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Linguagista

Léxico: «rabezano | carmelo»

Para deslindar definitivamente

 

      «Do contacto com os trabalhadores rurais — rabezanos, gaibéus, carmelos — vindos da Lezíria e dos montes de Vila Franca “aviar-se” à loja do pai, guardava imagens antigas, que lhe acordavam sentimentos novos» (A Experiência Africana de Alves Redol, Garcez da Silva. Lisboa: Editorial Caminho, 1993, p. 120).

      Querem convencer-nos de que a ortografia é rabosano, mas rabezano é demasiado encontradiço para o ignorarmos. Seja como for, há mais para registar e melhorar. Rabezanos são os assalariados locais do Ribatejo; gaibéus são sobretudo os que vêm das Beiras; carmelos (ou caramelos) são os assalariados que vêm de Coimbra. O dicionário da Porto Editora acolhe gaibéu, com a definição correcta e conhecida; acolhe rabosano, mas não parece situar-se na polémica da grafia correcta, pois define-o como «labrego, labroste», como também regista caramelo (mas não carmelo), mas afastando-o da lezíria: «jornaleiro da província portuguesa da Beira Litoral que vai trabalhar nas valas e arrozais do vale do Sado, e noutras actividades da região de Setúbal». Diga-se, a propósito, que o dicionário da Porto Editora não regista carmelo no sentido de convento ou mosteiro carmelita, como também não registava até há dias cartuxa no sentido de convento da Cartuxa. Enfim, os dicionários, como as pessoas, têm muito por onde melhorar. É só quererem, terem mente aberta, despreconceituosa, e humildade.

 

[Texto 12 193]

Léxico: «franquista»

Não confiar que sabem

 

      Sim, é contigo, Porto Editora. É um exemplo: como é que em franquista se diz somente que é «relativo ao franquismo ou ao regime liderado por Francisco Franco» (mas temos o nosso João Franco) e em salazarista se julgaram forçados a escrever que é «relativo a Salazar, político português (1889-1970), ou ao salazarismo»? Então agora envidamos menos esforços a explicar o que nos é mais distante, mais desconhecido?

 

[Texto 12 192]

Léxico: «nacional-populismo | nacional-populista»

É preciso saber

 

      «Quanto aos receios inerentes à entrada na Assembleia da República, pela primeira vez, de uma força nacional-populista com propostas conotadas com a extrema-direira, o líder do Chega assegura que “não há alarmismos aqui” e defende que os partidos tradicionais “têm de defender a dignidade dos portugueses”, algo que“não têm feito nos últimos anos”» («Já indigitado, Costa vai “ver se é possível” Governo para quatro anos», David Santiago, Negócios, 8.10.2019, 12h29).

      Entretanto, como pude comprovar ainda ontem, já há dificuldades na formação do plural de nacional-populista. Ficamos a aguardar que os dicionaristas se lembrem de que nacional-populismo e nacional-populista (adjectivo e substantivo, e com o plural) têm de ser registados, ou os erros multiplicar-se-ão.

 

[Texto 12 191]

Tradução: «trough»

Em todas as línguas

 

      «Para assinalar o Dia Mundial do Pão, esta quarta-feira, a CNN fez um artigo que reúne os 50 melhores pães do mundo e incluiu a típica broa de milho portuguesa na lista. Ao lado do pão português estão os também famosos lavash, da Arménia, o pão de queijo, do Brasil, a baguete francesa e as tortilhas, do México. [...] O jornalista da CNN [Jen Rose Smith] quis que a lista refletisse a diversidade deste alimento ao mesmo tempo que conjuga “o sabor memorável” e os “ingredientes originais” de cada pão. No artigo, a broa de milho é descrita como um pão saudável, peneirado, amassado numa calha de madeira e tradicional do norte de Portugal» («CNN distingue broa de milho como um dos “50 melhores pães do mundo”», Cátia Carmo, TSF, 16.10.2019, 20h00).

      A jornalista parece ignorar que muitas palavras, em todas as línguas, são polissémicas: o inglês trough, neste contexto, traduz-se em português por masseira. (Espantosamente, os dicionários, entre os quais o da Porto Editora, não se esqueceram da ferrelha, a pá de ferro para tirar brasas do forno. Mas há sempre queixas: já esta semana um leitor do blogue reclamou por os dicionários não registarem rosário de pinhões.)

 

[Texto 12 190]

Léxico: «cassaco»

Russófilos indisfarçados

 

      Pois, cossaco todos têm, mas cassaco? Nenhum. Era o nome que se dava, no início do século XX, aos trabalhadores, sobretudo os que arcavam com as tarefas mais pesadas, que construíam a via-férrea no Brasil. Primeiro, ao que parece, usou-se o termo para designar genericamente o trabalhador — geralmente camponês fugido da seca dos campos — em obras públicas, tais como pontes, estradas, barragens, etc.

 

[Texto 12 189]

Léxico: «retirante»

Um pouco de História do Brasil

 

      Na obra Vidas Secas, de Graciliano Ramos (1892-1953), é retratada a vida miserável de uma família de retirantes sertanejos obrigada a deslocar-se de tempos em tempos para áreas menos castigadas pela seca. A Porto Editora nem sequer acolhe o vocábulo retirante, que, naquele contexto brasílico, designa o camponês que migra para outras regiões por causa da seca do sertão, a maioria das vezes em grupo, com a família, e levando os seus escassos e pobres haveres.

 

[Texto 12 188]

Léxico: «caeté | Caetés»

O Brasil esquecido

 

      «Chegou a formular-se a sentença que, por terem morto e comido o bispo D. Pedro Fernandes Sardinha e sua comitiva, condenou os Caetés e seus descendentes a cativeiro perpétuo» (A Literatura Portuguesa e a Expansão Ultramarina: as ideias, os factos, as formas de arte, Vols. 1-2, Hernâni Cidade. Coimbra: A. Amado, 1963, p. 307).

      No dicionário da Porto Editora, nada. Não leram Graciliano Ramos, está visto. (E não democratizam a dentisteria...) E agora até vamos ter o Dia Mundial da Língua Portuguesa (5 de Maio), hein? Não faltará muito para ser língua de trabalho na ONU.

 

[Texto 12 187]