Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Linguagista

Léxico: «Holocénico»

Agora com calculadora

 

      Começámos o dia com Cenozóico, terminemo-lo com Holocénico: «“As actividades humanas põem os mamíferos de grande dimensão num elevado risco de extinção, e as perdas podem ter graves repercussões nos ecossistemas”, alerta-se no artigo. Para perceber quais as futuras consequências das extinções actuais, estudou-se o resultado dos desaparecimentos de grandes mamíferos entre o final do Plistocénico (há cerca de 12 mil anos) e o Holocénico (época iniciada há 12 mil anos)» («Como a extinção de grandes mamíferos muda os ecossistemas», Teresa Sofia Serafim, Público, 24.09.2019, p. 35).

      Ah, sim, mas a cronologia da Porto Editora aponta para outras datas, pois afirma isto do Holoceno/Holocénico: «GEOLOGIA época geológica que se iniciou há cerca de dez mil anos, correspondente aos tempos actuais». Só esteve alguma vez correcto — mas agora desactualizado — se a Porto Editora redigiu a definição no século IV, pois o Museu de Paleontologia da Universidade da Califórnia, em Berkeley, afirma que o «Holocene is the name given to the last 11,700 years of the Earth’s history — the time since the end of the last major glacial epoch, or “ice age”», e parece-me consensual. Quando eu nasci, já existia a Porto Editora, mas não me parece que seja contemporânea de Alarico I ou de Sigerico.

 

[Texto 12 048]

Léxico: «japão»

Basta pensar

 

      «Sabendo desta missão [Missão Tenshō, constituída por quatro adolescentes japoneses nobres que visitaram a Europa], o então arcebispo de Évora, D. Teotónio de Bragança, “um homem iluminado e inteligentíssimo”, conseguiu que “os meninos japões”, antes de rumarem a Espanha e posteriormente a Roma (onde chegaram em 1585), passassem por Évora e Vila Viçosa» («O órgão do século XVI que atrai os nipónicos a Évora», Rosário Silva, Rádio Renascença, 24.09.2019, 18h04).

      A Porto Editora, ao dicionarizar japão, só erra numa coisa: não dizer que é também adjectivo. (Mas, Rosário Silva, não se escreve «Tenshõ», mas «Tenshō».)

 

[Texto 12 047]

O pós-gramatical

Que inveja

 

      «O principal ponto de interesse político está reservado para o pós-6-de-Outubro. Como vai a direita reagir a mais uma estrondosa derrota? Será desta que perceberão que têm de renascer das cinzas e reconfigurar-se? Ou vão escolher (ou manter) líderes que representam linhas de continuidade com o presente ou com um passado mais ou menos recente?» («Estranho povo este», Luís Aguiar-Conraria, Público, 24.09.2019, p. 16).

     É assim que se escreve? Felizmente, não. É pós-6 de Outubro, como também é pós-25 Abril, pós-5 de Outubro, etc. Já basta termos de empregar o hífen nos casos normativos. Invejável, neste aspecto, é o castelhano: «El exvicepresidente ensalza el legado de Obama mientras sus rivales reclaman políticas más progresistas» (in El País).

 

[Texto 12 046]

Léxico: «justificativa»

Não justificam

 

      «“A decisão de aconselhar Sua Majestade a prorrogar [suspender] o parlamento foi ilegal, porque teve o efeito de frustrar ou impedir o parlamento de desempenhar as suas funções constitucionais sem justificativa razoável”, declarou a presidente do Supremo, Brenda Hale» («Brexit. Suspensão do parlamento é ilegal, diz Supremo do Reino Unido», Rádio Renascença, 24.09.2019, 10h51).

      O que se lê na imprensa britânica é «without reasonable justification». Quem traduziria justification por «justificativa»? Segunda questão: a Porto Editora define justificativa como a «prova ou documento que demonstra a veracidade de um facto». É uma definição que parece não sair da materialidade do conceito, quando, na realidade, justificativa é também — quando não primeiro que tudo — uma razão. Melhor é a definição do Michaelis: «Prova, razão ou documento com que se demonstra a existência de um fato ou a veracidade de uma proposição.»

