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Linguagista

Léxico: «calço»

Materiais há muitos

 

      «O diário diz que “a aeronave ficou destravada e, durante a manhã, deslizou, sem que ninguém se apercebesse”, acrescentando que “alguém se esqueceu de colocar calços nas rodas do avião”, fazendo com que “deslizasse até uma zona de terra”» («Avião saiu de calços e deslizou no Aeroporto do Porto», TSF, 12.10.2019, 16h12).

      Perdi demasiados segundos a tentar interpretar o título, e só percebi quando li o corpo da notícia. A ilustrar a notícia estava a imagem de um avião, de que só se via o trem de aterragem, com calços. De quê? Ao que parece, de plástico. Definição de calço, neste sentido, no dicionário da Porto Editora: «pedra ou pedaço de madeira que se põe por debaixo de um objecto para o fixar na posição desejada; cunha». Não foi há muito que comprei um par de calços de borracha para uma porta.

 

[Texto 12 161]

Léxico: «ecobairro»

Centenas, mas fora dos dicionários

 

      «O Muro tinha caído, a Guerra Fria tinha terminado e na pequena cidade de Friburgo começava-se a pensar que destino dar às dezenas de hectares de umas instalações militares francesas, agora desocupados. Estávamos no início da década de 90, a falta de casas naquela cidade do Sudoeste da Alemanha era um problema e começava a projectar-se a ideia de construir um ecobairro. Um bairro que fosse energeticamente sustentável e governado segundo um modelo cooperativo e participado. [...] O manifesto da associação refere que há mais de 400 ecobairros Europa fora. Alguns deles, como o de Vauban, têm algumas dezenas de anos e já provaram que é possível viver de outro modo» («Um ecobairro em Lisboa? A utopia que pode deixar de o ser», Cristiana Faria Moreira, Público, 12.10.2019, p. 22).

 

[Texto 12 160]

Léxico: «ultranacionalismo»

Também não está

 

      «Para outros, como a falecida escritora norte-americana Susan Sontag ou o italiano Claudio Magris, [Peter] Handke minimizou o ultranacionalismo sérvio e as suas ações agressivas» («Associação bósnia vai pedir retirada do Nobel da Literatura a Peter Handke», TSF, 11.10.2019, 12h56).

      O VOLP da Academia Brasileira de Letras regista ultranacionalismo, o dicionário da Porto Editora não regista.

 

[Texto 12 159]

Léxico: «coronariano»

Mas também falta

 

    «Um cateterismo é um procedimento cirúrgico que passa pela introdução de um cateter através de artérias ou veias periféricas até as câmaras cardíacas, artérias pulmonares e veias arteriais coronarianas e que visa facilitar a passagem da corrente sanguínea» («Marcelo vai ser submetido a cateterismo», Correio da Manhã, 10.10.2019, 20h21).

     Não se diz, nem se podia dizer, «veias coronarianas», porque coronariano é o que diz respeito a coronárias. Adjectivo, anote-se, que o dicionário da Porto Editora não acolhe, mas que encontramos, por exemplo, no VOLP da Academia Brasileira de Letras. 

 

[Texto 12 158]

Léxico: «gaguez»

Podemos aprimorá-la

 

      «O Livre vai solicitar ao próximo presidente da Assembleia da República uma “tolerância de tempo” relativamente às intervenções da deputada eleita Joacine Katar Moreira, que tem gaguez, disse à Lusa o dirigente Paulo Muacho. [...] A gaguez é uma perturbação da fluência da fala, não sendo considerada uma doença nem uma deficiência, e é caracterizada por pausas no discurso, hesitações ou bloqueios» («Livre vai pedir tolerância de tempo para intervenções de Joacine no Parlamento», TSF, 10.10.2019, 17h20). Explicado de outra maneira: «Segundo a terapeuta da fala Jaqueline Carmona, a gaguez é uma perturbação da fala em que a pessoa sabe exatamente o que quer dizer, mas em que o seu discurso oral é caracterizado por repetições, prolongamentos, pausas ou por bloqueios de som» («Gaguez afeta cerca de 100 mil portugueses e o preconceito é a maior dificuldade», Rádio Renascença, 10.10.2019, 18h00).

      Há assim oportunidade e dados para a Porto Editora aprimorar a sua definição de gaguez: «MEDICINA alteração de pronúncia que consiste na repetição, interrupção ou prolongamento de certas sílabas ou sons, tornando a cadência do discurso irregular». Se quiserem saber mais, contactem a Associação Portuguesa de Gagos.

 

[Texto 12 157]

Léxico: «percevejo-asiático»

Não é preciso traduzir

 

      «Numa altura em que se discute intensamente o combate à vespa asiática (vespa velutina), “existe outro inseto muito problemático, o percevejo asiático (Halyomorpha halys), que, com certeza, incluirá Portugal na já longa lista de países invadidos em todo o mundo”, alerta um grupo de cientistas da FCTUC, numa nota enviada à agência Lusa» («Cientistas alertam para perigos do percevejo asiático que pode invadir Portugal», Rádio Renascença, 10.10.2019, 11h05, itálicos meus). Sim, mas já em Março deste ano, num dossiê técnico do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, o Halyomorpha halys aparece com o nome (traduzido do inglês brown marmorated stink bug) sugador-castanho-marmoreado. E nunca se diz que é um percevejo.

 

[Texto 12 156]

Léxico: «frelo»

Já a ouvi por aí

 

      «Por ali andámos deambulando por sítios e caminhos, patrulhando as margens da picada e por ali dormimos duas noites, montámos emboscadas sem sinal dos ‘Frelos’, que nos quiseram evitar [diz Manuel Neves da Silva, que cumpriu uma comissão em Moçambique entre 1972 e 1974]» («“Ouvi uma voz gritar: ‘Aquele gajo já lerpou’. Era eu”», Marta Martins Silva, «Domingo»/Correio da Manhã, 6.10.2019, p. 22). São os guerrilheiros da Frelimo, claro. O termo anda por aí em algumas obras, mas longe dos dicionários. Enfim, somos perdulários. (Alguém faça o favor de dizer aí à jornalista que, mesmo com a porcaria do Acordo Ortográfico de 1990, se escreve 25 de Abril para designar o acontecimento histórico.)

 

[Texto 12 154]