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Linguagista

Léxico: «cobra-ferradura»

Não mora nos dicionários

 

      «O funcionário de uma empresa aérea não deve ter ganhado para o susto quando uma cobra lhe caiu em cima. Aconteceu no passado dia 24 de setembro a zona de embarque do Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa» («Cobra ferradura capturada no Aeroporto de Lisboa», Diário de Notícias, 1.10.2019, 18h09). Era uma cobra-ferradura (Hemorrhis hippocrepis). «O animal habita a Península Ibérica, algumas ilhas mediterrânicas, nomeadamente Sardenha, Zembra e Pantellaria e o Norte de África. Em Portugal pode encontrar-se praticamente em todo o território, ainda que de forma irregular. É notada a sua ausência na região do Minho, norte de Trás-os-Montes e parte da Beira Litoral.» O nome da ilha é, em português, Pantelária, mas o jornalista ia lá ter cabeça, num momento tão dramático, para pensar nisso ou procurar saber. Já a Porto Editora manteve o sangue-frio até ao fim — até porque não conhece a cobra-ferradura de lado nenhum.

 

[Texto 12 101]

Léxico: «olha»

Olha, olha

 

      «Esta terrina — mais precisamente uma “olha”, tipologia destinada a servir caldos e outros pratos cozidos — foi feita por Thomas Germain (1673–1748), um dos melhores ourives franceses do século XVIII, cuja oficina foi herdada pelo filho que lhe seguiu as pisadas, François-Thomas (1726-1791), autor da grande baixela da casa real portuguesa que se encontra hoje dividida entre as colecções do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) e do Palácio Nacional da Ajuda» («Terrina Germain, que já foi portuguesa, vai a leilão nos EUA», Lucinda Canelas, Público, 26.08.2019, p. 28).

   Olha, olha, não está nos dicionários. Quer dizer, os dicionários garantem que uma olha é uma panela, mas não estou a ver um ourives a fazer uma panela.

 

[Texto 12 100]

Léxico: «forcão | rabicheiro | desencerro»

Não são todas iguais, então

 

      «As Capeias Arraianas consistem numa festa tradicional em que um grupo de pessoas enfrenta o touro com um forcão (um escudo feito de paus). É um “espetáculo único que andou escondido esotericamente nas praças das nossas aldeias e que de há uns anos para cá parece ter perdido a vergonha e tudo faz para se dar a conhecer ao mundo”, pode ler-se no site das festas. Este ano, as festas começam a 6 de agosto na Lajeosa e terminam a 25 na Aldeia Velha» («Sabugal. Vídeo mostra touro a ser morto na arena durante as Capeias Arraianas», Diário de Notícias, 13.08.2019, 17h47).

      O dicionário da Porto Editora define assim capeia: «TAUROMAQUIA prática tauromáquica em que se provoca o touro com uma capa». Será mesmo? No portal da Câmara Municipal do Sabugal, lê-se isto: «A Capeia Arraiana é única e diferente de outras manifestações tauromáquicas porque a lide do touro bravo é feita colectivamente e com o recurso do forcão.» O forcão é conduzido por trinta homens, cabendo a coordenação a dois rabicheiros. Em algumas das aldeias onde há esta festa tauromáquica, procede-se no fim ao desencerro, que é a devolução dos touros ao local de onde vieram.

 

[Texto 12 099]

Léxico: «circuncisor | cadaísmo | responsa»

Mais três

 

      Anteontem, ouvi, pela primeira vez (o que ando a perder...) uma parte do programa E Deus Criou o Mundo, na Antena 1. O convidado era Joshua Ruah. Às tantas, Isaac Assor disse que o convidado fora «circuncisor da comunidade israelita durante décadas». Tentem agora encontrar o termo circuncisor nos nossos actuais dicionários. Ah, não percam tempo. Ora, já na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira o podemos encontrar: «Circuncisor, s. m. O que fazia a circuncisão ritual.» E, claro, na literatura: «Desse modo, Aarão Halevi, mohel (circuncisor) da congregação de Amsterdão, chegou com os seus acólitos para circuncidar Jácome da Costa e seus irmãos» (Um Bicho da Terra, Agustina Bessa-Luís. Lisboa: Guimarães Editores, 1984, p. 105).

      Joshua Ruah também aludiu ao cadaísmo, que os nossos dicionários ignoram. Já perto do fim, referiu-se ainda à responsa («uma responsa é um parecer») que o rabino Jacobowitz fizera a propósito da definição de morte. O termo, que aparece em várias obras portuguesas (e que todos no estúdio mostraram conhecer), será o latino responsum, cujo plural é responsa, que é o parecer jurídico em resposta a uma consulta. Ao que parece, porém, foi adoptado como português. Como também temos responso, aliás, que é igualmente uma resposta.

 

[Texto 12 098]

Léxico: «hot pit»

Vá, um pouco de inglês

 

      «A aeronave partiu da 509th Bomb Wing Whiteman de Missouri, nos Estados Unidos, com destino à base aérea de Fairforth, no Reino Unido, mas parou na ilha Terceira, nos Açores, onde os Estados Unidos também têm presença militar, para um abastecimento ‘hot pit’ (com os motores ligados), que demorou cerca de duas horas» («Bombardeiro furtivo B2 americano reabastece nas Lajes», Rádio Renascença, 9.09.2019, 22h13).

 

[Texto 12 096]

Léxico: «monoclonal»

Vejam bem, que não é só isso

 

      «Segundo o diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doênças [sic] Infeciosas dos Estados Unidos (US NIAID), os resultados destes dois medicamentos de anticorpos monoclonais são de facto muito inspiradores, com taxas de mortalidade a descer até aos 11% e 6% em casos em que os doentes pediam tratamento nas primeiras fases da doença» («Cientista após sucesso de novos medicamentos: “Já não se pode dizer que o Ébola é incurável”», Rádio Renascença, 12.08.2019, 18h08).   

      Para o dicionário da Porto Editora, diz-se monoclonal do «anticorpo produzido artificialmente, que contém um só tipo de imunoglobulina e é utilizado no tratamento de certos cancros». O que leio por todo o lado é que são usados também para tratar artrite, esclerose múltipla, ataques cardíacos, lúpus, psoríase, rejeição de transplantes, etc.

 

[Texto 12 095]

Léxico: «brabantino»

Perdido nas mudanças

 

      «“Rara pela sua integridade, autoria, antiguidade, proveniência e estado de conservação, este “Calendário” é agora (re)descoberto e trazido a uma nova luz de conhecimento por Vítor Serrão, que o atribui a Pieter Balten (Antuérpia, 1527-1584), um dos principais inventores da pintura de cenas do quotidiano na arte flamenga e holandesa, sucedido nesse estilo por um seu discípulo, o famoso pintor brabantino Pieter Bruegel”, observa a diretora do MTM» («Museu Terra de Miranda mostra obra de Pieter Balten», Olímpia Mairos, Rádio Renascença, 30.09.2019, 12h11).

 

[Texto 12 094]