoaçante com pés bem assentes na terra, sete anos depois, a lançar singles no New York Times e Brooklyn Vegan» («Jards Macalé e BaianaSystem: o Brasil samba na cara dos amigos, dos inimigos e de quem vier», Luís Freitas Branco, Observador, 23.02.2019, 12h01).

      Não está nos nossos dicionários, e, contudo, todos registam o adjectivo lisérgico. E ainda na semana passada o li numa tradução. É que, convenhamos, não dá muito jeito escrevermos, e ainda menos lermos, Lysergsäurediethylamid, pois não?

 

[Texto 11 783]

Léxico: «talapoim»

Estamos atrasados

 

      «Uma equipa internacional de investigadores descobriu restos fósseis de um pequeno macaco [Nanopithecus browni] que viveu no Quénia há 4,2 milhões de anos, foi, esta segunda-feira, divulgado. [...] Segundo a agência espanhola, Efe, este novo macaco de pequeno tamanho — ‘Nanopithecus browni’ — teria o mesmo tamanho que o atual talapoim, as menores espécies de macaco vivos do mundo» («Descoberto fóssil de macaco que viveu há 4,2 milhões de anos no Quénia», TSF, 15.07.2019, 15h56).

      Sem nome comum, é óbvio que o Nanopithecus browni não pode ir para os nossos dicionários — mas já não é assim com o talapoim (Miopithecus talapoin), que pelo menos no dicionário da Porto Editora não está. No VOLP da Academia Brasileira de Letras: ✓.

 

[Texto 11 782]

 

Os Aliados e as potências do Eixo

Uma lição em escassas linhas

 

      «No entanto, o lugar de Alan Turing na história do Reino Unido não foi sempre de reconhecimento e homenagem. Pese embora tenha sido Turing a chefiar a Hut 8, seção [sic] da inteligência britânica responsável, em Bletchley Park, pela criptoanálise da máquina “Enigma” e, por conseguinte, de toda a frota naval alemã – o que contribuiu de sobremaneira [sic] para a vitória dos Aliados sobre os países do Eixo –, a verdade é que, após o final da Guerra, o agora reconhecido “herói” foi perseguido e condenado pela justiça britânica» («Alan Turing, génio matemático e herói da II Guerra, vai figurar na nova nota de 50 libras», Tiago Palma, Rádio Renascença, 15.07.2019, 14h44).

      O dicionário da Porto Editora acolhe uma acepção de aliado mais genérica: «grupos ou Estados que se associam para se apoiarem mutuamente na concretização de objectivos comuns». Dada a sua importância histórica, não estaria mal que registasse esta acepção específica, grafada com maiúscula inicial, Aliados. O que, a meu ver, obrigaria a registar igualmente uma acepção em eixo especificamente sobre as potências do Eixo, os países (Alemanha, Itália e Japão) que se juntaram para combater os Aliados. Em poucas linhas, seria uma preciosa informação para quem não sabe ou para quem quer confirmar.

 

[Texto 11 781]