 

[Texto 12 045]

Léxico: «ararinha-azul | puma-norte-americano-do-leste»

Oficialmente extintos

 

      «De acordo com a red list feita pela IUCN, existem atualmente mais de 28 mil espécies em vias de extinção, o que representa 27% das espécies conhecidas. Animais como a ararinha-azul e o puma-norte-americano-do-leste foram dados como extintos em 2018. O rinoceronte-branco também, mas a tecnologia existente hoje em dia permitiu aos cientistas criarem dois embriões desta espécie, noticiou este mês a cadeia televisiva Al Jazira» («Mudanças. O que vai acontecer ao nosso planeta?», Joana Marques Alves, i, 23.09.2019, p. 18).

      Estão oficialmente extintos: a ararinha-azul (Cyanopsitta spixii) e o puma-norte-americano-do-leste (Puma concolor couguar). Em inglês, o puma é conhecido por vários nomes — e em português também, mas menos usados: puma, cuguardo, cuguar, leão-americano. O puma-norte-americano-do-leste é, como se percebe, uma subespécie.

 

[Texto 12 044]

Léxico: «agro-ambiental»

Anda por aí

 

      «Para Maria de Belém Freitas [investigadora da Universidade do Algarve, membro do Centro de Competências na Luta contra a Desertificação], é isso que tem falhado e terá de melhorar daqui para a frente, além do combate de fundo às alterações climáticas. Apesar de o primeiro Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação ter sido criado em 1999, a preocupação tardou a fazer parte das políticas públicas de apoio à agricultura, assinala. “Só timidamente, no PRODER (2007-2014), e com mais acutilância no atual Programa de Desenvolvimento Rural (PDR 2020), a luta contra a desertificação passou a ser critério de elegibilidade em algumas medidas, correspondendo a um aumento da sensibilidade a esta problemática, embora os instrumentos de política agrícola se centrem sobretudo nas medidas florestais e agroambientais”, conclui» («Um deserto em Portugal? “Estamos a tempo de combater a desertificação”», Marta F. Reis, i, 23.09.2019, p. 21).

 

[Texto 12 043]

Léxico: «tâmil»

Não perder o norte

 

      «Em 1919, formou-se o Congresso Nacional, mas os tâmiles retiraram-se dele, com receio do predomínio cingalês. Em 1920, abriu o Conselho Legislativo, com 23 membros não-oficiais» (Taprobana e mais além: presenças de Portugal na Ásia, Benjamim Videira Pires. Lisboa: Instituto Cultural de Macau, 1995, p. 33).

      Para o dicionário da Porto Editora, tâmil/tâmul é apenas a língua: «uma das línguas dravídicas faladas no sul da Índia e no norte e no oeste do Sri Lanka; tâmul». Não é, pois claro. Mas atente-se agora noutro aspecto da definição — já chamei, antes, a atenção para isto, mas fui ignorado. Então, escreve-se como o fizeram ou escreve-se como o faço a seguir? O tâmil é «uma das línguas dravídicas faladas no Sul da Índia e no Norte e no Oeste do Sri Lanka; tâmul». Por muito que queira, não percebo isto, que se há-de encontrar em largas centenas de verbetes.

 

[Texto 12 042]

Léxico: «pinheiro-cembro | trementina | goma | cochinilha-da-laca»

Poucos em cem

 

      Tanto quanto sei, a terebintina (terebentina ou trementina, mas a Porto Editora finge — muito mal — que esta variante não existe) só se extrai de algumas das cerca de cem espécies de pinheiros. Uma dessas espécies de que se extrai é o pinheiro-cembro (Pinus cembra), que só encontramos em dicionários bilingues da Porto Editora. Este texto também me proporciona o ensejo de corrigir o dicionário da Porto Editora noutro ponto. No verbete goma, numa das suas acepções, lê-se isto: «designação genérica de certos produtos de exsudação das plantas, de aspecto viscoso e transparente». Incorrecto: todas as gomas são de origem vegetal, excepto a goma-laca, que é uma resina animal, segregada pela fêmea de um insecto que, com esta substância, cobre os ovos que deposita sobre os ramos de diferentes árvores. Este insecto é a cochinilha-da-laca (Coccus lacca, Tacchardia lacca, ou Laccifer lacca, da família dos Coccídeos), e não, como se lê naquele dicionário, simplesmente a cochinilha.

 

[Texto 12 041]

Léxico: «roleta»

Mas isso é 1 + 1

 

      Da roleta, diz a Porto Editora que é o «jogo de azar que se joga numa mesa marcada com trinta e seis casas numeradas, onde são colocadas as apostas, e um prato giratório, também marcado com trinta e seis números, sobre o qual se faz girar uma pequena bola de marfim que, ao parar, indica o número sorteado». Mas então a roleta europeia não tem trinta e sete casas numeradas — de 1 a 36, mais uma casa com o número 0? Então, é fazer as contas. Como a roleta americana tem trinta e oito, de 1 a 36, mais as casas 0 e 00. Na América, então, não é somente a lei dos grandes números que favorece a casa, mas também o duplo zero.

 

[Texto 12 040]

Léxico: «abelha-carnica»

Uma abelha mansa

 

      «É precisamente pela ausência de agressividade que se caracteriza a abelha-carnica (Apis mellifera carnica), nativa da Eslovénia e também reconhecida, entre outras qualidades, pela sua calma e tolerância, pela imunidade às pragas e às doenças e pelo seu elevado sentido de orientação» («Eslovénia. Um país em lua-de-mel», Sousa Ribeiro, «Fugas»/Público, 18.05.2019, p. 14).

      Num país assim, pratica-se a apiterapia, que a Porto Editora conhece, e o apiturismo, que a Porto Editora desconhece.

 

[Texto 12 039]

Léxico: «lagartixa-das-berlengas»

Entretanto, nas Berlengas

 

      «Entre 2014 e o passado mês de Junho, o projecto mobilizou mais de 200 profissionais e voluntários interessados em estudar e proteger a vida selvagem da acção de agentes non gratos como o coelho, o rato-preto (que, durante o projecto, deixou de ser avistado na ilha), o chorão-das-praias (eliminado quase na totalidade, já que impede a fixação da flora nativa), a gaivota-de-patas-amarelas (que preda a lagartixa-das-berlengas e até outras aves marinhas), as redes de emalhar, as de cerco e o palangre (responsáveis pela morte de milhares de aves, como o alcatraz, a cagarra ou a galheta, todos os anos)» («Nas Berlengas, longe de tudo», Rute Barbedo, «Fugas»/Público, 13.07.2019, p. 7).

      Sim, lagartixa-das-berlengas (Podarcis carbonelli berlengensis), uma subespécie da lagartixa-de-carbonell, como o nome científico evidencia. Ausente de todos os nossos dicionários.

 

[Texto 12 038]

Léxico: «Cenozóico»

Pois, sim, mas quando?

 

      «Foram descobertos vestígios de um pinguim do tamanho de um ser humano, que terá habitado a terra há cerca de 60 milhões de anos. Os ossos deste pinguim gigante foram encontrados na região Norte de Canterbury, na Nova Zelândia. [...] O pinguim terá vivido no hemisfério Sul, na época do Paleoceno, durante a era do Cenozoico, entre há 56 e 66 milhões de anos» («Descoberto pinguim gigante do tamanho do Homem», Rita Carvalho Pereira, TSF, 14.08.2019, 13h15).

      No dicionário da Porto Editora, Cenozóico tem a seguinte definição: «GEOLOGIA era actual da história da Terra, que sucede ao Mesozóico, caracterizada pelo grande desenvolvimento dos mamíferos e das plantas actuais, e abrange duas suberas: o Terciário e o Quaternário». Como já disse para outros termos geocronológicos daquele dicionário, faltam-lhe balizas temporais mais precisas, ou o pobre falante tem de fazer um esquema no papel. Assim: «Cenozoic Era, third of the major eras of Earth’s history, beginning about 66 million years ago and extending to the present. It was the interval of time during which the continents assumed their modern configuration and geographic positions and during which Earth’s flora and fauna evolved toward those of the present.»

 

[Texto 12 037]